1 de abril de 2024

A memória das primeiras horas do golpe militar de 1964 em Fortaleza

Chefe de Redação da rádio Dragão do Mar à época, Nazareno Albuquerque recorda os momentos tensos que viveu nos dias que marcaram a ruptura institucional (Foto: Reprodução/CDL)

A Rádio Dragão do Mar, na Avenida Imperador, no Centro de Fortaleza, foi ocupada às 8h30min de 1º de abril de 1964, pelo Exército. O golpe se instalara no Brasil. Militares deram cinco minutos para que todos os funcionários da emissora se retirassem. "A Dragão noticiava os desdobramentos da crise nacional, com cobertura das marchas militares, ao tempo em que fazia proclamações em favor do Sr. João Goulart e conclamava o povo a pegar em armas e sair às ruas", lê-se em cores azuis, na dobra de baixo da capa da edição do O POVO naquela data.

O veículo radiofônico, propriedade do deputado federal Moysés Pimentel (PTB-CE), assumia linha progressista e era defensor das reformas de base de João Goulart. Aquela programação, inicialmente pensada pelo jornalista Blanchard Girão, em 1958, saiu do ar por cerca de cinco meses e retornou sob direção do general da reserva Almir Macedo de Mesquita. À época jornalista da emissora, Nazareno Albuquerque, jornalista da rádio O POVO CBN, foi preso com outros colegas de profissão. Foram levados ao 23º Batalhão de Caçadores do Exército (23-BC), na Avenida 13 de Maio.

Em conversa com O POVO, Nazareno, ex-chefe de redação da Dragão do Mar, revisita as memórias que culminaram no próprio cárcere. "A Rádio Dragão do Mar tinha um jornal matinal, de 6 às 7 da manhã, e eu era o editor e apresentador. O apresentador comigo era Camaleão Noronha. Então, nós estávamos no estúdio quando, de repente, 6 horas da manhã, nós vimos que o estúdio foi invadido e que a mesa de som estava ocupada. O operador se chamava Mauro Coutinho. O Mauro Coutinho foi retirado da mesa com a delicadeza, entre aspas, natural e uma 'coronhada' tirou a mesa do ar. E assim a rádio Dragão do Mar ficou sem fazer transmissão. Nós nos despedimos rapidamente do público, eles nos retiraram do estúdio e assim que foi silenciada a rádio Dragão do Mar".

Nazareno prossegue: "Quando a gente observou pelo lado de fora, percebemos que havia um caminhão carregado de tropa, mais ou menos um pelotão do Exército que fez todo esse trabalho de silenciar a rádio. E por que silenciar a rádio? Silenciar porque ela tinha a orientação política do seu líder e proprietário, Moysés Pimentel. Moysés Pimentel apoiava João Goulart, apoiava o PTB, enfim, tinha todo um posicionamento contrário àqueles que estavam realizando o golpe. Era um posicionamento muito forte, muito marcado no Ceará. Marcado por discursos, atuação política, filiação partidária. Ele foi um dos primeiros deputados federais a ser cassados no Brasil", explica o jornalista.

O apresentador de rádio acredita que o objetivo dos militares era não somente prender os jornalistas da rádio que "tinha audiência extraordinária", mas líderes sindicais que estariam na emissora para dar entrevistas. "Muitos líderes sindicais, diante das notícias da noite de que o golpe estava a caminho, foram até a rádio para que a gente fizesse entrevistas. Não deu tempo, porque as ações foram logo no início do jornal. Quando houve a movimentação dos militares, alguns deles pularam o muro de trás da rádio e conseguiram fugir e não foram presos", relata.

