14 de maio de 2025

José Mujica foi exemplo de austeridade e ética para a esquerda no poder, por Luiz Carlos Azedo

Mujica morreu com a mesma simplicidade e popularidade com que chegou ao poder (Foto: Florencia Pagola)

A morte do ex-presidente José Mujica, nesta terça-feira, foi anunciada pelo presidente do Uruguai, Yamandú Orsi, em mensagem pelo X (antigo Twitter). A esquerda latino-americana perdeu o líder político mais carismático de sua geração, que talvez só possa ser equiparado ao ex-presidente da África do Sul Nelson Mandela, que liderou a luta contra o apartheid por mais de duas décadas, mesmo estando preso.

José Alberto "Pepe" Mujica Cordano nasceu em 20 de maio de 1935, em Montevidéu, Uruguai. Ex-guerrilheiro, agricultor e político, presidiu o país entre 2010 e 2015, sendo amplamente reconhecido por seu estilo de vida austero, sua retórica humanista e sua atuação firme em defesa da democracia, dos direitos sociais e da soberania popular.

Pepe Mujica deixa um legado de integridade, coerência e compromisso com os valores humanos. Sua trajetória inspira líderes e cidadãos ao redor do mundo a repensarem as prioridades da vida e da política, valorizando a simplicidade, a empatia e a justiça social. Como presidente, manteve a simplicidade e as críticas ao consumismo. Em 2013, fez um discurso marcante na ONU, em que criticou o consumismo e a lógica do crescimento econômico sem limites. "Desenvolvimento não é consumir mais. É ser mais feliz com menos", afirmou Mujica. O discurso viralizou nas redes sociais.

Durante seu mandato, implementou políticas progressistas que colocaram o Uruguai na vanguarda social da América Latina, como a legalização do aborto, do casamento entre pessoas do mesmo sexo e da maconha. Mujica também ficou conhecido por doar cerca de 90% de seu salário presidencial para instituições de caridade e viver em sua modesta chácara nos arredores de Montevidéu, recusando os luxos do cargo. Não se mudou para a residência presidencial, continuou morando numa casa modesta, junto com a esposa, Lucía Topolansky, sem empregados domésticos e com pouca segurança. O casal nunca teve filhos.

Seu estilo informal de se vestir, o hábito de dirigir um velho Fusca azul-celeste de 1987 e a decisão de viver com muito pouco lhe renderam o título na imprensa de "o presidente mais pobre do mundo". Entretanto, Mujica nunca foi um outsider, embora tivesse um perfil fora do padrão da política tradicional, mesmo a de esquerda. Basta comparar sua trajetória e seu comportamento com os de outros líderes de sua geração. Por isso, mesmo sendo o presidente de um pequeno país, conquistou o respeito e a admiração internacionais, inclusive aqui no Brasil, onde foi aclamado após ter deixado o poder, num evento na concha acústica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em 2015.

Amigo de Lula

Mujica era amigo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, visitou-o quando ainda estava preso na Superintendência da Polícia Federal (PF) em Curitiba, em junho de 2018. Antes da visita, que durou 15 minutos, discursou em um megafone aos militantes que estavam acampados perto da PF: "Os homens e as mulheres podem estar presos ao corpo, mas as causas dos homens e das mulheres nunca estão presas, porque caminham com as pernas e os braços dos companheiros". Ao sair, disse que Lula estava com "muito bom humor, alguns quilos a menos, lendo muitos livros e preocupado com o destino do Brasil". Não se imaginava que Lula voltaria ao poder em 2022.

Por sua coerência política e seu comportamento, Mujica destacou-se no universo de grandes líderes de esquerda da América Latina, como Fidel Castro (Cuba, 1926-2016), Daniel Ortega (Nicarágua, 1945), Salvador Allende (Chile, 1908-1973), Lúcio Gutiérrez (Equador, 1957), Evo Morales (Bolívia, 1959), Hugo Chávez (Venezuela, 1954-2013) e políticos mais moderados, como o que viria também a se tornar, entre os quais Ricardo Lagos (Chile, 1938), Tabaré Vázquez (Uruguai, 1940-2020) e Michelle Bachelet (Chile, 1951).

Mujica cresceu em uma família de pequenos proprietários agrícolas de origem basca e italiana. Desde jovem, envolveu-se em atividades políticas, inicialmente nas juventudes do Partido Nacional. Na década de 1960, integrou o Movimento de Libertação Nacional-Tupamaros, grupo guerrilheiro de esquerda que combatia a ditadura uruguaia. Durante esse período, foi preso e passou cerca de 14 anos encarcerado, muitos deles em regime de isolamento.

Com a redemocratização do Uruguai, foi eleito deputado em 1995 e senador em 2000 pelo partido Frente Ampla. Entre 2005 e 2008, ocupou o cargo de ministro da Pecuária, Agricultura e Pesca. Em 2009, foi eleito presidente do Uruguai, assumindo o cargo em 1º de março de 2010.

Em abril de 2024, Mujica foi diagnosticado com câncer de esôfago. Em janeiro de 2025, informou que a doença havia se espalhado para o fígado e que, devido à sua idade e a outras condições de saúde, decidiu não continuar com os tratamentos. Encontrava-se em fase terminal da doença, recebendo cuidados paliativos em sua residência em Rincón del Cerro, próximo a Montevidéu.

O ex-presidente uruguaio pediu para ser sepultado lá mesmo, sob uma árvore, onde também foi enterrada sua cadela Manuela, que tinha apenas três patas. O animal era tratado como parte da família e simbolizava seu apego à vida simples e afetiva. Mujica morreu com a mesma simplicidade e popularidade com que chegou ao poder.

Publicado originalmente no Correio Braziliense

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