11 de novembro de 2022

Lula defende pauta social e questiona mercado por não incluir pobre na planilha

 Em entrevista no fim da tarde Lula disse que "o mercado fica nervoso à toa" (Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom)

A tempestade que desabou sobre a região central de Brasília, no fim da manhã de ontem (10/11), já estava prevista pela meteorologia e atrapalhou a festa preparada pela militância do PT para o primeiro dia de trabalho do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), onde funciona o governo de transição. Mas nem as trovoadas nem o estrondo da queda de uma grande árvore atrás do prédio projetado por Oscar Niemeyer provocaram mais ruído do que uma declaração do petista a parlamentares, logo em sua primeira agenda do dia, em que pôs em dúvida o compromisso do novo governo com a "tal da estabilidade fiscal" e com o teto de gastos.

"Por que as pessoas são levadas a sofrerem por conta de garantir a tal da estabilidade fiscal deste país? Por que a toda hora as pessoas falam que é preciso cortar gastos, que é preciso fazer superavit, que é preciso fazer teto de gastos? Por que as mesmas pessoas que discutem teto de gastos com seriedade não discutem a questão social neste país?", disse Lula a deputados e senadores que foram ao CCBB para ouvi-lo.

A declaração foi dada no contexto da prioridade que Lula dá ao combate à fome. Ao falar que sua "missão estará cumprida" quando todos os brasileiros puderem fazer três refeições por dia, ele questionou a posição dos agentes de mercado, que não incluem as políticas sociais "às suas planilhas".

No dia em que o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) anunciou que a inflação voltou a ficar positiva — alta de 0,59% em outubro — depois de três meses de deflação, a fala do presidente eleito foi o combustível que alimentou o mau humor do mercado financeiro, que interpretou a declaração como uma flexibilização dos compromissos com a estabilidade fiscal assumidos pelo petista. O tempo fechou na Bolsa, que despencou 3,35%, enquanto o dólar encerrou o dia com alta de 4,14%.

Os políticos entraram em ação para amenizar os efeitos do que foi interpretado como um "escorregão perigoso" de Lula, segundo um aliado próximo. O vice-presidente eleito Geraldo Alckmin, após anunciar novos nomes da equipe de transição, foi provocado pelos jornalistas a comentar as declarações do chefe. 

"O presidente Lula já foi presidente da República, assumiu o governo com uma dívida em relação ao PIB (Produto Interno Bruto) de 60%. Quando transferiu o governo (para Dilma Rousseff), era menos de 40%. E teve superavit todos os anos. Se alguém teve responsabilidade fiscal foi o governo Lula. Isso não é incompatível com a questão social", argumentou Alckmin.

No fim da tarde, o próprio Lula, ao deixar o CCBB, tentou minimizar a reação dos mercados à sua fala. "O mercado fica nervoso à toa, não vi o mercado tão sensível como o nosso. É engraçado que esse mercado não ficou nervoso durante (os) quatro anos (de governo de Jair) Bolsonaro", ressaltou o petista enquanto cumprimentava militantes que o aguardavam desde o início da manhã.

Outras vozes influentes do partido fizeram coro na defesa do presidente eleito. "Não faz sentido pressões de fora definirem o que a gente vai fazer, ninguém vai querer mandar no governo de fora para dentro", enfatizou ao Correio o líder do PT no Senado e membro do grupo de Saúde do governo de transição, Humberto Costa (PT-PE).

Para ajudar a conter especulações, a ex-candidata do MDB à Presidência, senadora Simone Tebet (MS), sugeriu em entrevista à Globonews que "o primeiro ministro a ser anunciado, no seu devido tempo e o mais rápido possível, seja o ministro da Fazenda ou da Economia, para que efetivamente o ministro possa explicar a política econômica do novo governo".

Maioria petista

Além da fala do presidente, o próprio anúncio de nomes da transição para áreas estratégicas da Economia ajudou a manter elevada a tensão dos agentes de mercado, por causa da forte presença de pessoas ligadas às alas históricas do partido. Cinco ex-ministros das gestões petistas foram escalados para compor o time do gabinete provisório, com destaque para Guido Mantega, o mais longevo titular da pasta da Fazenda do país, que vai atuar no grupo temático do Planejamento, Orçamento e Gestão. Também foram escalados o ex-ministro das Comunicações Paulo Bernardo (PT-SP) e o ex-deputado federal Jorge Bittar (PT-RJ), ambos no grupo temático da Comunicação.

Para o grupo que vai avaliar a situação das micro e pequenas empresas foram indicados, entre outros, o ex-presidente do Sebrae Paulo Okamotto — amigo de Lula — e o presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, André Ceciliano, que rachou a esquerda fluminense ao manter sua candidatura ao Senado, apesar do acordo com partidos aliados do PT em torno do nome do senador Alessandro Molon (PSB). Os dois perderam a eleição para o ex-jogador Romário (PL), representante do bolsonarismo no Rio.

Choro ao falar sobre a fome

No discurso que fez no CCBB, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva chorou e chegou a interromper sua fala quando comentou sobre o combate à fome, que voltou à pauta nacional. "Se quando eu terminar este mandato cada brasileiro tiver tomando café, almoçando e jantando outra vez, terei cumprido a missão da minha vida. Restabelecer a dignidade do povo é a única razão de eu voltar", afirmou, sendo aplaudido de pé.

Lula pediu desculpas por se emocionar e disse que não esperava que a população voltasse a entrar no mapa da fome. "Desculpa, mas o fato é que eu jamais esperava que a fome ia voltar a este país. Quando eu deixei a Presidência, 10 anos atrás, este país estaria igual à França, à Inglaterra; este país teria evoluído no ponto das conquistas sociais; este país levou o impeachment de uma mulher (a então presidente Dilma Rousseff); este país viveu o maior processo de negação da política que eu conheço na história", pontuou. 

De acordo com o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, publicado em junho, 33,1 milhões de pessoas passam fome no país, o mesmo nível de 30 anos atrás.

Segundo o petista, é preciso mudar a forma de encarar determinados gastos que são feitos pelo poder público. "Muitas coisas que são consideradas como gastos neste país, precisam passar a ser encaradas como investimento. Não é possível que se tenha cortado dinheiro da farmácia popular em nome de que é preciso cumprir a meta fiscal, cumprir a regra de ouro", disse Lula.

O presidente eleito afirmou, ainda, que pretende conversar com o agronegócio para entender "qual é a bronca" com sua eleição, já que o setor pagava juros menores durante a gestão petista em relação ao cenário atual.

Com informações portal Correio Braziliense

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