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31 de maio de 2018

O Sertão transformado depois da estação de chuva

Açude de Quixaramobim após a quadra invernosa (Foto: Júlio Caesar)
Oficialmente, nossa quadra chuvosa termina hoje e entrega um novo sertão. É o mais reluzente de seis “invernos” para trás (o linguajar sertanejo não deixa de chamar de “inverno” o seu tempo de chover). Ainda há senões a serem desfeitos. Haverá pontos de estiagem emendando-se pelo sétimo ano seguido. Mesmo assim, o sertão cearense já é outro.

É o melhor aporte hídrico no Ceará desde 2012, apesar de 32 reservatórios ainda contabilizados no volume morto ou seco, segundo a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh).  

“Temos água para mais um ano”, afirma o secretário estadual de Recursos Hídricos, Francisco Teixeira. “Mesmo que o aporte tenha sido menor do que esperávamos”. A espera pelas águas da transposição do rio São Francisco, segundo ele, deve durar até mais perto do fim do ano – não agosto, como previu o Governo Federal.

Os espelhos d’água se redesenharam. Estão maiores. Gigantes como Castanhão e Orós não chegaram a dois dígitos de volume armazenado, mas recarregaram. Estavam rasos demais. Agora estão com 8,5% e 9,5%, respectivamente. Os gestores definiram manobras de fornecimento, trancaram a vazão – o Castanhão, por exemplo -, para que a recarga fosse mais visível. 

As chuvas é que vieram menores que a expectativa. O veranico de março se estendeu demais e também atrapalhou no fechamento da média do ano.Há novo fôlego para um segundo semestre que será certeza de a chuva rarear. Previsão de calor, evaporação e a perda. Tendem a voltar aos níveis preocupantes. Barragens que saíram do zero, como a do Banabuiú, continuam rentes, mas a marca da água antiga na parede está menor. Sinal de que o açude guardou mais que na chuva passada. Subiu 11,27 metros de coluna de água (até o dia 18). Estava em menos de meio por cento em janeiro, batia 7,01% até ontem.

Em Quixeramobim, até março, via-se a areia dentro da barragem. Plantações de milho e feijão, nada de água. A régua estava ociosa. Pelas redes sociais, diante da calamidade hídrica, moradores locais pediam “socorro”. De repente, a chuva de abril, em 12 dos 30 dias, foi ligeira para encher. Chegou a mais de 96%. Está nos 94%.Dia 8 de abril, três horas de chuvoeiro na madrugada de Quixeramobim somaram 65 mm. Dia 10: 40 mm. No dia 12, a maior chuva local: 76 mm, cinco horas de água. Dia seguinte, 13 de abril, céu encoberto à tarde: mais 65 mm. Dia 17, outros 30 mm. Dia 30, mais 19,2 mm. 

Açude de Quixaramobim antes a quadra invernosa (Foto: Júlio Caesar)

Com outras precipitações menores, o mês fechou com 331,3 mm. Mais que janeiro, fevereiro e março juntos: 190,2 mm somados.“Passei esses últimos anos sem anotar praticamente nada. Era só observação. Agora, faltam alguns centímetros para sangrar. Tomara”, relata João Eudes Gomes, funcionário do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), administrador do açude Quixeramobim. A dez dias do fim da quadra chuvosa, faltaram 14 centímetros para a sangria, que não veio.

O jornal O POVO rodou 1.600 km na região central do Ceará. Nesse meio de sertão, entre asfaltos e carroçáveis estão terras que pegaram água bem, açudes renovados e safra garantida. O Trapiá II, em Pedra Branca, de porte médio, está com quase 13% de volume. Em janeiro, tinha o chão rachado no leito. A situação local ainda é crítica no todo, mas o cenário no entorno é promissor. Ao lado do açude, o mais bem encharcado do município, tem mamão, milho, feijão, fava, arroz, coentro, cebolinha, jerimum e macaxeira no hectare do seu Pedro Tomaz Matos, 47 anos. 

“Tem água e tem legume. O açude dá para uns dois anos mais. Então essa seca acabou”, decreta o agricultor. Fazia seis anos, segundo ele, que não vingava nada. “Aqui estava só na pedra. Não dava nada”.A massa de nuvens que encobriu o açude Cedro, em Quixadá, no fim da tarde do dia 18 passado, foi parecida com a que inundou Fortaleza no mesmo horário. 

Níveis torrenciais semelhantes: 65 mm em Quixadá, 54,4 mm na Capital. De dentro do reservatório, a silhueta da pedra da Galinha Choca tinha o céu carregado de um lado e o resto de pôr do sol do outro. Em 2018, o Cedro subiu cerca de 1,40 metro, quase igualou os 2,60 metros de 2017. Está com 2,17% de sua capacidade. Melhor que a secura total de 2016.

Nos açudes domésticos, esturricados até antes de fevereiro, a água dá para matar a sede dos animais. Não é potável para o consumo humano. Ajuda nas pequenas soluções. Deverão receber pequenas chuvas ainda em junho, “esporádicas”, no quadro previsto pela Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme).

Em Pedra Branca, o açude Padre Geraldo, construído em 2011, pega água pela primeira vez. Era só uma vala e uma parede seca até então. Ainda sem sensores de monitoramento, “no olho” já estaria com cerca de 30% de sua capacidade (8 milhões m³). Mais reserva para aguentar outra seca futura. Ainda não é possível saber se a chuva de 2019 virá, mas tem alguma água espalhada enquanto se espera.

