8 de março de 2022

Três mulheres radicais do Ceará

Rosa da Fonsêca e Maria Luiza seguram foto de Célia feita pela fotojornalista Sara Maia para o jornal O POVO (Foto: Fernanda Barros)

Difícil falar dos espaços conquistados pelas mulheres, na política ou qualquer outro campo, sem mencionar Maria Luiza Fontenele. Em 1985, foi a primeira mulher a ser eleita prefeita de capital, ao lado de Gardênia Gonçalves, de São Luís. Foi também pioneira, entre homens e mulheres, entre prefeitos do PT em capitais. Quando se fala em Maria Luiza, logo se associa à companheira dela de tantos momentos, a ex-vereadora Rosa da Fonsêca.

Elas tiveram importante atuação na luta contra a ditadura militar, no movimento pela anistia, na redemocratização, na organização dos movimentos sociais por direito a moradia, movimento sindical e na organização das mulheres. Uma história de muitas pessoas. E, quando se fala de Maria e Rosa, muita gente não sabe que o grupo tinha outra mulher entre as protagonistas. Que sempre preferiu ficar nos bastidores, mas não é menos importante nessa trajetória.

Natural de Casa Branca (SP), Célia Zanetti chegou a Fortaleza por volta de 1973, fugindo da repressão da ditadura militar. O marido dela, Jorge Paiva, estava numa lista de pessoas a serem mortas pelo regime. Passaram por Salvador e Recife antes de chegarem à capital cearense. Na clandestinidade e com nomes falsos, iniciaram ao lado de Rosa, que havia acabado de sair da prisão, e de Maria Luiza, que retornara dos Estados Unidos, uma tentativa de retomar as mobilizações sociais. A fase pública do movimento era a luta pela anistia. Sob o guarda-chuva, havia luta ambiental, por moradia, de mulheres e também militância política.

Com vida clandestina, ela não podia aparecer. Mas, estava sempre na linha de frente das formulações e articulações. "Célia é uma pessoa que, como diz a Lílian (outra integrante do grupo Crítica Radical), ela fazia acontecer ", define Maria Luiza.

Célia chegou a se hospedar com a mãe de Maria Luiza. "Ela (Célia tinha os olhos verdes e mamãe queria mostrá-la em todo canto. E a gente tentando convencer de que ela não podia aparecer", ri Maria Luiza.

Maria era a principal face pública do grupo que atua no Ceará há quase 50 anos. Foi deputada estadual, deputada federal e prefeita. Rosa era a outra figura pública. Concorreu a governadora, deputada federal e foi vereadora e presidente da CUT. Célia, que veio da clandestinidade, evitava aparecer muito. "Estava por trás, mas era de uma determinação fora de série", define Maria.

"Ela era muito prática. Quando a gente estava meio paralisado, ela perguntava o que estava faltando, e num instante a coisa caminhava", relata Rosa.

Ela lembra que Célia era particularmente enérgica no enfrentamento à repressão policial contra movimentos sociais. "Quando estava em manifestação que vinha repressão, ela partia para cima com tudo, e a gente ia junta."

Rosa conta que ela tinha facilidade de comunicação com os jovens. Exemplo foi o acampamento no Parque do Cocó, em 2013, contra o corte de árvores. Ela estava sempre junto, participava dos debates e da tomada de decisões do movimento.

Era forte, muitas vezes séria. Mas, na intimidade, era brincalhona também. Rosa lembra que ela conservou por muito tempo o sotaque paulista. "Aí a gente fazia muita hora com ela. Ela achava graça", ri.

Maria faz relato significativo de quem era Célia. A ex-prefeita enfrentou quatro cânceres. E tem histórico familiar da doença. Uma sobrinha estudava câncer genético nos Estados Unidos e perguntou se ela aceitava ir para lá ser objeto de estudo em um congresso. E Célia se ofereceu para ir como cuidadora. Mas, ao chegar para lá, disse que Maria não iria ver nada de doença. Elas foram se juntar ao movimento Occupy Wall Street. "Era esse modelo de gente, muito danada", diz Maria.

No dia em que teriam reunião com o comando do movimento, Maria, com saúde fragilizada, não conseguiu ir. "Nunca tive muita disposição de acompanhar a Célia. Além de ter umas passadas muito largas, ela não cansava". A ex-prefeita ficou descansando e Célia foi ao encontro. Queria convencer os manifestantes de que o problemas não era apenas a parcela 1% mais rica da população.

O grupo àquela altura, já havia feito a ruptura teórica com a esquerda e o marxismo tradicional. Não mais via o proletariado como agente revolucionário e a luta de classes como principal contradição. Já tratavam na contradição da essência do sistema. Célia quis levar essa discussão, mas não convenceu os líderes, relembra Maria.

Elas correram o mundo juntas. Além de Wall Street, foram à França em 2008, para os 40 anos de maio de 1968. Foram à Venezuela. Em 1995, foram à China, para a Marcha Mundial de Mulheres. Como fizeram? Ela era prática. Sugeriu que fizessem a viagem, quando indagaram como, ela perguntou quem ali tinha cartão de crédito. Juntaram os cartões e compraram as passagens.

Rosa relembra que, perto de morrer, Célia chamou Sandra e outras das integrantes do grupo. E determinou: "Se eu não conseguir sair dessa, vocês tocam o barco". "E essa coisa ficou, todo mundo lembra muito bem essas palavras dela", conta Rosa.

Célia Zanetti morreu em 27 de janeiro de 2018. Elas são três e muitas outras: Teresa Cristina, Lourdes, Raimunda Zélia, Socorro Saldanha e muitas mais. Um dos grupos mais emblemáticos da política cearense — até romper com a própria política — é liderado por mulheres. Maria e Rosa sempre foram as mais visíveis, mas elas só alcançaram o que fizeram porque Célia estava com ela, ao lado, e às vezes à frente.

Com informações portal O Povo Online

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