Páginas

14 de março de 2021

O que já mudou onde a vacinação avançou

Com mais da metade da população vacinada com ao menos uma dose, Israel reabre gastronomia, eventos culturais e universidades (Foto: Reprodução/Reuters)

A comitiva brasileira liderada pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, visitou Israel, País com o qual o governo Jair Bolsonaro tem muitas afinidades. O primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, foi um dos chefes de Estado presentes à posse do governante brasileiro, em 1º de janeiro de 2019. Porém, em relação à Covid-19, os dois países têm realidades bem opostas. Araújo e seus companheiros de viagem puderam testemunhar uma realidade que, quem sabe, poderá ser a do Brasil quando a vacinação chegar à maioria da população.

Nesta segunda semana de março, Israel deu novos passos em direção ao retorno à normalidade. Cafés, bares e restaurantes reabrem, restrições ao deslocamento são reduzidas. Aulas presenciais são retomadas. A reabertura prioriza os já vacinados. Israel tem mais de 50% de sua população inoculada com pelo menos uma dose de vacina.

A liberação dá tratamentos diferentes conforme a situação de imunização de cada pessoa. É adotada uma política de passaportes. Estabelecimentos gastronômicos podem receber portadores do chamado "passaporte verde" (ou "passe verde"), concedido aos que se recuperaram da Covid-19 ou receberam a segunda dose há pelo menos uma semana. A ocupação dos estabelecimentos não pode exceder 75%, e aqueles que não apresentarem o certificado exigido para entrar podem se sentar em mesas ao ar livre.

Desde o último dia 7 de maio, locais de eventos culturais também podem ser abertos, mas não têm permissão para exceder 50% de sua capacidade e só podem admitir aqueles com passaporte verde e uma porcentagem limitada de pessoas que deram negativo em testes de coronavírus.

Também foi permitida a volta às aulas presenciais, além dos universitários, para os estudantes entre 11 e 14 anos de idade que frequentam escolas nas cidades do país classificadas como "verdes" ou "amarelas" com base em suas baixas taxas de infecção e vacinação. Os alunos de instituições religiosas só poderão voltar quando tiverem um "passaporte verde".

Os locais de culto também poderão receber fieis que apresentem o certificado, embora em número limitado. Aqueles que concordarem em receber pessoas que não portarem o passe verde terão limites mais rígidos e não poderão abrigar mais de 20 pessoas em espaços fechados e 50 ao ar livre.

Lockdown desde dezembro

Dessa forma, Israel elimina quase completamente as restrições implementadas durante o terceiro lockdown, que durou seis semanas desde o fim de dezembro e que vem sendo relaxado em etapas desde meados de fevereiro. A rápida campanha de vacinação do país, iniciada em dezembro e com quase 5 milhões de pessoas imunizadas com a primeira dose da vacina Pfizer e quase 4 milhões com a segunda, tem sido fundamental para o avanço da saída gradual da quarentena.

O país lançou seu programa do "passaporte verde" no mês passado, permitindo que um número controlado de pessoas com comprovante de vacinação frequente academias, piscinas e outras instalações. Nas últimas semanas, Israel, com uma população de pouco mais de 9 milhões de habitantes, viu um declínio acentuado no número de infecções e pacientes em estado grave, e agora tem pouco mais de 40 mil casos ainda ativos, de um total de 800 mil identificados desde o início da pandemia.

No Reino Unido, que também tem um programa de vacinação avançado, o cronograma para reabertura começou na última segunda-feira, com escolas e a permissão para duas pessoas de casas diferentes socializarem a céu aberto. A abertura do comércio não essencial - como lojas e centros de lazer - ocorreu no dia 12.

"Mesmo com o retorno às atividades do dia a dia ainda em suspenso, e as muitas dúvidas em torno da efetividade das vacinas, é importante mantermos uma visão positiva sobre o desenrolar de 2021", diz Ana Luíza Gibertoni Cruz, infectologista e pesquisadora em Oxford. "Pode ser que doses adicionais de vacinas sejam necessárias por conta das variantes virais novas, mas a produção será mais rápida, o acesso mais organizado e tudo indica que continuaremos protegidos de doença grave e morte."

