20 de maio de 2023

PEC da anistia é uma indecência política, por Juliana Diniz

35 deputados brancos e 7 mulheres votaram pela admissibilidade da PEC na CCJ (Foto: Vinicius Loures)

Uma das maiores batalhas que as minorias precisam enfrentar no Brasil é a busca de representatividade, quando um grupo deixa de ser espectador passivo da Política para se tornar um protagonista dos processos decisórios, para ter o direito de estar lá. Me refiro aos parlamentos, aos gabinetes do Poder Executivo, aos espaços oficiais da república. Por séculos, essas portas foram fechadas às mulheres, às pessoas negras, aos povos originários, revelando a face perversa da desigualdade.

Graças a muito esforço da sociedade, aos poucos temos avançado para, em primeiro lugar, reconhecer o problema do déficit de representatividade como um sinal de injustiça social e, em segundo, estruturar formas de superar esses obstáculos. O primeiro passo diz respeito à ética, quando se reconhece que é injusto que as mulheres ocupem apenas cerca de 15% dos assentos do Parlamento no Brasil, por exemplo. O segundo passo é pragmático, sobre o que (e como) podemos fazer para mudar essa realidade de exclusão. Foi da conjunção desses dois fatores que nasceram muitas das alterações recentes do sistema eleitoral.

A legislação eleitoral brasileira obriga partidos políticos a reservar às mulheres um percentual das candidaturas para os cargos cuja eleição se dá pelo sistema proporcional, como é o caso dos cargos de deputado federal, deputado estadual e vereador. Trata-se de uma ação afirmativa que busca vencer a má vontade estrutural dos partidos em investir em lideranças femininas. A lei não ficou por aí: obrigou a aplicação de um percentual do fundo eleitoral para o financiamento de candidaturas de grupos sub-representados, como é o caso das mulheres e das pessoas negras.

Infelizmente, um abismo separa a legislação da realidade eleitoral partidária no Brasil: no pleito de 2022, 32 partidos não atenderam ao disposto nos dispositivos legais que mencionei. Esse número representa quase a totalidade dos partidos, excluindo-se da lista apenas o Partido Novo, que não recebe recursos do fundo. Na prática, é como se os atores político-partidários simplesmente ignorassem a lei, tornando-a letra morta. Seria menos chocante se as multas fossem aplicadas como forma de punição, mas não: tramita no Congresso Nacional uma proposta de emenda constitucional que tem por objetivo anistiar os partidos do pagamento das multas imputadas pelo descumprimento da lei.

Durante a semana, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados considerou a PEC constitucional, fazendo com que a iniciativa avance para o debate de mérito. 35 deputados (todos brancos) votaram a favor, assim como 7 mulheres. Toda a bancada do Partido dos Trabalhadores aderiu, sendo Gleisi Hoffmann a porta-voz da sigla. É uma indecência política que nos impele a perder qualquer esperança de renovação da política. Um escárnio.

Se a PEC for aprovada pelo Congresso Nacional e a anistia mencionada se tornar realidade, poderemos concluir que todo o discurso parlamentar pela defesa da igualdade racial e de gênero não passa de encenação falaciosa. Inclusive os da esquerda progressista. Um tapa na cara de todos nós que, ainda crédulos, pensamos viver em um estado democrático de Direito.

Publicado originalmente no portal O Povo +

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