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8 de junho de 2016

"Governo ilegítimo e rejeitado" por Rodrigo Martins

Com impressionante celeridade, desnuda-se o engodo da “solução” apresentada pelos patrocinadores do impeachment de Dilma Rousseff. 

O acordão de bastidores para deter a Lava Jato acabou exposto na escandalosa conversa do senador Romero Jucá com Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, braço logístico da Petrobras.

As medidas anunciadas para a economia, com forte arrocho social, não foram capazes de acalmar os humores do mercado. Rifado pelo Planalto na primeira tempestade, Jucá era visto como peça essencial para tocar a agenda de desmonte do Estado e dos direitos trabalhistas no Congresso. Diante dos constantes recuos e trapalhadas do governo interino, a desconfiança emerge: Michel Temer veio para pacificar ou aprofundar a crise política?

Logo após o vendaval causado pelo vazamento das declarações de Jucá, a Rede Sustentabilidade divulgou uma áspera nota contra o novo governo, na qual a legenda resgata uma antiga proposta para a superação da crise.

“A Rede entende que PT e PMDB são igualmente responsáveis pelo cenário político-econômico em que vivemos e a única forma de passar o País a limpo é a realização de uma nova eleição, única situação em que a sociedade poderá decidir o que quer repactuar para o seu futuro sem a intermediação dos próprios políticos acusados e investigados por corrupção.” Em diferentes formatos, a alternativa é debatida pelo PCdoB, pelo PSOL e até mesmo por setores do PT, para quem a bandeira das “Diretas Já” é capaz de unificar o campo da esquerda, além de angariar mais apoio popular do que a mera defesa pelo retorno de Dilma.

No Senado, uma Proposta de Emenda à Constituição prevê a convocação de novas eleições para presidente em outubro, com um mandato-tampão de dois anos. Na Câmara, o deputado Domingos Neto, do PSB, apresentou um Projeto de Decreto Legislativo para a convocação de um plebiscito, no qual os brasileiros seriam consultados sobre a possibilidade de escolher um novo governante. No fim de abril, o Ibope revelou que 62% da população desejava a saída de Dilma e Temer.

Verifica-se agora que a presidenta afastada cresceu na avaliação popular, conforme outra pesquisa, de 18% para 33%. A enquete de abril, ao ouvir 2.022 eleitores em 142 municípios, informava que a maioria apoia a convocação de novas eleições. Mesmo os defensores do pleito antecipado admitem as dificuldades a serem enfrentadas, devido aos numerosos obstáculos políticos e jurídicos existentes.

A PEC das Novas Eleições foi apresentada pelos senadores Walter Pinheiro (sem partido), Randolfe Rodrigues (Rede), João Capiberibe (PSB), Lídice da Mata (PSB), Paulo Paim (PT) e Cristovam Buarque (PPS). De acordo com o grupo, a proposta não visa barrar o impeachment contra Dilma, e sim entregar à população o direito de escolher sobre o seu futuro.

“Temer não tem nem 2% das intenções de voto e está tocando um projeto político que jamais passaria pelo crivo das urnas. Dilma, por sua vez, mergulhou em profunda impopularidade ao abraçar a austeridade fiscal, e não acredito que um mea-culpa será suficiente para resgatar a confiança de seu eleitorado”, resume Capiberibe. “Neste novo pleito, os candidatos terão a oportunidade de expor suas ideias para a superação da crise, qual é o modelo de reforma política que pretendem tocar, quais são as propostas para recuperar a economia. A palavra final caberá ao povo.”

A ideia de convocar um plebiscito para consultar a população sobre novas eleições é apoiada pelo PCdoB. Na avaliação da deputada Luciana Santos, presidente nacional do partido, a proposta tem mais chances de prosperar, pois os projetos de decreto legislativo requerem maioria absoluta, ou seja, metade dos votos mais um. Uma emenda constitucional, por sua vez, demandaria três quintos dos parlamentares, em dois turnos de votação. “A crise é tão grave que o Congresso afastou uma presidenta sem crime de responsabilidade. A questão é eminentemente política, e não será tão simples reconstruir as condições de governabilidade no eventual retorno de Dilma”, diz a parlamentar.

A realização de um plebiscito antes da convocação de novas eleições arrastaria a crise para 2017, observa o filósofo Vladimir Safatle, professor da Universidade de São Paulo. “Em uma situação tão grave como esta, não há coisa melhor a fazer do que voltar ao poder instituinte para buscar uma solução com mais democracia”, diz o intelectual, filiado ao PSOL. “Precisamos, porém, construir uma alternativa logo, e não me parece fazer sentido encampar o coro ‘Volta, Dilma’. Não há mais espaço para a política de conciliação dos governos petistas, que buscavam satisfazer tanto as demandas das massas quanto as reivindicações das oligarquias insatisfeitas. Esse modelo está esgotado.”

O deputado Ivan Valente enfatiza que o PSOL não tem posição fechada sobre o tema. “Por enquanto, o que une a esquerda é o ‘Fora, Temer’, a rejeição a este governo ilegítimo e golpista”, diz. Na avaliação do parlamentar, não tardará para a insatisfação contra as impopulares medidas anunciadas por Temer refluir nas ruas, o que pode aumentar as chances de rejeição do processo de impeach-ment pelo Senado. O desfecho não resolveria, porém, a falta de apoio ao governo petista. “O melhor seria costurar um acordo, inclusive com Dilma, capaz de unir os movimentos sociais e os partidos do campo progressista.”

O PT está dividido. Em conversas reservadas, algumas lideranças admitem que o ideal seria Dilma assumir o compromisso de propor novas eleições caso retorne ao Planalto. Dessa forma, seria possível costurar um acordo para barrar o impeachment no Senado. Organizações historicamente ligadas ao partido, a exemplo da CUT e do MST, rejeitam a alternativa, vista como sinal de capitulação e legitimação do golpe. Um sólido núcleo do partido ainda aposta no retorno da presidenta afastada. “Com o compromisso de resgatar o projeto que a elegeu em 2014, ela pode perfeitamente reconstruir sua base”, diz o deputado Paulo Teixeira.

Se é difícil construir um consenso dentro da esquerda, mais complicada ainda será a tarefa de obter maioria no Parlamento para convocar novas eleições. Um dos idealizadores da PEC que tramita no Senado, Walter Pinheiro, reconheceu ser remota a possibilidade de aprová-la sem intensa mobilização popular. Outro obstáculo é de natureza jurídica. Assim que a proposta for levada adiante, é prevista uma batalha no Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade da alternativa.

Na avaliação de Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC de São Paulo, a convocação de novas eleições é restrita a cinco possibilidades: impeachment de Dilma e Temer, cassação da chapa que os elegeu pelo Tribunal Superior Eleitoral, renúncia coletiva, morte ou doença incapacitante. “No meu entendimento, isso é uma cláusula pétrea da Constituição. Não pode ser modificado por emenda.”

Para o jurista Marcello Lavenère, ex-presidente da OAB, é remota a possibilidade de a ideia vicejar. “Essa saída pressupõe um pacto político amplo, inclusive com os partidos que apoiaram o impeachment de Dilma, pois não está prevista constitucionalmente. Apenas se o governo Temer também perder sua sustentação política essa alternativa poderia se viabilizar.”

Ainda assim, os defensores da proposta do plebiscito não esmorecem. “Não acredito que o Supremo assumiria o ônus político de impedir que a população decida sobre o seu próprio futuro, ainda mais se for para solucionar a grave crise política que vivemos”, diz Capiberibe.

Publicado originalmente no portal Carta Capital

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