Enquanto isso, ela avalia que é preciso ter conhecimento das dinâmicas de transmissão do vírus em tempo real, tanto em grandes centros urbanos como em localidades mais isoladas. Para isso, Ana Luíza diz ser preciso haver um sistema forte de vigilância com testagem ampla, sequenciamento genômico para monitorar o surgimento de novas variantes e isolamento de casos para quebrar cadeias de transmissão. "E, em paralelo a esta estrutura, uma campanha de vacinação."

Mudança de rotina em Israel

Por meses, a brasileira Hanna Rosenbaum abria a porta de casa, em Jerusalém, e via as luzes dos hotéis da região onde mora apagadas. A cena se repetia desde março do ano passado. Nos últimos dias, o cenário mudou: com o avanço da vacinação em Israel, a cidade voltou à vida. 

Os parques ganharam visitantes, as escolas receberam alunos e os bares têm clientes novamente. "Fazia muito tempo que eu não entrava em um shopping", disse a jovem, de 25 anos, vacinada há três semanas. "Sentei na mesinha de um restaurante com meu namorado e pensei: 'Há quanto tempo não fazíamos isso?'. Foi bem nostálgico."

Hanna fez há pouco mais de uma semana algo que havia muito desejava — e é uma realidade distante na maioria dos países: uma viagem. Saiu de Jerusalém para o norte de Israel passar uns dias em algum hotel, serviço que ainda funciona com restrições.

Comer em um restaurante - para quem tem o "passaporte verde" da imunização - pode ser de novo uma realidade. Reuniões de mais de 20 pessoas em locais fechados e de até 50 em áreas abertas voltam a ser permitidas. Comícios políticos para as eleições de 23 de março podem ter até 500 pessoas.

Na semana passada, ao voltar do hospital onde trabalha, a médica brasileira Adriana Giglio viu pela primeira vez um bar aberto e várias pessoas sem máscara na parte externa. "Não acontecia havia muito tempo."

Ir para o escritório da startup onde trabalha em Tel-Aviv foi a maior mudança na rotina da brasileira Elisa Bloch, arquiteta de 27 anos. Ela trabalhou de casa por um ano. Elisa também planeja encontrar mais amigos e tem o mesmo desejo de Adriana: "Só penso em visitar a família no Brasil, mas tenho medo de ir e ficar presa. Alguns países podem fechar as fronteiras com o Brasil." Agora, ela retorna aos poucos à normalidade. Recentemente, foi pela primeira vez a um restaurante. "É uma sensação de mais normalidade", conta.

Professor de relações internacionais da USP, especializado em Israel, Samuel Feldberg afirma que a rapidez da vacinação no país é fruto da logística, do sistema de saúde digitalizado e do esforço do governo. "É uma preocupação que começou lá atrás com as providências para obter vacinas", afirmou. A maior dificuldade na vacinação é a resistência de judeus ultraortodoxos, que recusam a vacina.

A dimensão de Israel - menor que Sergipe -, testagens em massa e gratuitas e uma população de 9 milhões de habitantes também são fatores-chave. Todos os ouvidas pela reportagem destacaram o papel do primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, que participou da campanha de vacinação.

A brasileira Hanna Rosenbaum diz que Netanyahu teve perspicácia e inteligência, um papel crucial de dar o exemplo. "É um líder muito forte." Para Adriana Giglio, o primeiro-ministro teve o papel de "desmistificar" a vacina ao se voluntariar. "É claro que tem um componente político, mas ele levantou a bandeira, se ofereceu e sempre foi a favor da vacina." 

Obstáculos apesar da vacinação nos EUA

Se em Israel cresce a sensação de normalidade, o mesmo não é visto nos Estados Unidos. Cerca de 75 milhões foram vacinados, mas os efeitos práticos disso em um país de 330 milhões de habitantes não estão visíveis para todos. Para o virologista Anderson Brito, que vive em Connecticut, a única coisa que mudou foi a sensação de estar protegido e saber que não sofrerá tanto com a doença se for exposto ao vírus. "Mas o receio de poder transmitir o vírus ainda existe. Então, o uso de máscara e evitar locais fechados continua como norma." 

