18 de maio de 2024

As 16 vilas que deram origem aos primeiros municípios do Ceará

Mapa do Ceará no século 16 (Foto: Reprodução/Biblioteca Nacional Digital)

Nas eleições de outubro deste ano, serão eleitos os prefeitos dos 184 municípios do Ceará. São os gestores eleitos mais próximos à população, ao dia a dia e aos problemas. No caso cearense, quase todos os atuais 184 municípios são originários de 16 vilas que configuraram o primeiro mapa do território estadual. Foram os alicerces iniciais da rede de cidades do Ceará.

Algumas delas têm atualmente as maiores populações e IDH do Estado atual, como a capital, Fortaleza, além de Sobral, Aquiraz, Caucaia e Crato. Duas delas foram os mais importantes polos econômicos no século XVIII, em torno da criação e comércio do gado: Icó e Aracati.

Completam a lista alguns dos mais importantes polos regionais do Estado: Viçosa do Ceará, Baturité, Granja, Quixeramobim, Guaraciaba do Norte, Russas, Tauá, Jardim e Lavras da Mangabeira. Todos os outros municípios partiram desses. As únicas exceções são quatro municípios vindos de territórios resultados de permuta com o Piauí, num processo confuso e que provoca disputa até hoje.

As vilas foram as menores unidades territoriais com autonomia política e administrativa da fase da colonização até o Império, no fim do século XIX. A criação delas estava atrelada ao funcionamento econômico e político da colônia.

No geral, não era um foco da Coroa portuguesa ocupar o território brasileiro, mas sim protegê-lo e explorá-lo. Todo o funcionamento do Brasil colonial se deu em torno de atender às demandas do mercado internacional, seguindo ciclos: pau-brasil, açúcar, cacau, café, borracha, algodão, dentre outros.

No Ceará colonial, para administrar o território e defendê-lo de invasores estrangeiros, ocupou-se o litoral (Aquiraz e Fortaleza). Já o interior (demais vilas) foi apropriado, em suma, em decorrência da economia da pecuária, que predominava no interior do Nordeste, com os criadores de gado.

Eles cruzavam o território cearense, se firmando em fazendas ao longo do caminho, em direção ao Piauí ou, de volta, a Pernambuco. Esse traçado foi muito responsável por desenhar o primeiro mapa geopolítico do Siará.

O desenvolvimento dessas vilas e, depois, das cidades cearenses, ao longo dos anos, foi movido por questões econômicas e políticas. Segundo a professora Maria Clélia Lustosa Costa, do departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC), os fatores são os mais diversos.

Eles vão desde históricos — internacionais ou locais, como a Guerra de Secessão, nos Estados Unidos, ou a Independência do Brasil (1822) — até a alta e a queda do algodão (o ouro branco), as secas e a construção de uma malha ferroviária. Além disso, há a influência da Igreja Católica, de elementos culturais, dos povos indígenas, afrodescentes e das elites locais.

Assim, segundo o professor Alexandre Queiroz, também do departamento de Geografia da UFC, as 16 formações originais não têm qualquer vantagem econômica e/ou política sobre as demais, pelo fato de terem surgido antes. Muitas foram até “superadas” por territórios emancipados delas.

“A lógica cronológica não indica uma lógica evolucionista. O que vai demarcar é como a localidade vai se adaptando a cada ciclo e aproveitando as vantagens de cada período”, diz.

Queiroz explica que a conjuntura atual do Ceará está muito focada em Fortaleza e Região Metropolitana, mas a dinâmica de influência não mudou. Essas cidades precisam seguir atualizadas nas demandas globais e políticas para se manterem influentes.

“Hoje vemos isso em Fortaleza. Na complexidade das funções econômicas, na infraestrutura, sediando empresas, um aeroporto internacional, investindo em energia verde. Isso é que eu estou colocando: como a cidade está se adequando com os processos globais”, analisa.

As vilas passaram a se tornar cidades, aos poucos, a partir da independência de Portugal, no século XIX. Foram elevadas a municípios só em 1889, com a proclamação da República. Muitas perderam influência no Ceará, outras se fortaleceram. Apesar destas mudanças, o Estado carrega elementos do período colonial até hoje.