O salto é para o céu, refletido na água que reencheu o Quixeramobim açude. Uma cambalhota, de pernas unidas, de braços abertos, de bico. Variações para todo jeito de pular de cima da barragem. Samuel Lopes Espírito Santo e Luciano Vitor Neves, os dois com 16 anos, agora têm se divertido assim, desde que o reservatório ganhou o aporte. Esperam que não venha nenhum veículo na rodovia CE-060 – que passa por cima do sangradouro da barragem – e correm para a pirueta da vez. 

“Deve ter uns dez metros de fundura aqui perto”, calcula Samuel. Lembra quando a parede estava toda aparente, ainda em março deste ano. Não acreditava que encheria tão rapidamente. “Já vi aqui sangrando. Era pequeno, mas lembro”, conta Luciano. Naquele dia, faltavam 20 centímetros para o Quixeramobim derramar outra vez. AGORA E ANTES BARRAGEM do açude Quixeramobim. A imagem acima mostra o cenário atual. Abaixo, a foto é do início do ano, sem água.

O vento Aracati, que sopra a frieza do mar para o vale jaguaribano, levou menos chuvas para dentro do Castanhão que a expectativa criada no início do ano. Quando as nuvens escureceram, havia uma euforia de que o açude pudesse alcançar 20% ou até 30% de sua capacidade. Mesmo com a medida de retenção no fornecimento, isso não se deu. 

O Castanhão estava em 2%, o máximo a que chegou foi perto de 9%. “A notícia alvissareira é que saímos do volume morto”, celebra o administrador do açude pelo Dnocs, Fernando Pimentel. Com o açude seco, o mataga. A água voltou ao Castanhão, mas o peixe se escondeu. Samuel Xavier, 33, está há mais de dois meses rancheado com a esposa e o pai numa das ilhas do açude. Por oito dias de trabalho, pegou 70 kg de pescado e recebeu R$ 140. “Tá difícil”, diz. “Só deve melhorar daqui a uns dois anos”, prevê. ”TÁ DIFÍCIL”COM A CHUVA, o Castanhão saiu do volume morto (foto acima), mas o peixe ainda está escasso. Abaixo, imagem do final de 2017

Até cinco da tarde, o açude Cedro estava encoberto apenas da claridade do por do sol. Fotogênico. De repente, uma grande massa de nuvens carregadas foi encobrindo a pedra da Galinha Choca. O vento dobrou árvores mais finas, derrubou folhas, afastou um grupo de formandos que posava para uma sessão de fotos, claridade agora de relâmpagos e trovões em sequência. 

A chuva torrencial veio de uma vez. De dentro do açude, o canoeiro Roger Evandro remava para uma estudante que faz a travessia diariamente. Roger, 52, se diz barqueiro desde os 13. Uma das chuvas grandes que viu em Quixadá, em 2018, deu 65 mm (18/maio). Já são 672,4 mm no ano(até o último dia 24). Apenas 6,2% abaixo da média esperada, que é de 716,9 mm. Ainda no nível equivalente a 2017. O Cedro foi construído entre 1890 e 1906, por ordem de dom Pedro II. 

Ajoia do sertão mais antigo o açude do Brasil virou descampado como mostra a foto abaixo (14/1/2017). Acima com aporte das chuvas




Antônio Sobrinho de Lima, 65, “o Paim”, está trazendo peixe de Santarém (PA), para tratar na beirada do açude Orós. De lá, revende para vários cantos do Nordeste. Porque ainda não deu tilápia e tucunaré em quantidade suficiente no açude cearense. Trata, salga e congela antes de transportar para o Piauí ou Alagoas ou Paraíba. As gamelas saem cheias de mapará, mandi moela, pescadinha, tudo nativo dos rios da Amazônia. “O Orós ainda não tá dando nada de peixe solto, só das gaiolas. Mas ainda pouco”, relata. A baixa do nível em seis anos de seca fez a água perder a oxigenação. Paim tem criatórios de tilápia dentro do Orós. Dos poucos que mantiveram. Diz que gasta cerca de R$ 30 mil por semana comprando ração – bem mais que durante o açude mais cheio. Em 2018, a água subiu mais de três metros na barragem.PEIXE DE FORANO ORÓS, a água subiu mais de três metros. Depois da chuva, mas o peixe ainda vem de fora ou só na gaiola

A água do Banabuiú ainda é barrenta, ruim de peixe. De ter quase nada em linhada ou galão jogados pelos pescadores. “Só deve melhorar depois que passarem as chuvas. A água vai acalmar, clarear, aí os peixes reaparecem”. Francisco Ananias, de 57 anos, tem saído na canoa a motor todo dia para tentar alguma coisa. Volta com pouco, mas reclama menos. A quem é dali o cenário agora é de alívio. 

O reservatório ganhou mais de 11 metros de coluna d’água nesta temporada chuvosa de 2018. Estava em menos de meio por cento até janeiro e alcançou 7% nos últimos dias de maio. Quando esteve cheio pela última vez, em 2009, o Banabuiú era um mar de 1,6 bilhão de m³ no meio do sertão. Agora é um “pequeno” com 112 milhões de m³. O abastecimento humano do município de Banabuiú tem saído da barragem, mas ainda há a necessidade de pipas. SEM PEIXE COM A CHUVA de 2018, a água subiu, mas o peixe não. 

Com informações portal O Povo Online

Confiram abaixo imagens de Júlio Caesar dos principais reservatórios do Ceará, antes e depois da quadra invernosa:











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