Sua rotina segue igual, já que as restrições ao número de pessoas trabalhando fisicamente continuam. Brito é taxativo ao dizer que a vacinação só trará reflexos quando houver 60% ou mais de pessoas imunizadas - a quantidade depende de quão transmissível o vírus está na comunidade. "O Brasil tem menos de 4%, e os EUA, 25%. Em nível pessoal é um alívio se vacinar, mas em nível social, o problema persiste. Como virologista, frequentar estabelecimentos sem as precauções usuais passaria uma mensagem errada."

A brasileira Pilar Laitano, que estuda Direito em Nova York, tem 22 anos e tomou apenas a primeira dose. A outra será daqui a um mês. Na prática, diz que nada mudou e vê poucas alterações na cidade - grande parte das empresas continua em home office, o que faz com que o fluxo de pessoas seja menor no transporte público.

Na maior cidade dos EUA, a maioria dos vacinados integra grupos de idosos, profissionais da saúde e pessoas que atendem a alguns critérios estabelecidos, como professores universitários ou trabalhadores de serviços essenciais. "Está tudo ainda bem vazio e a orientação é não mudar o comportamento até realmente ter muita gente vacinada. Vai demorar para voltar ao normal."

A terceira maior cidade do país, Chicago, abriu as escolas públicas pela primeira vez em um ano. Restaurantes em Massachusetts voltaram a operar com capacidade total e, na Carolina do Sul, os limites para reuniões de pessoas foram flexibilizados. 

Como Israel conseguiu vacinar em massa

O fato de esse país com 9,3 milhões de habitantes ter sido capaz de garantir grandes quantidades de vacinas está ligado aos termos contratuais muito específicos que Israel negociou com as fabricantes. Ao contrário da UE, Israel não manteve esses termos contratuais sob sigilo, mas disponibilizou o acordo com a Pfizer, por exemplo, na internet. Segundo o texto, Israel paga bem mais pelas doses da vacina da Biontech-Pfizer do que a UE, em torno de 23 euros por dose, em comparação com os 12 euros da UE. Além disso, o Estado israelense assume a responsabilidade pelo produto.

Já para a União Europeia, é muito importante que os fabricantes Biontech e Pfizer continuem sendo responsáveis pelo produto. O mais importante é que o governo israelense acertou com as fabricantes da vacina que Israel forneceria semanalmente à elas os dados da campanha de vacinação. Isso inclui não só os números de infecções e vacinações, mas também as informações demográficas dos pacientes, como idade e sexo.

Segundo as autoridades israelenses, os dados são enviados de forma anônima. Assim, as empresas farmacêuticas não apenas recebem dados de maneira muito rápida e confiável, graças ao sistema de saúde digitalizado em Israel, como também recebem muito mais dados do que obteriam de qualquer estudo – uma fonte de informação de valor inestimável para as empresas farmacêuticas. Em troca, a fabricante da vacina se compromete a fornecer doses a Israel até que seja alcançada a imunidade de 95% por cento da população do país. (DW). 

Chile lidera vacinação na América Latina, mas enfrenta problemas

O bom planejamento na compra de imunizantes contra a Covid-19, colocando de lado o peso ideológico, e a estrutura centralizada fizeram com que o Chile garantisse doses suficientes para vacinar duas vezes sua população e se tornasse o país da América Latina com vacinação mais avançada — 29%, enquanto nenhum outro chega a 10%. É o quinto País do planeta que mais vacinou.

O país foi o primeiro da América Latina a começar a imunização em massa. Nos primeiros 21 dias de imunização, mais de 3 milhões de habitantes haviam recebido a vacina - ao menos a primeira dose. Até agora 4,5 milhões de pessoas receberam pelo menos a primeira dose das vacinas Pfizer/BioNTech que chegaram da Bélgica ou a da chinesa Sinovac, ambas em dose dupla. O plano é chegar a 5 milhões de vacinados, um quarto da população de 19 milhões, até o fim de março, e 15 milhões até o fim de julho.

"O país começou a trabalhar em maio do ano passado para ter vacina segura e eficaz, em quantidade adequada para os chilenos. O trabalho dos ministérios da Saúde, Relações Exteriores e Ciências, comandados pelo presidente Sebastián Piñera, foi fundamental porque não envolveu apenas a compra das vacinas, mas a logística, organização e distribuição", disse o Ministério da Saúde.

