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10 de julho de 2025

Imprensa internacional destaca crise entre Estados Unidos e Brasil

Lula reage ao tarifaço de Trump afirmando que "Brasil não aceita tutela" (Foto: Reprodução/Instagram)

Os principais jornais estrangeiros destacaram o confronto dos Estados Unidos com o Brasil. A decisão do governo Donald Trump de sobretaxar os produtos brasileiros em 50% e acusar a gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de "caça às bruxas" contra seu antecessor Jair Bolsonaro virou manchete no The Guardian, do Reino Unido, no El País, da Espanha, El Clarín e La Nación, da Argentina, e nos norte-americanos The Washington Post e The New York Times.

O The Guardian ressaltou " Donald Trump anunciou uma tarifa de 50% sobre as atuais do Brasil em uma carta publicada nas redes sociais na qual começou reclamando da perseguição ao seu aliado, o ex-presidente Jair Bolsonaro". O El País publicou que a sobretaxação do governo norte-americano aos produtos brasileiros se deve à retaliação pelo tratamento dispensado pelo governo Lula a Bolsonaro, acusado de liderar um golpe de Estado.

El Clarín escreveu "Trump impõe 50% nas tarifas ao Brasil agravando disputa com Lula", enquanto o La Nación colocou na manchete "Briga aberta entre dois pesados" - "Trump impõe tarifa de 50% ao Brasil, aprofundando sua rivalidade com Lula".

Os jornais norte-americanos The Washington Post e The New York Times enfatizaram que as tensões entre Brasil e Estados Unidos "explodiram". A emissora norte-americana NBC News destacou que uma gota d'água para a decisão de Trump foi o julgamento de Bolsonaro suspeito de liderar a derrubada da gestão do PT.

A Press TV, emissora oficial de televisão do Irã, não informou o assunto, assim como a agência pública de notícias da China, a Xinrua. Tanto a China quanto o Irã pertencem ao Brics ao lado do Brasil, portanto são parceiros naturais e formais. O mesmo ocorreu com a Tass, a agência de notícias do governo da Rússia, outra aliada no bloco econômico. Para especialistas, a explicação pode estar no fuso horário: nesses países a decisão de Trump chega de madrugada.

Lula reage e devolve: "Brasil não aceita tutela"

Depois de uma reunião de emergência, no Palácio do Planalto, para avaliar a escala da crise entre Brasil e Estados Unidos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recorreu às redes sociais para responder à carta do presidente Donald Trump. E não amenizou o tom. Tal como fizera na coletiva depois do encerramento da cúpula do Brics, segunda-feira, quando disse que o líder norte-americano deveria dar "palpite na sua vida e não na nossa", Lula voltou a enfatizar que o Brasil é um país soberano, que não aceita ingerência de nenhuma nação. Disse mais: lembra que o ex-presidente Jair Bolsonaro é réu, no Supremo Tribunal Federal (STF), por estar envolvido numa tentativa de golpe de Estado, o que pela Constituição brasileira é crime.

"O Brasil é um país soberano com instituições independentes que não aceitará ser tutelado por ninguém. O processo judicial contra aqueles que planejaram o golpe de Estado é de competência apenas da Justiça Brasileira e, portanto, não está sujeito a nenhum tipo de ingerência ou ameaça que fira a independência das instituições nacionais", enfatizou Lula.

O presidente rebate a carta de Trump salientando que as restrições impostas às redes sociais pelo STF é por conta da resistência que as plataformas têm em retirar do ar conteúdos criminosos sob a alegação de que, se o fizessem, estariam ferindo os preceitos das liberdades individuais de expressão. "No contexto das plataformas digitais, a sociedade brasileira rejeita conteúdos de ódio, racismo, pornografia infantil, golpes, fraudes, discursos contra os direitos humanos e a liberdade democrática. No Brasil, liberdade de expressão não se confunde com agressão ou práticas violentas. Para operar em nosso país, todas as empresas nacionais e estrangeiras estão submetidas à legislação brasileira", salientou.

Lula responde, também, à afirmação de Trump de que o comércio com os Estados Unidos está desequilibrado a favor do Brasil. Segundo o presidente, "é falsa a informação, no caso da relação comercial entre Brasil e Estados Unidos, sobre o alegado deficit norte-americano. As estatísticas do próprio governo dos Estados Unidos comprovam um superavit desse país no comércio de bens e serviços com o Brasil da ordem de 410 bilhões de dólares ao longo dos últimos 15 anos". E deixa claro que, caso Trump leve realmente adiante a promessa de elevar em mais 50% os produtos brasileiros que circulam no mercado norte-americano, a reação brasileira será na mesma proporção.

"Neste sentido, qualquer medida de elevação de tarifas de forma unilateral será respondida à luz da Lei brasileira de Reciprocidade Econômica", frisa.

