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10 de abril de 2020

Cloroquina: debate político sobre tratamento médico por Érico Firmo


O Brasil tem travado alguns debates que não existem em nenhum outro lugar do mundo. Pelo menos, não envolvem ninguém de relevância no mundo, mas por aqui tornam-se questões nacionais porque a discussão é encampada pelo presidente da República. 

Há várias semanas Bolsonaro defende o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento contra coronavírus. Não tem nada de errado nisso. Há vários relatos médicos de bons resultados no uso, mas há cuidados e mais pesquisas necessárias. Não é uma polêmica ou uma disputa. Muito menos um debate político. Mas, Bolsonaro defende seu uso na fase inicial da doença. O Ministério da Saúde quer nos casos graves. O presidente é a favor do uso antes mesmo de a doença estar confirmada.

Os médicos têm prescrito o medicamento quando julgam necessário. O Ministério da Saúde tem dado explicações detalhadas sobre a prescrição. Há possibilidade de, para alguns pacientes, provocar taquicardia. Pode até levar à morte. Por isso, antes de receitar o medicamento, há casos em que se pede eletrocardiograma. É razoável.

Há, sim, o receio de que a corrida pelo medicamento faça com que ele falte para outros tratamentos para os quais é prescrito, como lúpus e malária. Quando o presidente da República sistematicamente recomenda o uso, há também o risco de automedicação, de pessoas tentarem estocar o remédio para o caso de adoecer. Ele mesmo disse que divulga o tratamento há 40 dias. O que ele espera? Que médicos passem a prescrever porque o presidente capitão do Exército recomendou?

Sobre isso, Bolsonaro informou que componentes serão importados da Índia para produzir a hidroxicloroquina no Brasil. É uma boa notícia e está dentro das atribuições de um presidente.

O que não está é esse embate em torno do tratamento médico. Como é possível que isso seja discutido politicamente? Qual o fundamento?

Onde Bolsonaro quer chegar com isso? Por que isso é tratado como questão ideológica? Será mesmo que a única questão é garantir o medicamento para o maior número possível de pessoas? É salvar vidas? Se for, ótimo. O uso está sendo realizado já, com os cuidados necessários. Pesquisas são feitas e aprofundadas.

Mas, existem procedimentos estabelecidos. O uso da hidroxicloroquina e da cloroquina são o que se chama uso off label - ou seja, fora do prescrito na bula. Normalmente, só ocorre em casos muito graves. Será que uma emergência como a atual pandemia global justifica flexibilizar o uso? É um debate pertinente, que cabe aos especialistas. Eu não tenho formação para esse debate. Também não sei se Bolsonaro tem.

Uma coisa importante é o debate não ser tratado como solução mágica para uma emergência tão séria. A hidroxicloroquina não pode ser argumento para dizer que o coronavírus não é tão sério assim. Que as pessoas não devem se preocupar tanto. Se for usada assim, será um desserviço.

E também não pode ser usada para Bolsonaro se apresentar como salvador que descobriu a solução mágica. O tratamento já estava em uso e em estudo. O que Bolsonaro fez foi explorar numa polêmica política difícil de entender.

Mais um pronunciamento
Bolsonaro fez ontem seu décimo pronunciamento em 15 meses. Mais que isso, foi o terceiro em 15 dias. A frequência chama atenção. Bolsonaro sempre apostou mais nas redes sociais que nos veículos tradicionais - todo mundo lembra como evitou/esnobou os debates no rádio e na TV. Ocorre que a pandemia tem sido marcada por um protagonismo do jornalismo profissional. Saúde é algo muito sério, muita gente percebeu, para se informar pelo Whatsapp. Mais sério que eleição, por exemplo. Além disso, com a quarentena, as pessoas assistem mais televisão. O núcleo palaciano percebeu isso e sentiu o golpe. A guerrilha digital não tem sido suficiente nessa guerra. Bolsonaro tem ido a programas, nunca teve presença tão intensiva na TV. Mesmo quando não tem muito a dizer.

Publicado originalmente no portal O Povo Online

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