"O Chile negociou mais cedo do que outros países e começou a vacinação em um ritmo muito forte, com cerca de 150 mil a 200 mil cidadãos vacinados por dia", afirmou Moisés Marques, professor de relações internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fesp).

A maior parte das vacinas administradas pelo governo foi adquirida da chinesa Sinovac, 4 milhões de doses já foram entregues e outras 4,5 milhões devem chegar entre os dias 25 e 26, segundo o Ministério da Saúde.

Em paralelo à negociação com a China, o Chile atuava em outras frentes: o embaixador do país em Londres, David Gallagher, ajudou a garantir doses da AstraZeneca, Pfizer e Johnson & Johnson. O foco do governo não estava em saber de onde a vacina chegaria, mas em ter o maior número de doses possível.

Segundo dados oficiais, o Chile tem 315 mil doses do imunizante da Pfizer e receberá nesta quarta-feira mais 190 mil. O país agora trabalha com a Organização Mundial da Saúde (OMS) para atuar no programa Covax, de acesso global a vacinas, que prevê a distribuição de imunizantes para países mais pobres.

"O Chile deve atingir a imunidade de rebanho muito mais rápido. Isso se deve à organização e não colocar o peso ideológico na negociação", disse Marques. Segundo nota do JP Morgan, o país pode ser o primeiro emergente a chegar à imunidade coletiva.

Para Marques, o fato de o Estado chileno ser unitário - e não um federalismo - também tem impacto. "O país é centralizado, tudo fica se concentra na presidência, até questões da cidade de Santiago. Isso facilita. No Brasil, temos a União, Estados, municípios. Vemos municípios vacinando professores de pilates, por exemplo. Isso faz uma diferença brutal."

 

Vacinas aplicadas a cada 100 habitantes

O ritmo da vacinação foi determinado por um plano atualizado semanalmente por meio do Programa Nacional de Imunização (PNI) e único para todo o país, de acordo com o Ministério da Saúde, que ressaltou o papel importante da população. "Os chilenos têm uma cultura histórica de vacinação que permitiu a imunização até agora de 3 milhões de compatriotas", explicou o ministério.

Apesar disso, a região metropolitana, à qual Santiago do Chile pertence, permanecerá o restante de março em quarentena parcial, com confinamento domiciliar obrigatório aos finais de semana devido ao aumento de casos de coronavírus, informaram as autoridades na última quinta-feira, 11.

A imposição desta medida sanitária na região mais populosa do Chile e afeta mais de 7 milhões de habitantes em Santiago, dos 19 milhões que existem no país.

Esse "endurecimento" das restrições, segundo as autoridades, ocorre em resposta a um aumento gradativo dos casos no Chile e, principalmente, na capital. O anúncio coincide com o dia com o maior registro de infecções em todo o país desde 21 de junho do ano passado, quando o Chile começou a se recuperar do máximo histórico durante a pandemia.

Número absoluto de vacinados

Atualmente, o Chile ultrapassou os 5.000 casos em 24 horas e várias vezes as centenas de vítimas da covid-19 por vários dias, chegando a um total de 873.512 pessoas com diagnóstico positivo e 21.362 mortes ao longo de um ano de pandemia.

"Foram estabelecidas medidas mais rígidas para o mês de março. Estamos diante de um momento muito importante e que exige o comprometimento de todos", anunciou a subsecretária de Prevenção ao Crime, Katherine Martorell, em entrevista coletiva.

Além do confinamento domiciliar aos sábados e domingos, a medida contempla a redução das reuniões nas residências para até cinco pessoas, a proibição de eventos com público e o fechamento de academias e cassinos.

Uma situação de retrocesso posterior ao verão e ao movimento interno de turistas num país que recentemente reativou o estado emergencial por causa da catástrofe, além do toque de recolher noturno e o fechamento das fronteiras, que vigora desde março de 2020. Uma demonstração de que a conquista da imunização demanda massificação da vacina e não é um ganho instantâneo.

Com informações portal O Povo Online

Leia também:

 

Não há atalhos para salvar vidas


Nenhum comentário:

Postar um comentário

A Administração do Blog de Altaneira recomenda:
Leia a postagem antes de comentar;
É livre a manifestação do pensamento desde que não abuse ou desvirtuem os objetivos do Blog.