24 de novembro de 2022

Bolsonaro semeia o tumulto e colhe o vexame, por Érico Firmo

Para o analista a estratégia bolsonarista parecia um produto de arqueologia eleitoral (Foto: Reprodução/Facebook)

O pedido do presidente enclausurado Jair Bolsonaro (PL) e do partido dele para anular algumas das urnas do segundo turno das últimas eleições é um constrangimento. Acreditar em tal tramoia é o tipo de situação que torna incompatíveis honestidade e inteligência.

O pedido é uma graça. Queriam a anulação de votos das eleições. Todos? Não, só alguns. Os de 279.336 urnas. Simplesmente 59,18% dos votos na eleição. Com isso, o resultado seria invertido e Bolsonaro teria 51% dos votos, e venceria Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Só isso. Queriam jogar na latrina mais da metade dos votos dos eleitores. Seriam os votos de urnas dos modelos de 2009, 2010, 2011, 2013 e 2015. Foram usadas nas eleições de governadores que tiveram dois mandatos e cujos sucessores já concluem um mandato agora. De prefeitos que já foram eleitos e reeleitos. De vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores. Agora, os bonitos dizem que as urnas não prestam e os votos devem ser 100% invalidados.

Nos dois turnos? Não. Segundo o PL, só no segundo turno. Ora, compre-me um bode. Como assim? Segundo o PL, mexer com os dois turnos causaria “grave tumulto processual”. Estão fazendo troça, só pode. Tumulto processual, eleitoral, governamental e social é o bolsonarismo. Entram com medida descabida para tumultuar.

Ah, o fundamento? Seria problema nos logs de urnas, que impediria de identificar a urna e, portanto, auditar. Mentira. Apesar da ausência de log, há algumas outras maneiras de identificar e auditar. Fim.

O bolsonarismo saiu como uma poderosa força política das urnas e poderia se posicionar para comandar a oposição. Mas, não. Aposta no golpismo e em criar turbulência. Assim, caminha para a desmoralização e para a perda de espaço político.

Arrasta junto dos dejetos golpistas vários políticos aliados. No Ceará, por exemplo, o senador Luis Eduardo Girão (Podemos) emplacou no Senado uma audiência para com convidado que espalhou um monte de informações falsas. O Congresso Nacional não é local para isso. Trata-se de um atentado à democracia brasileira e um caminho para desmoralizar mandatos. Podem fazer política no submundo, não no Estado de direito.

Ecos do passado

A estratégia bolsonarista parecia um produto de arqueologia eleitoral. Recupera dos escombros uma prática eleitoral que muita gente nem deve conhecer. No tempo do voto em cédula, as campanhas se armavam para anular urnas onde adversários tinham muitos votos. Miravam seções em bairros específicas.

Apontavam listas de votação rasuradas, lacres rompidos. E assim votos e mais votos eram descartados — um problema para a democracia. Os adversários respondiam e tentavam anular urnas nas bases dos oponentes. Era uma nova eleição travada no tapetão. Isso decidia resultados. Era um caminho para quem não aceitava perder. Surpresa: levava a melhor quem tinha mais força nos bastidores.

Sem máscaras ou disfarces, é esse tipo de coisa que Bolsonaro quer resgatar. O atraso, o passado, a possibilidade de tumultuar e causar problema.

Afinal, se a eleição fosse anulada, se ocorresse qualquer coisa que não a posse do vitorioso — Luiz Inácio Lula da Silva (PT) — alguém acha que as coisas seguiram tranquilamente? Que Bolsonaro sairia de seu refúgio e voltaria a governar como se nada tivesse acontecido? O país entraria em convulsão.

O bolsonarismo aceitou pagar para ver. Estava disposto a mergulhar o Brasil no caos para não aceitar a derrota. A tentativa nasceu fracassada e os autores sabiam disso. Mas, conseguiu tumultuar. E levar para a latrina as carreiras políticas dos que embarcam nessa.

Publicado originalmente no portal O Povo Online

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