17 de julho de 2025

Soberania une Poderes, que buscam negociação sobre tarifaço

Com Motta e Alckmin, Alcolumbre garantiu que o Congresso apoiará o governo nas negociações contra o tarifaço (Foto: Reprodução/Instagram)

O encontro entre Geraldo Alckmin, Davi Alcolumbre e Hugo Motta, ontem, serviu para selar a união entre o governo e o Congresso em torno da defesa da soberania nacional e, também, para reforçar que a saída contra o tarifaço de Donald Trump deve ser pela negociação. O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) reuniu-se com os presidentes do Senado e da Câmara não apenas para analisarem os passos a serem dados, mas, também, para avaliarem a nova arremetida dos Estados Unidos por meio de uma investigação que apura se políticas e práticas adotadas pelo Brasil restringem ou prejudicam o comércio norte-americano. Além disso, foram divulgados, também ontem, detalhes da carta conjunta do MDIC e do Ministério das Relações Exteriores (MRE), remetida às autoridades dos EUA, na qual o governo manifesta "indignação" com a taxação, explicita a intenção de dialogar e frisa que os 50% impostos aos produtos brasileiros prejudicarão o comercio bilateral.

No encontro entre Alckmin, Alcolumbre e Motta, na residência do Senado, os três fizeram questão de mostrar que estão alinhados na busca de uma solução contra o tarifaço. Explicitaram, também, que o Congresso se unirá ao esforço de negociação do governo para convencer os auxiliares de Trump de que a taxação é injusta e que, nessa guerra, só haverá derrotados.

"O Parlamento brasileiro está unido e torno da defesa dos interesses nacionais. Temos a compreensão, a Câmara dos Deputados e o Senado, que nós vamos defender a soberania nacional, vamos defender os empregos dos brasileiros, vamos defender os empresários brasileiros, que geram riqueza para o Brasil. Tenho convicção, também, de que esse processo tem que ser liderado pelo Poder Executivo. Quero fazer um registro da satisfação de ter o vice-presidente do Brasil liderando esse processo. Acho que o presidente Lula acertou com sua equipe de lhe empoderar (Alckmin), para que o senhor possa conduzir todas essas tratativas sem, em nenhum momento, abrir mão da soberania do nosso povo, dos interesses do Brasil", enfatizou Alcolumbre, mandando um recado velado ao governador Tarcísio Gomes de Freitas, de São Paulo, que na terça-feira reuniu-se empresários para abrir uma negociação classificada por ele de "paradiplomática" com os norte-americanos.

Para ajudar no esforço de negociação, o Senado criou ontem uma comissão temporária, integrada por quatro parlamentares, que irá ao Capitólio, em Washington, tentar abrir mais uma frente contra a taxação de 50%.

Convergência

Além da convergência de governo e Congresso sobre o tratamento a ser dado ao tarifaço, no pacote a ser discutido com os EUA entra, também, a investigação conduzida pelo Escritório do Representante de Comércio (USTR). A apuração abrange seis frentes, que incluem críticas ao Pix, tarifas de importação, violações de propriedade intelectual — com menção direta à Rua 25 de Março, região de comércio popular na capital paulista —, além de questões relacionadas ao etanol, à corrupção e ao desmatamento. No documento, o governo de Washington aponta supostas "práticas" brasileiras que, conforme aponta, "distorcem a concorrência" e prejudicam as empresas norte-americanas. Essas alegações serão analisadas ao longo do segundo semestre e podem resultar na imposição de mais sanções, caso não haja acordo entre os países.

A investigação foi aberta com base na Seção 301, da Lei de Comércio dos EUA, de 1974, e prevê consultas diplomáticas, além de uma audiência pública marcada para 3 de setembro. Empresas e entidades interessadas poderão enviar explicações até 18 de agosto.

A medida foi anunciada dias depois de o governo norte-americano comunicar o tarifaço sobre produtos brasileiros, com vigência prevista para 1º de agosto. Na ocasião, Trump criticou o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro pelo Supremo Tribunal Federal (STF) — é réu e foi considerado pela alegação final, apresentada pela Procuradoria-Geral da República, chefe da organização criminosa que tramou um golpe de Estado para impedir o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silvas, de assumir em 1º de janeiro de 2023 — e as decisões da Justiça brasileira contra empresas dos EUA de redes sociais.