Desinformação

Mais cedo, quando o governo ainda digeria a nota da Embaixada norte-americana defendendo Bolsonaro, o vice-presidente Geraldo Alckmin (também ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) afirmou que Trump estava mal-informado sobre a situação do ex-presidente, em referência às postagens que fizera nas últimas horas na Truth Media afirmando que no Brasil havia uma "caça às bruxas".

"Essa afirmação [de que Bolsonaro está sendo perseguido] é totalmente equivocada. O presidente Lula ficou preso por quase dois anos e ninguém questionou o Poder Judiciário, ninguém questionou a democracia do Brasil. Isso [as investigações contra Bolsonaro] é assunto interno do Judiciário", comentou, depois do evento que regulamentou o programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover), que cria o programa Carro Sustentável. E acrescentou que não fazia sentido a taxação ao Brasil. "Não vejo razão para aumento de tarifas ao Brasil. O Brasil não é um problema para os Estados Unidos", observou. Alckmin participou da reunião de ontem à noite, no Planalto, com Lula e os ministros Rui Costa (Casa Civil), Fernando Haddad (Fazenda) e Mauro Vieira (Relações Exteriores).

Ao mesmo tempo, no Ministério das Relações Exteriores, o encarregado de negócios da Embaixada norte-americana, Gabriel Escobar, era convocado pela segunda — no meio da tarde ele já se apresentara à embaixadora Maria Luísa Escorel, secretária de Europa e América do Norte — para explicar o tarifaço de Trump. Ao afiançar a ameaça de taxação, o MRE entregou de volta a carta do presidente dos EUA e disse que o documento era ofensivo, com falsidades sobre o Brasil e trazia detalhes inverídicos sobre a relação comercial entre os países. A devolução significa que a diplomacia brasileira repudia os ataques de Trump.

No Supremo Tribunal Federal (STF), acusado pelo presidente dos EUA de estar à frente de uma campanha de perseguição a Bolsonaro e de promover a censura de redes sociais com sede nos Estados Unidos, não houve qualquer reação às acusações. Nos bastidores, integrantes da Corte ouvidos pelo Correio afirmaram já esperar uma reação de Trump, especialmente diante de recentes decisões do ministro Alexandre de Moraes envolvendo o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente. Uma das avaliações é de que o endurecimento da retórica seria uma resposta direta ao avanço das investigações no Brasil. Também há a avaliação de que o tarifaço não terá poder para interferir no julgamento das ações penais da tentativa de golpe de Estado.

Único integrante da Corte a comentar publicamente o episódio, o ministro Flávio Dino escreveu nas redes sociais que é “uma honra integrar o Supremo Tribunal Federal, que exerce com seriedade a função de proteger a soberania nacional, a democracia, os direitos e as liberdades, tudo nos termos da Constituição do Brasil e das nossas leis”.

Polarização

No Congresso, porém, os ânimos entre bolsonaristas e governistas se exaltaram. Enquanto apoiadores do ex-presidente exultavam com a taxação imposta por Trump e entoavam o discurso de que as sanções vieram por conta da "falta de liberdade" que existe no Brasil, além da "perseguição política ao ex-presidente e à direita", os integrantes da base do Planalto reforçavam o discurso de que ficar ao lado do presidente dos EUA nesta hora é uma "traição à Pátria".

O presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, o bolsonarista Filipe Barros (PL-PR), disse que a tensão diplomática entre Brasil e EUA é resultado da falta de diálogo de Lula com Trump. “Não é pelo fato de o Brasil ser membro do Brics, como estão colocando. O que, de fato, acontece, é que inexiste qualquer relação diplomática do Lula com o Trump. Hoje, o Brasil é visto pelo mundo como um país aliado ao chamado ‘eixo do mal’, os países que são inimigos das democracias ocidentais”, afirmou. Para o parlamentar, o presidente brasileiro provoca o governo norte-americano, o que contribuiu para o mal-estar entre os países.

Já o líder do PT na Câmara, deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), foi um dos mais enfáticos, ao classificar o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) de “traidor nacional” por atuar nos EUA contra os interesses do Brasil. Para o parlamentar, o filho de Bolsonaro é um dos responsáveis pela taxação. “A gente vai discutir o mandato dele. Ele já deveria ter sido cassado. A gente, com certeza, vai tomar uma série de medidas legislativas, mas essa [o pedido de cassação] vai ser uma. Estamos com a equipe jurídica só trabalhando isso. Esse cara é um traidor nacional. Na minha representação à PGR [Procuradoria-Geral da República] e ao STF, falo desse crime de traição nacional”, disse, aproveitando para criticar, também, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), por se alinhar a Trump ao afirmar, nas redes sociais, que Bolsonaro sofre perseguição no Brasil.

“[Essa tarifa] tem cumplicidade do Tarcísio. Todas as pretensões políticas dele, para mim, vão entrar em xeque. Isso não é qualquer coisa. E a posição da turma bolsonarista é de dobrar a aposta”, afirmou Lindbergh.

Publicado originalmente no Correio Braziliense

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