9 de outubro de 2025

Câmara impõe dura derrota ao Governo

Por decisão da maioria do Plenário da Câmara foi aprovado requerimento de retirada de pauta da Medida Provisória  (Foto: Kayo Magalhães)

Uma semana depois da vitória mais importante para o Planalto no Congresso, com a isenção do Imposto de Renda, o governo sofreu uma dura derrota no plenário da Câmara. Em uma batalha nos bastidores que teve tom de disputa eleitoral antecipada, a oposição, com forte participação do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), conseguiu minar o apoio de partidos do Centrão à medida provisória (MP) que aumentaria a arrecadação nos próximos anos, com taxas maiores para fintechs e outros setores. O texto daria respiro às contas do governo na reta final de 2025 e a partir de 2026, mas foi retirado de pauta antes mesmo de ser votado, com 253 votos pela derrubada contra 193 dos que queriam mantê-lo na pauta.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva usou a rede X para lamentar o resultado. "A decisão da Câmara de derrubar a medida provisória que corrigia injustiças no sistema tributário não é uma derrota imposta ao governo, mas ao povo brasileiro. Essa medida reduzia distorções ao cobrar a parte justa de quem ganha e lucra mais. Dos mais ricos. Impedir essa correção é votar contra o equilíbrio das contas públicas e contra a justiça tributária", escreveu.

O chefe do Executivo também apontou os interesses eleitorais da oposição com a derrota. "O que está por trás dessa decisão é a aposta de que o país vai arrecadar menos para limitar as políticas públicas e os programas sociais que beneficiam milhões de brasileiros. É jogar contra o Brasil", enfatizou.

A MP foi editada pelo governo em junho. O objetivo era estabelecer fontes de arrecadação que pudessem substituir o aumento de alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Na época, o Planalto foi avisado de que as mudanças no IOF não seriam aprovadas porque medidas que elevam impostos são impopulares. Depois de negociações com a cúpula do Congresso, o Executivo apresentou a MP e fez concessões no decreto do IOF — que foi posteriormente derrubado pelo Legislativo e restabelecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A previsão era de arrecadar R$ 35 bilhões em 2026 com o aumento de taxação para bets, impostos para investimentos hoje isentos, elevação de alíquotas para fintechs, entre outros pontos.

As principais medidas, no entanto, foram retiradas do texto ao longo da tramitação, pelo relator, deputado Carlos Zarattini (PT-SP). Com o aval do governo, o petista fez diversas concessões para obter o apoio de bancadas na Câmara, em especial do agronegócio. Após os recuos, a arrecadação prevista com a proposta para 2026 caiu para R$ 17 bilhões, mas o Planalto seguiu otimista com a aprovação.

Ao perceber que a derrota estava próxima, Zarattini citou abertamente os grupos políticos que se comprometeram a avalizar a proposta, mas que anunciaram voto contrário mesmo tendo seus pleitos atendidos, como foi o caso da bancada do agro. Rebateu, também, parlamentares da oposição que criticaram o espaço orçamentário que a medida daria ao Executivo no próximo ano.

"Essa conversa de que o governo teria R$ 20 bilhões a mais para gastar é conversa mole, porque todo mundo sabe que o limite de gastos é dado pelo arcabouço fiscal. O que o governo quer com esses recursos é poder atender o que está na LDO, que é cumprir o superavit primário no ano que vem e, com isso, favorecer a queda de juros no Brasil, que nós queremos que baixem, porque são excessivos", justificou.

O deputado Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que negociou com o relator diversas concessões que foram, de fato, incluídas no relatório, disse que a bancada não apoiou o texto por ser contra qualquer elevação de impostos. “Nós temos um posicionamento muito firme contra o aumento de tributos e não vamos aceitar isso. O governo joga, mais uma vez, nas costas do Congresso a responsabilidade de sanear as contas públicas, enquanto mantém um gasto desenfreado e uma irresponsabilidade fiscal gigantesca”, afirmou. Depois da votação, comemorou a derrubada: “Que aprendam a cortar na carne, e não a gastar e empurrar a conta ao produtor rural”, escreveu Lupion.

Base rachada

Na votação da retirada de pauta, até partidos da base do governo fecharam questão para derrubar a MP, caso do PSD, que tem três ministérios no governo: Agricultura, com Carlos Fávaro; Minas e Energia, com Alexandre Silveira; e Pesca, com André de Paula. O União Brasil e o PP, que recentemente anunciaram o desembarque do governo, também votaram em peso pela retirada, embora tivessem concordado em apoiar o texto.

O líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (PT-RJ), lamentou a posição dos partidos que foram contra a MP e ressaltou que caciques partidários que hoje são oposição ao governo também trabalharam contra o texto. “Foi feito um acordo e o acordo foi rompido. Foi feito um acordo com o agro, foi feito um acordo que envolvia lideranças do PP e do União Brasil. E eles romperam”, afirmou Lindbergh Farias (PT-RJ). “Consideramos o que está acontecendo aqui hoje um ato de sabotagem do Brasil.”

O parlamentar também foi enfático ao destacar o papel de Tarcísio de Freitas, assim como fizeram outros líderes ao longo do dia, caso do senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), líder do governo no Congresso. “Eu acho que ele (governador) teria coisa mais importante para se preocupar. Não tem plano de segurança pública em São Paulo, parece-me que não tem problema de pedágio em São Paulo, parece-me que não tem problema de metanol em São Paulo. Aliás, de metanol ele até disse que não tem, né?”, disparou.

Ele também destacou que o Congresso poderia ser diretamente penalizado pela derrubada, já que um contingenciamento de recursos ainda em 2025 está entre as opções do Ministério da Fazenda para compensar a falta de arrecadação. O valor estimado que pode ser contingenciado em 2025, segundo Randolfe, pode variar de R$ 7 bilhões a R$ 10 bilhões. 

Deficit zero

Antes da derrubada da MP, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que a pasta continuará a perseguir a meta de deficit zero para o ano que vem. Ele defendeu o texto construído por Zarattini, com sua participação.

“É um acordo que não penaliza o trabalhador, que não penaliza 99% da população e não penaliza nem o 1%, mas chama o 1% à responsabilidade de garantir que o país continue funcionando bem. É um chamamento à responsabilidade do 1%”, ressaltou.

Ele também alfinetou a oposição e criticou Tarcísio. “Em 2022, o então governo usou o Congresso para ‘liberar geral’ o Orçamento, dar calote em um, não pagar o outro, e assim por diante, para ter vantagens eleitorais. Isso não se confirmou porque a população percebe essas coisas”, frisou. “Agora, querer fazer o que foi feito em 2022, invertendo o sinal — a abundância de recursos para ganhar a eleição e agora querer restringir o orçamento para prejudicar o governo — não vai acontecer, vai prejudicar o Brasil”, argumentou.

Com a derrota, Haddad pretende se reunir com Lula para apresentar uma série de opções e tentar manter as contas em ordem. Procurado pelo Correio, Tarcísio negou ter trabalhado para interferir na votação. “Estou totalmente focado nos desafios e nas demandas de São Paulo. E essa questão cabe ao Congresso”, destacou. Ele, no entanto, recebeu agradecimento do líder da oposição na Câmara, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), por sua dedicação em derrubar a pauta. “Governador Tarcísio, receba a nossa gratidão por todo o seu empenho”, disse, na tribuna da Câmara.

Publicado originalmente no Correio Braziliense

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