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31 de março de 2010

O Golpe Militar de 1964

Tanque, jipes e militares na Esplanada dos Ministérios, próximo ao Congresso Nacional em abril de 1964 - foto reprodução Wikipédia

O golpe de Estado no Brasil em 1964 foi a deposição do presidente brasileiro João Goulart por um golpe militar iniciado na noite de 31 de março e concretizado em primeiro de abril de 1964, pondo fim à Quarta República (1946–1964) e iniciando a ditadura militar brasileira (1964–1985). O Golpe teve a forma de uma rebelião militar, a declaração da vacância da Presidência pelo Congresso Nacional em 2 de abril, a formação de uma junta militar, denominada de "Comando Supremo da Revolução" e o exílio do presidente João Goulart no dia 4. Em seu lugar assumiu o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, até a eleição pelo Congresso do general Humberto de Alencar Castelo Branco, um dos principais líderes do golpe.

Democraticamente eleito vice-presidente em 1960, Jango, como Goulart era conhecido, assumiu o poder após a renúncia do presidente Jânio Quadros em 1961 e a Campanha da Legalidade, que derrotou uma tentativa de golpe militar para impedir sua posse. Em seu governo a crise econômica e os conflitos sociais aprofundaram-se. Movimentos sociais em vários meios — político, sindical, camponês, estudantil, as praças (baixas patentes militares) — militavam pelas reformas de base, propostas também pelo presidente. Ele teve crescente oposição entre a elite, classe média urbana, grande parte do oficialato, Igreja e imprensa, sendo acusado de ameaçar a ordem legal e de ser conivente com o comunismo, o caos social e a quebra da hierarquia militar. Ao longo de seu mandato, esteve sob numerosos esforços para pressionar e desestabilizar seu governo e conspirações para destituí-lo. As relações com os Estados Unidos deterioraram e o governo americano aliou-se às forças oposicionistas e seus esforços, apoiando o golpe. Goulart perdeu o apoio do centro, não conseguiu aprovar as reformas no Congresso e no estágio final de seu governo contou com a pressão dos movimentos reformistas para superar a resistência do Legislativo, levando ao ápice da crise política em março de 1964.

Em 31 de março a rebelião eclodiu em Minas Gerais, conduzida juntamente por militares e alguns governadores. Militares legalistas e rebelados deslocaram-se para o combate, mas Goulart não queria a guerra civil. Os legalistas inicialmente estavam em superioridade, mas com a ocorrência de adesões em massa, a situação militar do presidente deteriorou e ele sucessivamente viajou do Rio de Janeiro a Brasília, Porto Alegre, o interior gaúcho e o Uruguai. Os golpistas controlavam a maioria do país ao final de 1.º de abril, e o Rio Grande do Sul no dia 2.

O Congresso declarou vago seu cargo enquanto ele ainda estava em território nacional, na madrugada do dia 2. Movimentações para defender seu mandato, como a convocação à greve geral, foram insuficientes. Enquanto uma parte da sociedade saudava a autodenominada “revolução”, outra foi alvo de forte repressão. A classe política esperava um breve retorno a um governo civil, mas nos anos seguintes consolidou-se a ditadura de caráter autoritário, nacionalista e politicamente alinhado aos Estados Unidos.

Historiadores, cientistas políticos e sociólogos já deram numerosas interpretações ao evento, que foi tanto a implantação da ditadura militar quanto a última de várias crises políticas da República Populista com oponentes parecidos, como em 1954, 1955 e 1961. No contexto internacional, ele fez parte da Guerra Fria na América Latina e ocorreu no mesmo período de vários outros golpes militares na região.

Após tomar posse, Castelo Branco definiu o processo que o alçou ao poder: “Não se trata de um golpe de Estado, mas de uma revolução”. O termo também aparece no primeiro Ato Institucional. Esse conceito de revolução tem mais inspiração nos pronunciamentos, com a derrubada de um governo e a pretensão a reafirmar a soberania popular, do que na ruptura radical com a ordem estabelecida, como na Revolução Russa de 1917. Ele permaneceu em uso na caserna durante e após a ditadura. Porém, para Ernesto Geisel o ocorrido não foi uma revolução, pois uma revolução é a favor de um ideal e o movimento de 1964 foi apenas “contra Goulart, contra a corrupção e contra a subversão”. Gilberto Freyre elogiou o ocorrido como “uma ‘revolução branca’, promotora da ordem política e social”.

A historiografia atual usa golpe para esse processo. Houve uma captura dos órgãos estatais pela força militar, e os novos donos do poder estavam acima do ordenamento jurídico anterior. Isso pode ser visto no preâmbulo do AI-1 — “os processos constitucionais não funcionaram para destituir o governo”, e a “revolução vitoriosa” “edita normas jurídicas sem que nisto seja limitada pela normatividade anterior à sua vitória”.

