14 de dezembro de 2025

Motta e uma crise que há meses se desenha, por Vanilson Oliveira

Monitoramentos realizados nas últimas semanas mostram que Hugo Motta figura entre os nomes mais criticados do Congresso nas redes sociais (Foto: Kayo Magalhaes)

Desde que assumiu o cargo, em 1º de fevereiro, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), não tinha passado por um período de desgaste tão grande quantro o atual. Entreveros institucionais, controvérsias legislativas e episódios que extrapolaram o plenário o expuseram, levando a ser criticado, explicitamente ou não, por governistas e oposicionistas. Monitoramentos digitais realizados nas últimas semanas mostram que ele figura entre os nomes mais criticados do Congresso nas redes sociais. A mais recente pesquisa realizada pela agência de acompanhamento e marketing digital Ativaweb, em 9 e 10 de dezembro, aponta que 72,8% das referências a Motta nas plataformas foram negativas.

O estudo identificou 7.345.109 menções relacionadas, sobretudo, à sessão de votação do Projeto de Lei da Dosimetria, marcada por tumultos, uso de força policial contra o deputado Glauber Braga (PSol-RJ), truculência e retirada de jornalistas do plenário da Câmara e interrupção do sinal da tevê institucional. Pelo levantamento, de cada 10 manifestações sobre aquele dia, somente uma não era crítica a Motta.

O desgaste, porém, não se limita aos episódios da semana passada. A condução da pauta legislativa neste ano vinha sendo alvo de questionamentos. Tal como a "PEC da Blindagem", classificada, segundo setores da Casa, como "sindical" — ou seja, que interessavam apenas a um grupo de parlamentares. A proposta de emenda à Constituição que ampliava ainda mais as garantias aos congressistas contra investigações da Polícia Federal foi criticada até mesmo pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), que à época disse que a matéria não seria aprovada na Casa. À rejeição, somaram-se as manifestações de 21 de setembro, em várias cidades do país, que serviram para acelerar o sepultamento do texto.

Na sequência, nova polêmica envolvendo Motta, ainda por causa da PEC. Em meados de outubro, ele acionou judicialmente o Sindicato dos Trabalhadores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica da Paraíba (Sintef-PB) por ter espalhado outodoors por João Pessoa, reduto eleitoral do parlamentar, com fotos do presidente da Câmara acompanhadas das frases como: "Eles votaram sim para proteger políticos que cometeram crimes" e "O povo não vai esquecer isso". Na queixa-crime contra o dirigente sindical José de Araújo Pereira, na 4ª Vara Federal da Paraíba, o deputado exigiu a retirada da propaganda.

Desconfiança

Mas mesmo antes da sessão de quarta-feira, que aprovou o PL da Dosimetria, Motta era visto com desconfiança pelo Palácio do Planalto. Apesar de ter recebido a segunda maior votação para uma presidência da Câmara — 444 votos favoráveis, ficando atrás apenas de seu padrinho político, Arthur Lira (PP-AL), que recebeu 464 votos, em 2023 —, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva manifestou, dias antes do pleito, dúvidas sobre a experiência do deputado para ocupar um cargo de tal magnitude. Chegou a expressar tal receio em conversas com a então presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PT-PR), e com o líder da bancada na Câmara à época, Odair Cunha (PT-MG). Mesmo assim, Motta foi eleito com um arco de alianças da esquerda à direita, incluindo os antagônicos PT e PL.

A desconfiança sobre o deputado começou a se consolidar em junho, quando pautou o Projeto de Decreto Legislativo para sustar o aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) elaborado pela equipe econômica do ministro Fernando Haddad (Fazenda). O governo denunciou publicamente a quebra de acordo, pois negociava com ele uma alternativa com menor impacto fiscal. Já o PT viu o gesto como "sabotagem" e tentativa de enfraquecer Lula politicamente.

O diálogo entre Motta e a representação do governo tornou-se ainda mais difícil quando, em novembro, ele e o líder do PT, Lindbergh Farias (RJ), romperam publicamente devido à escolha do deputado Guilherme Derrite (PP-SP), ex-secretário de Segurança Pública de São Paulo, para relatar o PL Antifacção. O petista criticou a postura do presidente da Câmara, classificando suas decisões como "imaturas" e acusando-o de atuar "na surdina e erraticamente" na condução da pauta da Câmara. Motta rebateu acusando o deputado de agir para enfraquecer sua autoridade na presidência.

A sessão do PL da Dosimetria — no qual Glauber Braga foi retirado à força da cadeira do presidente, que ocupara em protesto contra a possível cassação do mandato; a atuação da imprensa foi cerceada e a TV Câmara tirada do ar — potencializou o desgaste de Motta. Pelo levantamento da Ativaweb, cerca de 70% das menções classificaram a aprovação do projeto de lei como "retrocesso", "golpe jurídico" ou "anistia indireta".