Na época da economia pecuária, o poder era concentrado na mão dos latifundiários, com exploração das classes mais baixas e da população indígena. Atualmente, ainda mantém-se elementos de relações políticas clientelísticas, de forte desigualdades sociais, de concentração desigual de renda e discriminação racial. As mudanças na conjuntura política e econômica modificam por inteiro as localidades, mas rastros do passado tendem a seguir no presente.

A seguir, um pouco mais sobre as 16 vilas originais, por ordem de criação.

Aquiraz (1699)

Primeira vila a ser reconhecida oficialmente no Ceará, estima-se que pela localidade estratégica e por ser residência de autoridades. Habitantes reivindicam até hoje o título de primeira capital do Estado, pois foi cabeça da comarca até 1816. Aquiraz era voltada para a administração e defesa territorial. Outras vilas, como a própria Fortaleza, surgiram ao redor dela. No local, antes da ocupação dos portugueses e jesuítas, já habitavam indígenas potyguara e de tribos derivadas do tronco tupi. Hoje, ganha força por integrar o pacote metropolitano de Fortaleza.

Fortaleza (1726)

Voltada para defesa e administração. Na época “inicial”, era considerada uma vila de baixa importância econômica, já que a força estava no interior. No entanto, segundo a professora Clélia Lustosa, Fortaleza foi escolhida, após o Siará se emancipar de Pernambuco, em 1799, como a capital por alguns motivos: era litorânea - conforme a tendência das capitais da época - e a economia do interior, na verdade, alimentava outras capitanias, como a própria Pernambuco.

O posto de capital foi fundamental no período Imperial, quando Dom Pedro I estimulou as capitais do Brasil, visando a manutenção da unidade do País. Após, houve o ciclo do algodão, que surgiu a partir da suspensão de exportações dos Estados Unidos devido à Guerra de Secessão (1861-1865). A produção aumentou a influência de Fortaleza pois o “ouro branco” era exportado a partir do porto da capital.

Além disso, nos períodos de estiagem, nos séculos XIX e XX, muitos interioranos migravam para a capital, aumentando o expoente populacional. Cita-se ainda construções importantes como o Liceu do Ceará, o farol do Mucuripe, a Santa Casa de Misericórdia e a Biblioteca Pública. Tudo isso contribuiu para que a cidade se tornasse a única metrópole do Ceará e o maior PIB do Nordeste, com sua força econômica transbordando para a RMF.

Icó (1738)

Até meados do século XVIII, Icó era uma das únicas vilas do Ceará, junto de Aquiraz, Fortaleza e Aracati. Ficava no meio caminho da trajetória do gado e, no local, estabeleceu-se uma elite, fortalecida pelo início da produção de algodão. Passou a “perder importância” para outras cidades no século XX, por ficar de fora da rota da linha férrea que ligava Ceará de Norte a Sul. Pesquisadores afirmam que as elites podem ter influenciado nesta escolha, por acharem que o trilho prejudicaria as fazendas. As locomotivas passaram, assim, pela vizinha Iguatu, então vila Telha, que se desenvolveu. Icó só voltou a ganhar foco com a construção da BR-116, mas Iguatu já havia se estabelecido como maior expoente do Centro-Sul.

Aracati (1748)

Considerada a principal vila econômica do período colonial, pela produção de charqueada — carne seca — e dos subprodutos do couro, além do sal. Também contava com o porto do rio Jaguaribe. No entanto, com o declínio do gado devido às secas, a produção de charque ficou no sul do Brasil. Já o porto passou por um processo de assoreamento, acúmulo de sedimentos, que fez com que as embarcações optassem por Fortaleza. Aracati também fica de fora dos eixos ferroviário e rodoviário. Tudo muda mais recentemente, com o turismo, e hoje o município é um dos mais procurados do Brasil pelas belezas naturais e históricas.

Viçosa do Ceará (1759)

Era habitada por tribos Aconguaçús, além da nação Tabajara. Jesuítas se estabeleceram na região, com o intuito de submeter a população indígena aos interesses coloniais. Em 1759, Marquês de Pombal aboliu todos aldeamentos indígenas dos jesuítas, que passaram a ser vilas. Viçosa vira uma espécie de entreposto comercial no meio do caminho do gado. Na região, ganhou importância Tianguá, contemplada com a BR-222, cujo traçado de Fortaleza-Sobral foi construído de 1939 a 1948. Viçosa acabou ficando de fora dele.