A tomada do poder também ocorre numa revolução, mas em seu sentido moderno isso é seguido de “profundas mudanças no sistema político, social e econômico”. Já o ocorrido no Brasil foi definido como a defesa da ordem estabelecida contra a desordem. Contrarrevolução é usado por alguns militares e acadêmicos, com conotações tanto positivas quanto negativas. Também há o termo contragolpe. A rejeição do termo golpe de forma favorável ao evento, existente no discurso político atual, é avaliada como revisionismo ou negacionismo.

A qualificação do golpe como “civil-militar” é bastante difundida e não é recente. Um dos primeiros autores a usá-la foi René Armand Dreifuss, em 1981; porém, o termo foi usado no sentido de “empresarial-militar”, referindo-se a civis específicos, e não genericamente a civis como não-militares. Desde pelo menos 1976, vários autores chamam o evento de “movimento” ou “golpe” “político-militar”, “empresarial-militar” ou “civil-militar”. “Civil-militar” é usado pois civis não apenas apoiaram, como também deram o golpe.

 A importância relativa dos militares foi maior nos estágios finais e na concretização. O golpe só poderia começar com o deslocamento de tropas. Poder de fogo, armamentos disponíveis, viaturas empregadas e tamanho das tropas foram considerações importantes e puramente militares, embora não tenha havido combate.

O período democrático iniciado em 1946 era marcado pela oposição entre nacional-estatistas e liberal-conservadores, divididos pela atitude ao investimento estrangeiro, alinhamento aos Estados Unidos e intervenção estatal na economia e relações de trabalho. Em três momentos — 1954, no suicídio de Getúlio Vargas, 1955, no contragolpe do marechal Lott, e 1961, na renúncia de Jânio Quadros — alguns militares e políticos do bloco liberal-conservador tentaram golpes, criando graves crises que beiraram a guerra civil, mas não tiveram apoio suficiente na sociedade e nas Forças Armadas. Em 1964, o conflito foi entre os mesmos blocos, mas o golpe encontrou base suficiente para vencer. Dadas as tentativas anteriores de golpe, o ocorrido em 1964 não foi unicamente resultado da situação imediata.

Os três grandes partidos eram o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), União Democrática Nacional (UDN) e Partido Social Democrático (PSD). O PTB representava a herança trabalhista de Vargas, o PSD nasceu da máquina política varguista e a UDN vinha da oposição a Vargas. A tendência de urbanização gradualmente expandia os votos do PTB. PTB e PSD eram aliados na maior parte do período. A UDN representava a direita, o PTB avançava para a esquerda e o PSD estava ao centro.

A eleição de 1960 empossou como presidente da República Jânio Quadros, apoiado pela UDN mas posicionando-se acima dos partidos, e, como vice-presidente, João Goulart, do PTB. Jânio e Jango eram de chapas adversárias, mas no sistema eleitoral da época a eleição era separada. No poder, Jânio isolou-se e após pouco tempo de mandato, renunciou em agosto de 1961, provavelmente numa manobra para ter a renúncia recusada e retornar fortalecido. Ele contava com a forte rejeição de seu vice, que estava em viagem à China, entre os militares. Entre os militares Jânio era popular, e Jango, antigo desafeto. Em 1954, quando era ministro do Trabalho de Vargas, já era considerado muito esquerdista e foi demitido devido ao Manifesto dos Coronéis.

A manobra de Jânio fracassou e sua renúncia foi aceita. Mas a rejeição ao vice materializou-se no veto dos três ministros militares, entre eles Odílio Denys, ministro da Guerra, ao retorno ao país e posse de Goulart. Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul, rejeitou o veto, deflagrando a Campanha da Legalidade. Ele recebeu amplo apoio pelo país, e o general José Machado Lopes, comandante do Terceiro Exército, juntou-se à causa da sucessão constitucional. Tanto esquerdistas quanto conservadores formavam a coalizão oposta aos ministros militares. Os conservadores montaram a solução para a crise: Jango tomou posse, mas sob a nova República Parlamentarista, na qual seus poderes eram reduzidos.

A próxima eleição presidencial estava prevista para 1965. Os pré-candidatos mais fortes eram Juscelino Kubitschek, pelo PSD, e Carlos Lacerda, governador da Guanabara e ferrenho oposicionista, pela UDN. As melhores opções do PTB seriam Brizola ou o próprio Goulart, mas a lei não permitia a reeleição ou a candidatura de parentes (Brizola era cunhado de Jango).

