22 de outubro de 2023

Exu te ama, por Demitri Túlio

A deputada Doutora Silvana pediu a retirada da frase da fachada do Centro Dragão do Mar em Fortaleza (Foto: Ana Raquel)

O que há nos corpos dos cristãos, mais de 500 anos depois das invasões europeias quando ainda nem éramos Brasil nem Ceará? No passado e ainda atual nos herdeiros na marra inquisitória de católicos portugueses, espanhóis, franceses... e de ingleses e holandeses protestantes?

Alguns em magote de uma ruindade única, coercitiva das acreditações dos outros! Ora, mas deixe os alheios de mão! Se é Exu, se é Alá, se é Deus, se é uma Divina travesti, uma raposa, uma mãe-da-lua ou se rezo com um rio e vejo graça e milagre! E o que há de malvado nisso?

Exu te ama! Exu está voltando! Exu veio nos barcos dos escravizados. Convertam-se se quiserem, não é imperativo ter medo do que vem dos mistérios e depois da vida. E entre os vivos, refuto o olho grande insistente em secar os outros. Infesto é isso.

Doutora Silvana sugiro ouvir Maria Bethânia, sem preconceitos. Se desejar, abrace também Maria, Jesus, tenha o breu da Mata Escura, o Anum coroca, o Zé Pilintra, São Francisco de Canindé e de Assis, o Alma-de-gato, o Allan Poe, Maomé, o profeta Gentileza...

Não bula com o credo dos outros, o amor é de cada um. Incondicional. O ódio é que faz um funesto matar um gato e rebolar no mosteiro de São Bento e ainda estimular a demonologia da injúria. Pelo amor de Deus!

Uns tão sem clemência própria! Mirram o corpo por se alimentarem das raivas moralistas. O que há de nóxio no terreiro de Umbanda e Candomblé Cabana do Preto Velho da Mata Escura / Ilé Àse Ojú Oyá, no bairro Bom Jardim, para odiá-lo sem nem ter ido a uma gira por lá?

O que há de nocente no mosteiro de São Bento, na Paupina, antigo território de pajés dos seres da floresta que havia ali? Era mágico sim, quando foram invadidos e exterminados por causa do veneno até hoje. Não se empeçonhe, deputada! Escarre bem muito, se alune e aprenda a conviver com o que não é narciso.

Sentenciaram: Não existe mais índio nem seus deuses! Nem os negos pretos! Batizaram de Chicos, Pedros, Franciscos, Maria das Graças, Anunciação das Dores e o Marquês de Pombal, aquele cifé, é o verdadeiro beiçudo anhangá.

A senhora sabe? Acho que ainda sou um restinho católico. Talvez e ainda para não descontentar mamãe - dona Maria Edmar Silva. Tenho amor desmedido por ela e acolho a síntese da cultura que foi obrigada a engolir.

Tinha lá mulher que desterrava quebranto com folhas de pião e dava o nome de Antônio ou Antônia ao erê laçado

Uma Maria com nome de homem, da linhagem Silva - escravizados comuns da lida e chibata. Talvez indígena, talvez caboclo, talvez judeu tangido à força para as matas fantásticas da Aratuba. Tinha lá mulher que desterrava quebranto com folhas de pião e dava o nome de Antônio ou Antônia ao erê laçado nas entranhas.

Hoje cultuo também um bode, da cintura para baixo, bicho. Do umbigo para cima um pica-pau-ocráceo. Ele pediu-me a minha alma noutro dia em troca de amor. É proposital o pleonasmo. Sim, precisava dela para sacrifício em intenção dos ameaçados da Palestina e de Israel. Concedi.

Penitência também pelo fim dos decapitados nas quebradas por causa das facções criminosas, de políticos racistas e da polícia ainda em modelo de pelourinho e metendo a peia nos neguinhos e neguinhas.

A bodância é um ritual singelo, brincante, inventado na imaginação da crônica. Um bocado de bichos berrando, orando pelos outros. Santos animais penitentes contra o preconceito de quem não tem o que fazer e odeia Exu amar os outros. Deixe ele!

Existe uma urgência pela Terra e nenhum-do-bem-feito Maria Madalena, o pastor Jaime Wright, a onça pintada e Mario Jorge Bergoglio - está dispensado de atalhar o ódio. Exu ama a senhora também.

Publicado originalmente no portal O Povo Online

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O bode e o ditador


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