A pesquisa aponta, ainda, que Motta deixou de ser percebido como gestor de crise para tornar-se a própria crise. Nos bastidores da Câmara, passou a ser visto — inclusive por deputados do Centrão, ao qual pertence — como alguém que toma decisões autoritárias para reafirmar a liderança. O diálogo com os governistas permanece difícil, tanto que na sessão do PL da Dosimetria fustigou o PT ao acusar o partido de votar contra a Constituição de 1988 — o que indignou a deputada Benedita da Silva (PT-RJ), ex-constituinte, que foi à tribuna rebatê-lo e esclarecer que ela e a bancada do PT à época assinaram o texto promulgado em 5 de outubro de 1988.

Conflitos

Para cientistas políticos ouvidos pelo Correio, os eventos em torno de Motta expõem fragilidades na condução da Câmara. Para o cientista político Leonardo Paz Neves, analista de inteligência qualitativa no Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional (NPII) da Fundação Getulio Vargas (FGV), a sessão da quarta-feira passada é resultado de uma sequência de conflitos institucionais. Conforme avalia, os Três Poderes têm extrapolado seus limites constitucionais, o que agrava o ambiente institucional.

"Os poderes no Brasil, basicamente, estão com dificuldades de se comportar dentro dos seus espaços", observou.

Em relação a Motta, Leonardo não enxerga que ele tenha "uma base sólida própria, como o Arthur Lira (que o antecedeu e de quem é afilhado político) tinha, por exemplo". "Ele tenta apoiar um lado, apoiar outro, um pouco para o governo, um pouco para o PL, oposição, para tentar se equilibrar. Só que acaba cedendo errado nos dois lados e deixando os dois insatisfeitos", avalia.

O cientista político Pedro Hermílio Villa Boas Castelo Branco, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp-Uerj), considera que o custo institucional da condução de Motta recai sobre a própria Câmara. "O presidente conseguiu desagradar todas as lideranças porque não construiu acordos prévios, nem combinou o rito das pautas. Quem sai perdendo é a democracia, o equilíbrio institucional e a credibilidade do Parlamento", adverte.

O inferno astral de Motta, porém, não se dissipará esta semana. Ele pretendia fechar o ano decidindo o futuro dos deputados Eduardo Bolsonaro (SP) e Alexandre Ramagem (RJ), ambos do PL e foragidos nos Estados Unidos. Mas, com a determinação do STF de cassar o mandato da deputada Carla Zambelli (PL-SP) — mantido pelo plenário da Câmara na sessão seguinte àquela que aprovou o PL da Dosimetria —, a Casa se dividiu em dois grupos de pressão sobre o presidente. Um, dos bolsonaristas e integrantes do Centrão, defensores da ideia de dar uma resposta à Corte por interferir em uma questão do Legislativo. Outro, de que Motta não deveria levar o caso dos dois parlamentares à pauta para evitar o aprofundamento da crise com o Supremo.

O Correio manteve contato com a assessoria de Hugo Motta e cedeu espaço para que fizesse uma avaliação sobre sua trajetória na Presidência da Câmara. Mas, até o fechamento desta edição, não recebeu a resposta solicitada.

Manifestações

Motta ficará novamente em evidência hoje, quando uma série de protestos pelo país vai colocá-lo como principal patrocinador do PL da Dosimetria, que pode reduzir as penas do ex-presidente Jair Bolsonaro e de outros condenados pela tentativa de golpe de estado depois das eleições de 2022. Desde a tumultuada sessão da quarta-feira já circulava a hashtag #consgressoinimigodopovo pelas redes sociais, o que levou o PT e as frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo a fazer nova convocação para tentar barrar o avanço do projeto de lei.

As mobilizações estão sendo articuladas por artistas, parlamentares e influenciadores ligados à esquerda. As convocações, divulgadas nas redes sociais do portal de notícias Mídia Ninja e do 342 Artes — grupo ligado à produtora Paula Lavigne, mulher do cantor e compositor Caetano Veloso —, defendem a necessidade de "devolver o Congresso ao povo".

A manifestação no Rio de Janeiro foi batizada de "Ato musical 2: o retorno", em referência à mobilização realizada em setembro contra a PEC da Blindagem e a tentativa de anistia a condenados pela tentativa de golpe de Estado. Na ocasião, houve atos em várias cidades, com maior concentração de público na capital fluminense e em São Paulo

O PL da Dosimetria, que está no Senado, será relatado pelo bolsonarista Esperidião Amin (PP-SC), que, ao receber o texto do relator na Câmara, Paulinho da Força (Solidariedade-SC), afirmou que pode incluir a discussão da anistia aos golpistas. O governo tentará fazer com que o substitutivo seja rejeitado já na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), presididida pelo governista Otto Alencar (PSD-BA). Mas, caso não consiga, Lula já avisou a interlocutores que vetará a matéria integralmente.

Publicado originalmente no Correio Braziliense

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