Tanto Jânio quanto Jango herdaram de Juscelino Kubitschek (JK) uma economia em grande modernização, mas desequilibrada, e não conseguiram superar as dificuldades econômicas brasileiras do início dos anos 60, especialmente o crescimento da inflação e do déficit da balança de pagamentos. A inflação subiu de 30,5% em 1960 a 79,9% em 1963 e 92,1% em 1964. O Produto Interno Bruto cresceu 8,6% em 1961 e apenas 0,6% em 1963. Tanto a classe média quanto os trabalhadores estavam preocupados com a corrosão de seus salários. O fracasso em superar a crise econômica deveu-se em parte à pressão de grupos de interesse domésticos (trabalhadores e empresários) e externos. O aumento do custo de vida impulsionava a organização e atividade do sindicalismo. Ocorreram 430 greves em 1961-1963, contra 180 em 1958-1960. O Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), surgido fora da legislação sindical, organizou as “primeiras greves de caráter explicitamente político na história brasileira”.

Segundo um relatório do International Food Policy Research Institute havia escassez de alimentos, empurrando a inflação e atraindo atenção ao campo.] O país era mais agrário do que no presente: no censo de 1960, apenas 44,67% da população vivia nas cidades. No Sudeste esse valor chegava a 57%, e no Nordeste, apenas 33,89%. Havia grande concentração fundiária. O nível tecnológico era defasado. A mobilização social chegava também ao campo, onde ocorriam invasões de terras e violentos conflitos. As Ligas Camponesas, concentradas no Nordeste, atingiram seu ápice e radicalizaram-se, clamando pela “reforma agrária na lei ou na marra” no lugar do caminho moderado proposto pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB). Elas entraram em declínio a partir de 1963 devido à regularização da sindicalização rural pelo governo e a organização de sindicatos pela Igreja Católica e PCB.

O período assistiu a uma intensa “mobilização popular”. Sindicalistas e membros das Ligas juntavam-se a outros integrantes das esquerdas. Elas eram heterogêneas, mas tinham em comum a exigência de reformas de base — “bancária, a fiscal, a administrativa, a urbana, a agrária e a universitária” — “além da extensão do voto aos analfabetos e oficiais não-graduados das Forças Armadas”, a legalização do PCB, a Política Externa Independente, o “controle do capital estrangeiro e o monopólio estatal de setores estratégicos da economia”. As esquerdas tinham desconfianças sobre Goulart, e tanto ele quanto elas buscavam aliar-se pelas reformas, mas vendo-se como autônomos. O presidente sofreu muitas críticas da esquerda, que rejeitava seus esforços de conciliação.

Nas Forças Armadas, movimentos de subalternos militares como sargentos e marinheiros entravam em conflito com os oficiais por exigências internas, como os direitos a concorrer em eleições e ao casamento, e também defendiam as reformas. Havia intelectuais organizados, e alguns católicos formaram a Ação Popular. Estudantes militavam na União Nacional dos Estudantes (UNE). O PCB era bem organizado e tinha sucesso nos sindicatos em cooperação com o PTB. Leonel Brizola destacava-se dentro da classe política, atraía fama com a encampação de empresas americanas e tinha muitos seguidores. Ele unificou os grupos favoráveis às reformas de base na Frente de Mobilização Popular e mobilizou sua base política em Grupos dos Onze.

Na oposição, foi importante a ascensão do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), ligado à Central Intelligence Agency (CIA), e o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), que reunia a “nata do empresariado brasileiro”. Mais do que realizar propaganda ideológica, essas organizações eram um polo conspiratório.

A América Latina estava na esfera de influência dos Estados Unidos, mas nos anos 50 não era considerada muito importante. No contexto da Guerra Fria, o governo americano combatia a expansão da influência da União Soviética através da política de contenção e estava sob pressão doméstica para ter uma política externa dura. Na prática, na América Latina mesmo governantes reformistas, mas não marxistas, como Goulart, podiam ser alvos da pressão americana, que ocorria através de incentivos econômicos ou do apoio a golpes de Estado.

A Revolução Cubana, em 1959, trouxe a América Latina ao centro das atenções e introduziu o objetivo de evitar sua repetição no restante da região. Com a crise dos mísseis de Cuba, em 1962, o equilíbrio de forças na região pendeu para os EUA em detrimento da URSS, permitindo uma atitude mais dura com os governos latinoamericanos. Surgiu também a Aliança para o Progresso, novo programa de assistência econômica que deveria evitar uma nova Cuba pelo apoio à democracia, reformas (como a agrária) e a superação do subdesenvolvimento. A política americana para a região não concretizou essa ideia. Golpes militares, como na Argentina e no Peru, em 1962, e na Guatemala e Equador, em 1963, ocorreram como fenômeno internacional, e os governos autoritários instalados foram reconhecidos pelos EUA. O objetivo de evitar novos governos socialistas e comunistas na região foi assim conseguido.

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.


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