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29 de outubro de 2023

O Brasil um ano após a eleição

Lula exerce seu terceiro mandato na Presidência da República (Foto: Ricardo Stuckert)

Um ano atrás, em 30 de outubro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se tornava presidente eleito depois de derrotar o então chefe do Executivo e candidato à recondução, Jair Bolsonaro (PL), por uma margem mínima de votos no segundo turno.

De lá para cá, a polarização que marcou aquela disputa cedeu pouco terreno, como os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 acabaram por revelar, mas os papéis das duas lideranças políticas se inverteram rapidamente.

Se, durante o pleito e mesmo depois, Bolsonaro exibia força ainda considerável e capacidade de influir nos rumos do campo conservador no país, hoje o ex-presidente tem gradualmente perdido capital, implicado num conjunto de apurações em andamento nos órgãos de Justiça.

Em 12 meses desde que as urnas se fecharam naquele domingo, Lula reconstruiu as bases de diálogo com a institucionalidade e restabeleceu o chamado presidencialismo de coalizão, negociando abertamente com legendas do centrão espaços do governo.

Bolsonaro, por sua vez, vem sofrendo reveses em série. Primeiro com a condenação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que o julgou inelegível até 2030. Depois, com as investigações encabeçadas pela PF que tramitam no Supremo, nas quais o ex-ajudante de ordens Mauro Cid é peça-chave e grande ameaça para o ex-mandatário.

Ao O POVO, analistas indicam os principais marcos desse período que remonta a outubro de 2022, num arco temporal cujo clímax parece ter sido de fato o 8 de janeiro.

Para especialistas, esse foi um momento definidor não apenas do intervalo, mas do primeiro ano de governo Lula, que precisou lidar de perto com as repercussões dos ataques, ainda se desdobrando, com seus envolvidos sendo julgados e condenados pelo STF até aqui.

De acordo com o cientista político e professor Pedro Gustavo de Sousa, da Universidade de Pernambuco (UPE), não há dúvida de que o 8/1 impôs ao presidente recém-empossado um desafio enorme, “deixando evidentes as raízes sociais do bolsonarismo depois de anos de polarização”.

Dali em diante, reflete o docente, coube ao governo petista empreender um grande “esforço de superação dos tensionamentos que antes guiavam a gestão anterior”, postulando uma punição exemplar para os criminosos responsáveis pela depredação do patrimônio, de um lado, e costurando apoios entre representantes tanto do Legislativo quanto do Judiciário, de outro, notadamente dos chefes desses dois Poderes.

Cumprida essa etapa, porém, Sousa assinala que Lula entrou rapidamente numa segunda fase da gestão, que consistiu em refazer pontes dinamitadas por Bolsonaro em seus quatro anos de administração. Nesse sentido, o estrago maior havia sido infligido à convivência entre o Planalto e o STF.

“No âmbito institucional, Lula retomou a normalidade nas relações entre os três Poderes, enquanto a governança pautada na lógica da coalizão partidária voltou a guiar as interações entre Executivo e Legislativo”, aponta o pesquisador.

Noutra vertente, o petista se viu obrigado a investir parte de suas energias na articulação de um bloco congressual que lhe desse sustentação para encaminhar a aprovação da agenda que saiu vitoriosa do processo eleitoral.

“O grande desafio do governo foi, na verdade, construir uma base sólida para poder implementar suas principais ações e reformas”, pondera o cientista político Vitor Sandes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e colunista do O POVO.

Segundo ele, o terceiro mandato de Lula tem levado a cabo essa tarefa com relativo sucesso, “de maneira gradual, não somente contemplando com cargos, mas sabendo manejar o orçamento para acolher esses interesses”.

Entre os “novos-velhos” atores políticos que criaram dificuldades para o presidente num primeiro momento e cujas demandas estão sendo atendidas por Lula, por exemplo, estão os partidos do chamado centrão, um grupo de siglas formado principalmente por PP (de Arthur Lira, presidente da Câmara), Republicanos, PSD e União Brasil.

"O Legislativo se empoderou muito", diz analista

Outro fator que demarcou o período de um ano desde o segundo turno de 2022, do qual Lula (PT) saiu vitorioso contra Jair Bolsonaro (PL), foi o ganho de musculatura e poder de pressão do Legislativo.

Mesmo dividido entre os interesses de Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, e de Arthur Lira (PP-AL), chefe da Câmara, o Congresso encareceu muito as negociações com o Executivo.

Prova disso são as constantes capitulações do governo Lula antes as investidas do centrão orquestrado por Lira.

A mais recente delas, por exemplo, foi a demissão da presidente da Caixa Econômica, Rita Serrano – uma das poucas mulheres no Planalto –, para que o petista pudesse acomodar um aliado do deputado alagoano.

Antes disso, Lula já havia pedido os cargos de Ana Moser, então ministra do Esporte, e de Daniela Carneiro, que comandava a pasta do Turismo. Para essas vagas de titular, foram escalados dois nomes oriundos do centrão “lirista”.

Para Vitor Sandes, pesquisador da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e colunista do O POVO, “o Legislativo se empoderou muito nos últimos anos, com avanço no orçamento e em termos de força dos partidos que não se alinham em primeira instância com o governo”.

Ainda conforme o analista, apesar das pressões do bloco sob batuta do presidente da Câmara, o Planalto tem sabido jogar com as regras, “distribuindo cargos” sobretudo entre os integrantes de siglas como Republicanos e PP, “que estavam muito vinculados ao Bolsonaro” até outro dia, de forma a consolidar uma base parlamentar confortável.

Na verdade, uma ala dessas agremiações permanece opositora, mesmo que seus comandos partidários estejam mantendo tratativas com Lula e alçando quadros para ministérios da gestão.

Também professor e pesquisador, o cientista político Cleyton Monte reconhece que, embora tenha seus pleitos atendidos frequentemente pelo Planalto, o centrão continua se configurando como “um bloco conservador mais próximo do bolsonarismo e que pressiona o governo”.

Esse, conforme o especialista, é um elemento com o qual Lula sabia que teria de lidar logo depois do êxito nas urnas, mas que significa novidade em relação a seus mandatos anteriores (2003/2006 e 2007/2010).

“É um centrão mais forte”, aponta Monte, “com mais autonomia, mais poder de fogo, mais barganha e mais expressivo”.  

Com informações portal O Povo +

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