Conforme Nazareno, jornalistas começaram a ser presos logo no início de abril. "Estava em casa enquanto chega um grupo do Exército e me leva preso para o 23-BC, onde eu passei uns 40 dias preso como testemunha, afinal de contas era um jornalista credenciado, apesar da minha idade. Eu era o chefe de reportagem da rádio. Eu fui preso junto com outros jornalistas. Frota Neto também foi. Que eu me lembre Peixoto de Alencar era diretor-geral da Rádio, Blanchard Girão que era diretor artístico da rádio e o redator principal." Questionado sobre se foi alvo de violência nas dependências militares, ele respondeu que "os constrangimentos eram verbais ou emocionais".

Sinais da anomalia institucional foram registrados não somente no início do dia daqueles jornalistas, mas sentidos pelo restante da Cidade. As medidas militares eram ditas "apenas preventivas" e foram adotadas já no primeiro dia do triunfo golpista: suspensão das aulas na universidade; adiamento do reinício das aulas por tempo indeterminado nos colégios estaduais e municipais; proibição de passeata de trabalhadores marcada para aquela noite, fechamento dos bancos, além do empastelamento da própria rádio Dragão do Mar.

Mauro Benevides era presidente da Assembleia Legislativa e afirmou ao O POVO na época: "Lamentamos sinceramente que a Nação tão carecida de paz para poder desenvolver-se e progredir, viva instantes de inquietação e desassossêgo. Confiamos que prevaleçam, no final, os princípios democráticos e que ordem jurídico-constitucional manter-se-à inalterada." Naquele 1º de abrill, informou-se também que o Comitê de Imprensa da Assembleia Legislativa do Ceará emitiria posição sobre o "atual estado de coisas".

Em 10 de abril de 1964, as repercussões políticas diretas chegaram à Assembleia. Seis deputados estaduais perderam o mandato em sessão ocorrida na data. Amadeu Arrais, Anibal Bonavides, Blanchard Girão, José Fiúza Gomes, José Pontes Neto e Raimundo Ivan foram cassados sob pretexto de afronta ao decoro parlamentar. Todos foram presos no 23º Batalhão de Caçadores, na avenida 13 de Maio.

Na Câmara Municipal de Fortaleza, então no Centro, três vereadores perderam o mandato: Tarcísio Leitão (PST), Luciano Barreira (PST) e Manuel Aguiar de Arruda (PDC). Também foi cassado o título de cidadania fortalezense concedido ao ex-governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, herdeiro direto do getulismo, aliado do presidente João Goulart e então deputado federal pelo PTB. Brizola era popular em Fortaleza. Com o País redemocratizado, em 1989, ele levou a melhor, entre os eleitores da capital cearense, sobre os candidatos Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Fernando Collor de Melo (então no PRN)

"Liberdade restaurada" e "vitória da democracia", comemorou marcha após o golpe

"Fortaleza virá às ruas para a marcha da família", anunciava a edição do O POVO em 16 de abril. "Os fortalezenses, em geral, desde as mais altas autoridades até os mais modestos operários vão comemorar, hoje, a partir das 16 horas, festivamente, pelas principais ruas da cidade, a vitória da Democracia". A seguir, a explicação: "É que se realizará hoje a 'Marcha da Família com Deus pela Liberdade Restaurada', promoção de alto serviço patriótico do Movimento Cívico da Mulher Cearense, liderado pela senhora Luísa Távora, primeira dama do Estado."

No dia seguinte à marcha, a repercussão também recebeu destaque no O POVO, em publicação segundo a qual o movimento não apenas correspondeu, mas ultrapassou todas as expectativas que sobre ele se criaram. "Milhares de pessoas numa demonstração pública sem precedentes expressaram a Deus os seus agradecimentos pela vitória democrática e testemunharam às Forças Armadas o seu reconhecimento pela atuação que tiveram nos últimos acontecimentos", publicou sobre a passeata.

No canto direito da mesma página 2 do dia 16 de abril de 1964, a notícia de que a primeira-dama Luiza Távora enviara duas canetas de ouro ao presidente Castello Branco. O governador de então, Virgílio Távora, ficou em vias de ser cassado pelo regime militar. O agrado certamente não foi desprovido de razões políticas.

Publicado originalmente no portal O Povo +

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