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16 de dezembro de 2018

Pense num 'caba' invocado por Bruna Forte

Perfil do jornalista, compositor e colunista do O povo Tarcísio Matos. (Foto: Júlio Caesar)
Eita, cabra bom da mulesta! Dois dedos de prosa com José Tarcísio Vale Matos já revelam: o jornalista, escritor e compositor é tesouro vivo de nossa terra. Dos seus 61 anos - "É o novo!", acha graça - , mais de 40 são dedicados a mapear expressões, dizeres e trejeitos do Litoral Norte do Estado ao Cariri. Autor do Grande Dicionário da Fala Cearense, Tarcísio Matos é sumidade reconhecida no cearês, língua repleta de jocosidade e resistência.

A rica trajetória de Tarcísio pela linguagem tipicamente cearense começou ainda na década de 1970, quando o jovem "metido a cantor, artista e poeta" foi desafiado pelo pai a ingressar no curso de Medicina da Universidade Federal do Ceará. Invocado pela provocação, Tarcísio entrou na graduação pretendida - mas a sua paixão, nas aulas de anatomia, era "fazer gaiatice" e produzir paródias de músicas sobre o corpo humano. Nunca tomou gosto pela faculdade, mas fez bons amigos e descobriu Quixeramobim, Inhamuns, Iguatu e Cedro nas viagens que realizou com os colegas pelo Interior.

"Em 1977, quando comecei a viajar pelo Estado, também comecei a fazer apontamentos da fala, dos costumes, da muganguice, da fuleiragem", resgata Tarcísio. Sob seu olhar atento, cada paciente carregava consigo bem mais que um sintoma: era um repositório de vida, já vivida e vindoura. 

"Eu não sou humorista, mas sempre gostei de ver o ângulo especial do fato pela ótica do hilário, do burlesco. A linguagem é muito rica. Nada é por acaso, tudo vem de algum canto. Esse ritmo que o cearense tem ao falar se transforma na piada em si", teoriza o escritor.

Três anos após o início do curso, em 1980, Tarcísio deixou jalecos e bisturis para ingressar na antiga faculdade de Comunicação Social da UFC. Danado, já engraçou-se com jornais acadêmicos e cedo começou a escrever crônicas de humor para Um jornal sem regras (1982 a 1985), publicação do contemporâneo Flávio Paiva. 

"Eu redigia os Contos Uruburlescos, de um personagem que tinha no São João do Tauape, Uilson Urubu. Escrevendo aqui e acolá, entrei no O POVO em 1986. O meu umbigo tá lá, dentro do jornal. Hoje eu estou na Rádio O POVO CBN, com o quadro semanal Na Língua do Povo".

Na casa do colega de profissão Flávio Paiva, então no bairro Jacarecanga, Tarcísio iniciou uma união que é "só o mi dibuiado", como bem diz o cearense: a parceria com o humorista Falcão. 

"Conheci o Falcão compondo para um grupo chamado Bufo Bufo, o único do mundo que foi sem nunca ter sido - a gente só ensaiou, nunca cantava", ri-se. Frutífera, a amizade estabelecida há mais de 35 anos resultou em uma vasta produção musical. 

Hoje, Tarcísio acredita que cerca de 70% das composições autorais de Falcão foram escritas a quatro mãos.

"Falcão é um gênio, é um cara extremamente culto, mas a minha história com ele remete a alguma coisa mais essencial. Ele é um irmão que não é do sangue, mas me faz muito bem na vida", emociona-se. 

Além de Falcão, Tarcísio trabalhou também com a produção de material para outros humoristas, como Tom Cavalcante. Mas, reitera continuamente, jamais transformou o humor em sua fonte de renda principal. A pesquisa é genuinamente passional, curiosa e até mesmo antropológica. 

"Nunca subi aos palcos e nem quero. Fiz o livro Vaiando o Sol - o Melhor do Humor e da Molecagem Cearense (2000) e toda a venda foi doada ao grupo espírita que eu frequentava. Arte, pra mim, é transformar o que houver de potencialidade em algo para servir. Nada é pra mim".

Além de Vaiando o Sol, o Grande Dicionário da Fala Cearense - com relançamento previsto para o início de 2019 - reúne entre 10 e 12 mil verbetes. 

"Seguramente é o maior que tem aqui, pois é fruto de 41 anos de pesquisa. Parece brincadeira, mas não acaba! (Quero) deixar esse registro não só como algo bem humorado e galhofeiro, mas saber que aquilo existe, que se fala. É uma forma de resistência", defende.

Para difundir o cearês entre os jovens, Tarcísio e a jornalista Evelyn Onofre criaram o perfil no Instagram @tarcisiomatosce. Lá, eles dividem o dicionário em cinco categorias: Fuleirosofias, Oportunidades de empregos, Só quer ser as pregas, Grande dicionário da fala cearense e Tome 5. De abicorar (ficar de olho em alguma cosa) até zóio, zouvido e zorelha, Tarcísio grava vídeos ensinando o linguajar e as vaias típicas do Estado.

Espírita dedicado, Tarcísio Matos conheceu a presidente da Associação Peter Pan, Olga Freire, na doutrina. Há 15 anos, então, tornou-se voluntário da organização e viu sua vida mudar no contato com crianças em tratamento contra o câncer. "O humor é a catarse, é o riso, é a minha parte da alegria que se externa porque lá (no Peter Pan) é, aparentemente, o exercício dolorido. Como diria Caetano Veloso, 'cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é'", cantarola. Modesto, Tarcísio não gosta de expor suas muitas atividades nos hospitais da Cidade - prefere lembrar da potência de alegria.

"A gente não é só o humor, não é só a caricatura. Aliás, essa caricatura é tão interessante: a característica de você vislumbrar, em cenários de provável aridez, algum elemento que faz rir é muito mais complexo de que fazer chorar. O humor requer muito mais sagacidade. O Ceará abunda, é exuberante na capacidade de fazer rir até na morte. Esse é o tamanho da nossa seriedade no que diz respeito à sobrevivência: nós somos resistentes. A gente transformar o que seria sofrimento em uma boa gargalhada. Nada melhor do que isso", acredita.

Acompanhe:

Tarcísio Matos apresenta, às sextas-feiras, no programa O POVO no Rádio (O POVO/CBN 95,5), o quadro Na Língua do Povo, em que comenta expressões populares.

No Instagram, usa o perfil @tarcisiomatosce para difundir e molecagem cearense

Publicado originalmente no portal O Povo Online

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