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O chanceler Mauro Vieira comanda o Ministério das Relações Exteriores (Foto: Valter Campanato) |
Na reunião do Conselho Geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Genebra, o embaixador Philip Gough, representante do Brasil, foi direto ao ponto: tarifas unilaterais, "implementadas de forma caótica", violam princípios básicos do comércio internacional e ameaçam lançar a economia mundial em uma espiral de estagnação e preços altos. Recebeu apoio de 40 países, incluindo União Europeia (UE), Canadá e parceiros dos Brics. A OMC, paralisada em seu sistema de solução de controvérsias, pouco pode fazer na prática, mas ainda é a guardiã da institucionalidade das relações comerciais entre seus membros.
Sim, o Brasil reafirmou que prefere diálogo. A retaliação é medida extrema cujas consequências são imprevisíveis, mas que podem se tornar necessárias para a soberania nacional. O "tarifaço" de 50%, previsto para entrar em vigor em 1º de agosto, dificilmente será suspenso de imediato. Trump usa tarifas não apenas como instrumento econômico, mas como arma política. Ao defender Jair Bolsonaro e atacar o Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente norte-americano transformou sua superavitária balança comercial com o Brasil em campo de batalha ideológico.
No pior cenário, Trump pode dobrar a aposta, ampliando sanções unilaterais, caso o julgamento do ex-presidente brasileiro avance. O governo Lula precisa adotar medidas de contingenciamento, com objetivo de redirecionar parte das exportações, absorver no mercado interno o que for possível e cuidar da manutenção dos empregos e da sobrevivência das empresas mais prejudicadas.
Desde que voltou à Casa Branca, Trump tem recorrido a tarifas como instrumento de chantagem, aplicando-as também contra Canadá, México e Japão. No caso brasileiro, porém, a interferência tem conotação política mais grave. A chantagem tarifária busca influenciar processos judiciais internos e fragilizar instituições democráticas. É uma tática de guerra híbrida: antes, os EUA usavam tanques e telegramas secretos; agora, pressionam com sanções econômicas e narrativas digitai
Manobra
de sobrevivência
Essa ingerência não é novidade na história brasileira. O chamado "americanismo", desde a República Velha, foi um vetor de modernização pelo alto, associado ao fordismo e ao liberalismo econômico, em contraposição ao nosso "iberismo" patrimonialista. Durante décadas, foi sinônimo de eficiência produtiva e progresso social. Sua influência se estende aos padrões de consumo, de comportamento e à cultura popular. Hoje, sob Trump, assume uma forma pervertida, uma espécie de "americanismo do mal", que reforça o autoritarismo e alimenta aventuras golpistas.
A existência de setores políticos e empresariais que se associam ao intervencionismo norte-americano também não é novidade. O paralelo com o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, e com o golpe militar de 1964 é inevitável. Na carta-testamento, Vargas denunciou a espoliação estrangeira e sacrificou a própria vida para impedir a ruptura institucional. Dez anos depois, o golpe aconteceu, com apoio direto de Washington, associado a políticos conservadores como Carlos Lacerda e Magalhães Pinto e à cúpula militar, o que resultou em 21 anos de ditadura militar.
Hoje, a ameaça não vem dos quartéis — pelo contrário, o Alto Comando das Forças Armadas se opôs à tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro, cujos envolvidos estão sendo julgados, junto com Bolsonaro. O perigo é sistema articulado de pressão econômica e política, que se vale das redes sociais e da desinformação.
O Brasil precisa muito da sua diplomacia para traçar uma rota segura de saída dessa crise. Não haverá solução fácil. É preciso diversificar parcerias, reforçar laços com a UE, o mundo árabe e os países asiáticos, com destaque para China, Índia e Indonésia. A aposta no multilateralismo permanece válida, é o que há de mais permanente na política mundial, apesar dos ataques que hoje sofre. Diante dos fatos, é preciso reduzir a dependência econômica em relação aos EUA e reafirmar o país como ator relevante do Sul Global. Não por acaso, o Brasil aderiu à ação da África do Sul contra Israel na Corte Internacional de Justiça.
Não nos enganemos. A altivez é sinônimo de soberania, não a soberba. Não é isenta de riscos e contestação interna, a exemplo do posicionamento da Confederação Israelita do Brasil, que acusou o governo de abandonar a tradição de equilíbrio diplomático e de adotar "falsas narrativas" sobre Gaza, onde os fatos são autoexplicativos. No comércio exterior, setores como o agronegócio — especialmente café, suco de laranja e proteínas animais — temem retaliações americanas que podem afetar bilhões de dólares em exportações.
Retaliar
com a Lei da Reciprocidade Econômica não é boa opção. A saída será a negociação
paciente e resiliente, sem covardia. Soberania não é moeda de troca. Proteger a
democracia brasileira passa por reafirmar a soberania e desarmar, com
diplomacia e articulação internacional, as bombas-relógio deixadas por Trump.
Multilateralismo, neste momento, não é ingenuidade: é estratégia de
sobrevivência.
Publicado
originalmente no Correio Braziliense
Leia também:
Senadores e MRE afinam a estratégia para os EUA
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