Caucaia (1759)

Também era um aldeamento indígena abolido por Marques de Pombal. Quando elevado, chamava-se Vila Nova de Soure. Segundo a professora Clélia, o desenvolvimento de Caucaia foi refreado pela força de Fortaleza. A proximidade fazia com que as cidades próximas da capital não crescessem, já que o município “sugava todas as riquezas locais”. Políticas do Banco Nacional da Habitação, voltadas para empreendimentos imobiliários teriam ajudado a mudar esse cenário em Caucaia. Além disso, chegou um ponto que Fortaleza transbordou e as negociações passaram a ser também na Região Metropolitana, criada na década de 1970 e da qual Caucaia fazia parte desde o início. Hoje é a segunda maior cidade em população e o segundo maior colégio eleitoral do estado.

Baturité (1764)

Aldeamento indígena Potyguara, Jenipapo, Kanyndé, Choró e Quesito. Quando vila, funcionava fornecendo alimentos para o mercado interno. O destaque era o café, que contou com um ciclo no Brasil (1800-1930), mas tinha pouca expressividade no Ceará. A produção em Baturité levou à criação de uma pequena “nobreza” local. O algodão também fortaleceu a economia. No século XIX foi construída a ferrovia Baturité-Fortaleza, que distribuía produtos vindos da capital e coletava a produção do sertão. Em 1912, a linha foi expandida, o que levou a uma urbanização nas décadas seguintes. Os investimentos no transporte ferroviário foram diminuindo ao longo dos anos, com o projeto rodoviário federal e estadual. A maior expressividade hoje é o projeto da Transnordestina, cuja linha até Baturité será entregue até 2026, segundo o presidente Lula (PT). Os pontos turísticos da cidade hoje são construções históricas que datam do período de auge.

Crato (1764)

A princípio, foi a única vila com uma relativa concentração populacional, devido às nascentes de água, buscada por quem fugia das secas. A economia era agrícola e até industrial, com produção de rapadura. No século XIX, ganhou destaque a produção de destilado, a partir da cana-de-açúcar. As elites eram expressivas, com destaques nacionais como José Martiniano de Alencar, que foi deputado na Constituinte e Legislativa do Império do Brasil.

O protagonismo de Crato começou a ser perdido com a emancipação e o crescimento de Juazeiro do Norte, pelo Padre Cícero, em 1911. Em 1926, a ferrovia chega a Crato e Juazeiro. Os seminários também foram importantes, transformados, posteriormente, em faculdades de filosofia e deram origem a Universidades. No século XX, houve políticas públicas de incentivo à implantação de um Distrito Industrial. Hoje, as cidades do Cariri (CRAJUBAR) são muito interligadas e seguem como importantes centros comerciais e prestadores de serviços no Ceará.

Sobral (1773)

Sobral nunca saiu da rota econômica e política do Ceará. No século XVIII, chamado de fazenda Caiçara, era ponto de pousio do gado, o que deu origem a grandes fazendas e fazendeiros. A elite sempre foi muito expressiva, com diversos políticos e autoridades de grande destaque estadual e nacional, até hoje. Nomes vão desde Visconde de Saboia, médico da Casa Imperial (1881) e cirurgião da Corte, até os irmãos Ferreira Gomes, nos tempos atuais.

No século XIX, houve a construção da ferrovia Sobral-Camocim, e no século XX, a cidade chegou a 40% de urbanização. Em 1915, a criação de um bispado levou a um aumento da ação da Igreja no local. Na década de 1950, a BR-222 faz com que Sobral perca capacidade de competição com a capital. No entanto, hoje, segue como importante centro da zona norte, destaque pelas instituições educacionais.

Granja (1776)

Considerada uma vila industrial: as condições ambientais, terras férteis do rio Coreaú, fortaleceram as oficinas de carne seca. No início do século XIX, perdeu uma parte do território para o Piauí, em troca dos atuais municípios de Crateús e Independência. No fim do século, foi incluída na rota da ferrovia, no trecho que ligava à Camocim.

