4 de novembro de 2023

A crítica a Israel e o antissemitismo, por Juliana Diniz

Não há justificativa para uma mortandade civil desmedida (Foto: Yasser Qudih)

O testemunho diário da brutalidade das forças armadas israelenses contra a indefesa população civil palestina da Faixa de Gaza nos impõe o dever moral da crítica. Nenhuma norma razoável de Direito nos permite concluir que existe um direito de defesa que garanta a um Estado bombardear indiscriminadamente alvos num território densamente povoado, onde é impossível distinguir quem é inocente de quem é culpado. Não há justificativa para uma mortandade civil desmedida.

Nem o Direito da Guerra (uma expressão que parece contraditória desde a origem) nem a Moral permitem concluir que a morte de um terrorista justifica a morte de crianças, adultos ou idosos que nada têm a ver com as batalhas sangrentas entre Hamas e Israel. É errado, é bárbaro o que Israel, na qualidade de estado soberano, está cometendo na Faixa de Gaza. Toda voz democrática, consciente e comprometida tem o dever de denunciar, pela crítica, o erro de um governo declaradamente racista.

A crítica ao erro israelense, que é sobretudo o erro de um governo e um estado, não deve ser interpretada como prova de antissemitismo, como expressão de um ódio racial que se retroalimenta da violência recíproca. É possível - e imperioso - criticar, sem que isso invalide a compreensão que se tem do histórico drama judaico. Preocupa que, amparados no legítimo direito de ter uma terra sua, forte e apta a se defender, tantos judeus se mostrem insensíveis à constatação cada vez mais evidente de que Israel está errado e que devem ser impostos limites à sua brutalidade.

O que deveríamos trazer ao debate é a possibilidade sempre presente, porque humana, da contradição. A possibilidade de que os israelenses, descendentes dos judeus vitimizados pela barbárie do holocausto, possam impor, no presente, a negação da vida pela violência crua. É contraditório negar ao diferente aquilo que reivindico para mim por direito. É contraditório hierarquizar a vida, desumanizando o diferente pelo simples fato de não o reconhecer como pertencente ao meu grupo. O fascismo, como ideologia, permanece latente sempre que, sob o argumento da autoproteção, um grupo impõe a morte ao seu adversário, sem reconhecer sua condição de humanidade.

O post infame da deputada Carla Zambelli, que retrata os palestinos como ratos perseguidos por uma águia portadora da bandeira de Israel, é uma representação crua e oportunista dessa mentalidade, a de que existem os amigos e os inimigos, e que o adversário pode ser massacrado, brutalizado, sem qualquer piedade. A vida de uma criança, de uma mulher, de um homem adulto ou de um idoso têm valor independentemente de sua nacionalidade, de sua origem, de seu credo religioso. A dignidade humana é, ou deveria ser, o princípio ético basilar que nos une como semelhantes, apesar de nossas diferenças.

É admirável que o grupo Judias e Judeus pela Democracia tenha publicado nota, reagindo à insanidade de um governo criminoso. Israel não tem defesa possível em um mundo que testemunha o martírio de um povo abandonado à própria sorte. Isso não significa esquecer os crimes dos algozes do passado, mas trazer sua memória como ensinamento para orientar nossa ação presente.

Publicado originalmente no portal O Povo +

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