25 de julho de 2025

Os Bolsonaro, "defensores da liberdade", por Érico Firmo

Uma família que a vida toda defendeu ditadura e ditador, golpe, arbítrio e tortura, e agora quer causar comoção ao dizer que defende a liberdade (Foto: Reprodução/Instagram)

A família Bolsonaro, na cruzada para tentar se livrar da condenação pelas denúncias movidas pela Procuradoria Geral da República (PGR), argumenta a defesa da liberdade. “Eduardo Bolsonaro está certo, lutando por liberdade para todos nós, sacrificando seu mandato”, defendeu o pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Quando fala “para todos nós”, leia-se para ele antes de todo mundo.

Quando foi colocada a tornozeleira no ex-presidente, o governador paulista, Tarcísio de Freitas (Republicanos), manifestou-se: “Não faltou (coragem ao ex-presidente) para defender a liberdade, valores, ideais e combater injustiças”. E Eduardo disse: “Antes de qualquer tipo de questão comercial, vem a liberdade. Se não puder falar, dar a sua opinião, você vai ser um escravo, um cubano. Queremos preservar as liberdades da nossa democracia”.

Nossa, que democratas, paladinos da liberdade, não é? Só acredita quem chegou agora e não acompanhou o que eles fizeram e falaram no verão passado, nas décadas passadas, nos anos passados ou mesmo até um dia desses.

Eduardo e a democracia

Na campanha eleitoral de 2018, foi tornado público um vídeo de palestra do democrata Eduardo a alunos de um curso preparatório para a Polícia Federal. Ele dizia: “Se quiser fechar o STF, sabe o que você faz? Você não manda nem um jipe, cara, manda um soldado e um cabo. Num é querer desmerecer o soldado e o cabo, não”.

Em 2019, o deputado falava sobre a hipótese de radicalização da esquerda no Brasil e cogitou: "A gente vai precisar ter uma resposta e uma resposta pode ser via um novo AI-5".

O deputado federal depois se retratou: “Eu peço desculpas a quem, porventura, tenha entendido que estou estudando o retorno do AI-5”. Jura que houve gente achando que ele pensava em novo AI-5 só por ter usado literalmente essas palavras? Na certa, tiraram de contexto.

Este ano, antes de fugir do Brasil, ele criticou o filme ganhador do Oscar Ainda estou aqui. Segundo defende, retratou uma “ditadura inexistente”.

Vale lembrar, o regime fictício depôs um presidente, extinguiu partidos, cassou 173 deputados federais, fechou o Congresso Nacional três vezes, aposentou compulsoriamente três ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) — outros dois abandonaram a Corte em protesto. Foram abolidos habeas corpus para crimes políticos que se considerava contrários à segurança nacional. Houve golpes dentro do golpe — o AI-5 foi o maior deles. As eleições que eram realizadas eram limitadas e controladas. Quando o resultado era, ainda assim, adverso, as regras eram mudadas sem cerimônia. Havia censura a jornais, músicas, filmes, peças de teatro e novelas. Isso o que era público. Sem falar nas prisões, mortes e desaparecimentos nos porões. Foram dezenas de milhares de torturados e centenas de mortos. Mas a ditadura foi inexistente para o libertário lá.

Jair e a ditadura

Importante lembrar isso porque a trajetória — medíocre — de Jair Bolsonaro até a Presidência foi construída pela defesa da ditadura. E, como presidente, ele seguiu defendendo. "31 de março. O que aconteceu nesse dia? Nada. Nenhum presidente da República perdeu o mandato nesse dia". E acrescentou: “Congresso, com quase 100% dos presentes, elegeu Castello Branco presidente à luz da Constituição”. Mentira, mentira e mentira.

Na eleição indireta de Castello, houve 109 ausências ou abstenções. (Quando a Presidência foi declarada vaga, dias antes, na madrugada de 2 de abril, estavam presentes 178 dos 460 congressistas.)

“À luz da Constituição” uma pinoia. O ex-presidente não deve ter lido nem as primeiras linhas do AI-1, baixado dois dias antes da eleição e que estabeleceu o regramento da votação. O texto diz: “(...) a revolução vitoriosa, como Poder Constituinte, se legitima por si mesma”. E mais: “Fica, assim, bem claro que a revolução não procura legitimar-se através do Congresso. Este é que recebe deste Ato Institucional, resultante do exercício do Poder Constituinte, inerente a todas as revoluções, a sua legitimação”.

Hoje, para negar o plano de golpe, o ex-presidente argumenta que não havia “tanque na rua”. Mas em 1964 havia, para depor João Goulart. E mesmo assim Bolsonaro entende que não foi golpe. Após a eleição de 2022, se tivesse havido tanque na rua, ele também diria que não foi golpe. Porque foi assim que ele agiu em relação ao período militar.

Em julho de 2018, pré-candidato a presidente, ele afirmou: "Não houve golpe militar em 1964". Em 2010, em discurso na Câmara, disse que o período de ditadura foram "20 anos de glória, período em que o povo gozou de plena liberdade e de direitos humanos". A cara nunca tremeu. Segundo ele, na ocasião, se havia corrupção "a autoridade era cassada pelo saudoso AI-5".

Em 2008, na mesma tribuna, ele havia dito: "Eu louvo o AI-5". Em 2013, ele declarou que a quartelada de 1964 foi "imposição popular".

Sempre fez apologia de tortura e torturadores. Foi célebre, ao votar no impeachment de Dilma Rousseff (PT), a referência sádica ao coronel Brilhante Ustra, a quem chamou de “pavor de Dilma Rousseff”. Em 2016, em entrevista, o então deputado falou que "o erro da ditadura foi torturar e não matar". Já presidente, em 2019, chamou o chefe do antigo DOI-Codi de “herói nacional”.

Se voltar no tempo, as referências não acabam nunca. Lembrarei apenas a entrevista de 25 de maio de 1999. “Eu sou favorável à tortura, tu sabe disso”.

Já recentemente, em maio passado, outro filho, o vereador Jair Renan, disse que o regime dos generais foi “a melhor época do Brasil”. Uma vantagem é que ele não tinha nascido.

Em 2019, o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ) declarou: "Por vias democráticas, a transformação que o Brasil quer não acontecerá no ritmo que almejamos".

Pincei alguns exemplos, mas as alusões são muitas, muitas. Uma família que a vida toda defendeu ditadura e ditador, golpe, arbítrio e tortura, e agora quer causar comoção ao dizer que defende a liberdade. Estão em voga tentativas de reescrever a história, mas, na construção das narrativas, como se diz, é desejável manter ao menos a verossimilhança.

Publicado originalmente no portal O Povo +

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