Quixeramobim (1789)

Primeira vila da região Central, nascida na bacia do Banabuiú-Quixeramobim. No século XVIII, era um ponto comercial e de serviços básicos, um cruzamentos dos caminhos de gado. Se formaram fazendas de gado e, após, também foi destaque na produção de algodão. Foi incluída no trecho da ferrovia, mas enfrentou crises na agricultura, dizimação de gado, e outros efeitos da seca. Perdeu protagonismo para Quixadá, que também contava com a ferrovia e tinha uma elite local forte, favorecida pelo algodão. Quixadá hoje conta o favorecimento de um campus universitário de tecnologia, mas Quixeramobim apresenta em crescimento populacional maior do que a vizinha.

Guaraciaba do Norte (1796)

Nasceu da bacia do Coreaú. Na época colonial, produzia café e de cana-de-açúcar. Hoje segue na produção de produtos alimentícios, principalmente horticultura de tomate, repolho e assemelhados. Além disso, produz cana-de-açúcar, tendo engenhos para beneficiamento da cana e a produção de derivados como rapadura, mel, batida etc. Em 2019, configurou como a maior economia agrícola do Ceará (R$ 205 milhões).

Russas (1799)

Nascimento influenciado pela construção, sob ordem o governador da Capitania de Pernambuco, de uma pequena fortaleza no curso baixo do Rio Jaguaribe, onde hoje se localiza a cidade. Possuía forte economia do gado. Contou com uma urbanização maior no século XX. No entanto, perdeu influência para Limoeiro do Norte. Segundo a professora Clélia, isso ocorreu especialmente devido a um bispado, criado em 1938, articulado pelas autoridades de Limoeiro. A ação acarretou a criação de escolas, festas da igreja e atividades comerciais reforçadas. Hoje, Russas estaria se recuperando com a implantação do campus da UFC.

Tauá (1801)

As famílias locais travaram inúmeras disputas pelo poder da região até sua elevação à vila, que acabou ocorrendo em 1801. Também era destaque pela criação de gado, o que acarretou um crescimento populacional no período colonial. No século XX, no entanto, ficou fora do caminho da linha férrea, apesar de ser considerada uma das cidades mais urbanizadas do período. Em 2011, destaca-se a Usina Solar Tauá, primeira usina solar a gerar eletricidade em escala comercial no Brasil.

Jardim (1814)

Nasceu na bacia do Salgado, também composta de viajantes fugidos da seca. Após a elevação, segundo relatos da época, a vila contava com “engenhocas de rapadura”, além da criação de gado. Sua localização foi bastante isolada, somente por ocasião das grandes estiagens atrairia maiores investidores. Em 1831, ocorreu uma guerra civil iniciada por Pinto Madeira e seu ‘exército de cabras’, ao sul do Estado do Ceará, na Vila de Jardim, que procurava restaurar o Império, após abdicação de D. Pedro I. Em 1916, foi realizada a fundação do Colégio 24 de Abril, pelo Juiz de Direito, Dr. Francisco de Lima Botelho, cuja existência - até 1923 - marcou um período áureo em Jardim. Hoje, integra a Região Metropolitana do Cariri.

Lavras da Mangabeira (1816)

Vila de antecedente diferenciado, com base na mineração do vale do Cariri. Assim, a região da Mangabeira teve um crescimento populacional de uma hora pra outra em meados do século XVIII. Foram criadas, inclusive, minas. No entanto, em 1767, a Côrte de Lisboa reclamava impostos, pesados tributos, e não sendo atendida, voltava-se contra o comércio do ouro e suspendeu as vilas. A comunidade, no entanto, seguiu e Lavras virou vila no início do século XIX. No fim dos anos 1800, acabou ficando de fora dos trilhos do trem.

Metodologia

Essa matéria utiliza como fonte o estudo da professora Maria Clélia Lustosa Costa, denominado Fortaleza na Rede Urbana Brasileira, além de entrevistas com a pesquisadora. Também foi contatado o professor Alexandre Queiroz, em entrevista sobre o tópico. Foi também utilizado o livro Formação do Território e Evolução Político-Administrativa do Ceará: a Questão dos Limites Municipais, de Lana Mary Veloso De Pontes, publicado pelo Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica Do Ceará (Ipece); e o livro A Construção do Ceará: temas de história econômica, de Cláudio Ferreira Lima.

Com informações portal +O Povo +

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