Uma das práticas comerciais consideradas "desleais" são as disputas judiciais entre o governo brasileiro e plataformas digitais. "A investigação da Seção 301 do USTR responsabilizará o Brasil por suas práticas comerciais desleais e garantirá que as empresas americanas sejam tratadas de forma justa", afirma o documento. O relatório também menciona supostas pressões do governo brasileiro para que redes retirem do ar conteúdos de cunho político — medida que, segundo o USTR, impacta usuários norte-americanos e cria barreiras ao comércio digital.

Outra crítica das autoridades dos EUA é a promoção do Pix como forma de pagamento preferencial, o que, segundo os norte-americanos, compromete a competitividade de empresas privadas internacionais. As maiores companhias globais do setor de pagamentos (Visa e Mastercard) são norte-americanas, e estariam em desvantagem diante da iniciativa brasileira.

Nem mesmo a Rua 25 de Março foi poupada pelos norte-americanos. A zona de comércio popular na capital paulista é apontada como um símbolo da falta de eficácia do Brasil no combate à pirataria e à falsificação. O documento afirma que "a região permanece, há décadas, como um dos maiores mercados para produtos falsificados, apesar das operações de fiscalização direcionadas a essa área."

Além disso, a proteção de direitos autorais e de propriedade intelectual também está no centro da investigação. O governo dos EUA ainda acusa o Brasil de ter uma estrutura tarifária que discrimina certos países.

Campanha nas redes

Assim que veio à tona que os norte-americanos consideram o Pix predatório, o governo federal desencadeou nas redes sociais uma campanha intitulada "O Pix é nosso, my friend". O formato instantâneo de pagamentos entrou em vigor em 2020, ainda no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, e foi desenvolvido pelo Banco Central (BC) em conjunto com a rede bancária nacional.

O tema causou reações no Congresso e, tal como acontecera mais cedo com a afinação do discurso entre Alckmin, Alcolumbre e Motta, galvanizou parlamentares da base do governo, da ala independente e, até mesmo, da oposição. A maioria classificou a investida contra o Pix como um ataque à soberania nacional e uma tentativa de sufocar um sistema que já é referência mundial em inovação financeira.

Segundo Motta, "defendemos o diálogo como instrumento para resolver esse problema comercial. Existem coisas que são inegociáveis, como a nossa soberania, a força das nossas instituições. Isso não está na mesa. Mas, do ponto de vista comercial, acerca das relações do Brasil com os Estados Unidos, eu penso que tudo pode ser conversado pelo nosso corpo diplomático".

O líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), afirmou que a ofensiva dos EUA é "inaceitável" e que o Executivo está mobilizando esforços para proteger o sistema de pagamentos. "Vamos proteger o Pix, o Banco Central e o interesse nacional. Essa pressão externa não será aceita. O Brasil tem autonomia e um sistema de pagamentos que é exemplo mundial", frisou.

Na avaliação do deputado Chico Alencar (PSol-RJ), a iniciativa dos EUA representa uma "chantagem comercial" para favorecer multinacionais financeiras e sufocar a concorrência dos países em desenvolvimento. "É mais uma expressão da velha lógica imperialista: sufocar quem ousa inovar. O Pix mostra que é possível ter um sistema público, eficiente e gratuito. Por isso incomoda", afirmou.

Para o deputado Reginaldo Veras (PV-DF), a movimentação de Trump é uma "bravata geopolítica" com motivação puramente econômica. "Ele queria interferir numa tecnologia 100% nacional, que é o Pix, mas, no fundo, é uma disputa de mercado. À medida que os brasileiros fazem suas transações via Pix, sem custo, ele minimiza a utilização de cartões como Visa e Mastercard, que são empresas norte-americanas e deixam de arrecadar por meio de taxas (de manutenção)", observou.

Já o deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP) alertou que o presidente dos EUA está instrumentalizando o Brasil. "O Trump utilizou o Bolsonaro como uma desculpa para impor uma tarifa que ele queria baixar por interesses próprios dos Estados Unidos. Não tem ingenuidade de achar que ele tem qualquer preocupação com liberdade de expressão ou Supremo. Outros 21 países também sofreram sanções semelhantes, sem Bolsonaro ou qualquer perseguição política", frisou.

O presidente da Frente Parlamentar pelo Brasil Competitivo, deputado Júlio Lopes (PP-RJ), considera que a ofensiva de Trump é um ataque à soberania econômica do Brasil. "O Pix é uma das tecnologias de pagamento mais modernas do mundo. Ele é uma inovação brasileira de impacto global, inclusive já copiada pelos Estados Unidos, que implementaram o FedNow com base no nosso modelo. Não há absolutamente nenhuma base técnica ou comercial para essa investigação", observou.

Publicado originalmente no Correio Braziliense

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