2 de abril de 2023

Escolhas de Lula para o STF mexem com cenário jurídico e agitam a política, por Érico Firmo

O advogado de Lula na Lava Jato, Cristiano Zanin, é o virtual favorito para a vaga do ministro Ricardo Lewandowski no STF (Foto: Ricardo Stuckert)

No intervalo da sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) da última quinta-feira, 30, Ricardo Lewandowski informou aos demais ministros que antecipará a aposentadoria para 11 de abril. Um mês depois, em 11 de maio, ele completa 75 anos e seria obrigado a se aposentar compulsoriamente. A decisão acelera a disputa de bastidores e amplifica a pressão sobre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre a escolha do novo integrante do tribunal.

O STF é a mais alta corte do Poder Judiciário e as decisões lá tomadas em plenário são irrecorríveis. Portanto, o cargo de ministro sempre envolveu enorme poder. Mas, a influência, o prestígio e a visibilidade têm se amplificado nas últimas décadas, com as transmissões ao vivo e casos como mensalão e Lava Jato.

Uma mostra, exagerada, desse peso crescente do Supremo foi dada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), em 4 de fevereiro do ano passado. A apoiadores, ele colocou a escolha dos ministros à frente das demais prerrogativas de presidente da República, como gerir o orçamento e executar as ações de governo. "Mais importante do que a eleição para presidente são duas vagas para o Supremo ano que vem", disse Bolsonaro à época. Uma apoiadora concordou: "É isso mesmo, presidente, a luta vai ser lá". Essa visão se refletiu no 8 de janeiro, quando o tribunal se tornou alvo preferencial da intentona golpista.

Por decisão do eleitor, caberá a Lula indicar os substitutos dos dois ministros que se aposentam este ano. Apesar do burburinho político, a substituição de Lewandowski não deverá ter impacto substancial no STF. Mudança mais perceptível poderá ocorrer com a substituição de Rosa Weber, atual presidente.

"Garantista"

Lewandowski é o ministro mais afinado com Lula e o PT. E é o principal representante no Supremo do chamado "garantismo" penal, corrente que prioriza a presunção de inocência, o direito à ampla defesa e as garantias individuais. Dentro e fora do governo, a busca é por um perfil parecido. Portanto, caso Lula seja bem-sucedido no que espera da escolha, a correlação de forças e o resultado das votações no Supremo deve manter a mesma tendência.

Assim, a intenção de ter um STF menos punitivista em matéria criminal depende da segunda nomeação este ano. "Colocar um nome garantista agora (na vaga de Lewandowski) é manter o equilíbrio frágil que hoje a Corte tem pró-garantismo. O grande desafio passa a ser, portanto, a indicação da vaga de Rosa Weber", disse o advogado Marco Aurélio Carvalho, próximo de Lula e coordenador do grupo Prerrogativas, que se notabilizou pelas críticas à Lava Jato.

Rosa, atual presidente da Corte, oscila. Em algumas questões adota postura garantista, mas há ocasiões em que demonstra inclinação à corrente de perfil mais duro nas decisões criminais. A escolha de Lula tenderá a buscar um defensor mais firme do garantismo.

Economia e temas sociais

A postura relativa ao direito penal não será o único critério. Aliados do presidente afirmam que ele levará em conta a visão econômica. Lewandowski também nessa área é alinhado com as posições do atual governo e será um voto que Lula buscará repor na mesma direção. O ministro, por exemplo, foi um dos vencidos ao defender que o Estado não pode vender estatais sem autorização do Congresso Nacional. Ele também tem dado votos elogiados pelo PT sobre pautas do direito do trabalho.

Lula também deverá buscar um estilo progressista em temas sociais. Mas, não muito progressista, a ponto de eventualmente não ser aceito por um Senado mais conservador. Haveria resistências, por exemplo, a alguém publicamente a favor da legalização do aborto. A busca, portanto, envolve perfil de ministro com valores próximos não apenas aos do governo, mas também da maioria dos senadores. Esse pode ser obstáculo à indicação do virtual favorito, Cristiano Zanin. O advogado de Lula na Lava Jato pode ser o alvo ideal para uma oposição conservadora no Senado que mobilize parte da opinião pública.

STF não deve ficar mais progressista

Na atual composição do Supremo, sete dos onze ministros foram indicados por presidentes petistas — Lula ou Dilma Rousseff. Como no atual mandato se aposentam dois ministros indicados por petistas e serão substituídos pelo atual presidente, essa correlação de escolhas partidárias tende a se manter pelo menos até as aposentadorias compulsórias de Luiz Fux, em 2028, e de Cármen Lúcia, no ano seguinte.

Porém, Lula pode até tornar o Supremo menos punitivista, mas não mais progressista, pois os ministros que se aproximam da aposentadoria compulsória têm posições inclinadas a esse campo em questões como diversidade, pauta comportamental e mesmo em assuntos econômicos.

O alinhamento político tem relação com os presidentes que indicaram os ministros. Mas as categorizações sobre as posições dos ministros não costumam ser absolutas. Há variações ao longo do tempo, conforme conjunturas e até mesmo de processo para processo. Postura mais progressista, liberal ou conservadora tem várias nuances. Luís Roberto Barroso concilia perspectivas progressistas e liberais do ponto de vista social com ativismo judicial e olhar duro do ponto de vista penal. Rosa Weber é progressista principalmente no campo do direito do trabalho. Lewandowski é progressista do ponto de vista social, econômico e trabalhista, mas não tanto em questões comportamentais.

Nos dois mandatos anteriores, Lula indicou oito ministros para o STF. Três permanecem na Corte: Lewandowski, Cármen Lúcia e Dias Toffoli. Embora tenham tendência progressista, Cármen Lúcia é afinada do ponto de vista penal com a ala dita "punitivista". Já Toffoli, que foi advogado-geral da União com Lula, admite que se tornou gradualmente mais liberal. Ele proferiu votos que desagradaram o PT em vários momentos.

Indicada por Dilma, Rosa Weber proferiu o voto decisivo contra o habeas corpus para Lula, em abril de 2018, o que abriu caminho para a prisão dele. Naquele mesmo ano, ela e Luís Roberto Barroso, outro indicado de Dilma, estiveram entre os votos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que rejeitaram a candidatura de Lula à Presidência.

Desde a redemocratização, Dilma foi a única presidente que não indicou integrantes da equipe de governo para compor o STF. Da atual composição, Gilmar Mendes foi advogado-geral da União no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Toffoli exerceu a mesma função com Lula, Alexandre de Moraes foi ministro da Justiça de Michel Temer (MDB) e André Mendonça foi ministro da AGU e da Justiça e Segurança Pública de Jair Bolsonaro (PL).

Cogita-se que Lula tenha uma terceira indicação, com a possibilidade de Luís Roberto Barroso antecipar a aposentadoria. Nesse caso, haveria tendência a mudança mais drástica, pois ele, embora progressista do ponto de vista social, lidera a ala punitivista e encampa algumas posições pró-mercado

Publicado originalmente no portal O Povo Online

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