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Segundo Barroso, não há arrependimentos durante o período que passou na Corte (Foto: Antonio Augusto) |
Após 12 anos, o ministro Luís Roberto Barroso anunciou ontem (09/10) sua aposentadoria do Supremo Tribunal Federal (STF). Em discurso no plenário, ele disse que "é hora de seguir outros rumos", chorou e foi aplaudido pelos colegas da Corte. O magistrado poderia seguir no cargo até 2033, mas decidiu deixar a cadeira antecipadamente, inaugurando a corrida por um novo indicado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Entre os favoritos, estão o advogado-geral da União, Jorge Messias, considerado nome de confiança do chefe do Executivo, o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas. Outro nome cotado é o do controlador-geral da União, Vinícius Carvalho. O senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) era um dos nomes especulados para a vaga do ministro Flávio Dino, em 2023, mas perdeu força para a cadeira de Barroso. Ex-presidente do Congresso Nacional, é próximo do decano do STF Gilmar Mendes.
Também há expectativa para a indicação de uma mulher ao cargo. A mais cotada com esse perfil é a presidente do Superior Tribunal Militar (STM), ministra Maria Elizabeth Rocha. Ela tem bom trânsito no mundo político e jurídico. Atualmente, o STF tem apenas uma ministra, Cármen Lúcia.
Com a decisão, Lula poderá indicar o seu 11º ministro para o Supremo. Neste terceiro mandato, o petista escolheu Flávio Dino para a vaga de Rosa Weber, aposentada em fevereiro do ano passado; e Cristiano Zanin, seu ex-advogado, na vaga de Ricardo Lewandowski, atual ministro da Justiça.
Lula não tem um prazo para fazer a nova indicação. Enquanto isso, a Corte vai operar com 10 integrantes. Depois de indicado, o escolhido precisa ser sabatinados pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e ter o nome submetido à votação no plenário da Casa. Somente passada essa etapa, poderá tomar posse no cargo.
Barroso disse não ter planos definidos para a aposentadoria, mas afirmou que vai se dedicar à vida acadêmica. Ele contou que pretende escrever e aceitou dar aulas na Alemanha, em novembro, e na Sorbonne, na França, em janeiro, como professor visitante.
"Sinto que agora é hora de seguir outros rumos. Nem sequer os tenho bem definidos. Mas não tenho qualquer apego ao poder e gostaria de viver um pouco da vida que me resta sem a exposição pública, as obrigações e as exigências do cargo. Com mais espiritualidade, literatura e poesia", discursou. "Como todos nós sabemos, os sacrifícios e os ônus da nossa função acabam se transferindo aos nossos familiares e às pessoas queridas, que sequer têm qualquer responsabilidade pela nossa atuação."
Segundo Barroso, não há arrependimentos durante o período que passou na Corte. "Todos nós julgamos causas difíceis, complexas, com interesses múltiplos. E cada um procura fazer o melhor. De minha parte, ao longo desses anos, diante das questões mais delicadas, eu as estudei, refleti e me convenci de qual era a coisa certa a fazer. E fiz. Não carrego nenhum arrependimento nem nunca tive medo de nada", frisou.
Em conversa com jornalistas, Barroso ressaltou ter comentado com Lula sobre sua intenção de se aposentar do STF, após completar o biênio como presidente da Corte. No mês passado, ele passou o comando para o ministro Edson Fachin.
"Há cerca de dois anos, comuniquei ao presidente da República essa possível intenção. Fico no tribunal mais alguns dias da próxima semana para devolver alguns pedidos de vista e encerrar as pendências", contou.
Julgamento
do golpe
Ele comentou que tinha pensado em anunciar a aposentadoria após a volta do retiro espiritual, que fará no fim deste mês, mas as especulações fizeram com que antecipasse a decisão. Também destacou que esperou encerrar o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e de outros sete aliados, condenados por tentativa de golpe de Estado.
"A especulação passou a ser pior do que o fato. Eu não teria saído antes de terminar o julgamento do golpe (que condenou Jair Bolsonaro). Era meu dever estar aqui e estar do lado dos meus colegas. Não gostaria de sair num momento confuso. O Brasil nunca é 100% tranquilo, mas o país está institucionalmente muito bem", disse.
Questionado, ele ressaltou que não tem interesse em assumir cargo político nem nenhuma embaixada. Acrescentou não ter interesse em retomar a advocacia. "No ano que vem, vou começar a pensar na minha vida. Gostaria de ser um intelectual público. Alguém que olha o país e pensa coisas, sem cargo, sem esses deveres", explicou.
Segundo ele, é um encerramento de ciclo. "Eu fiz tudo o que podia fazer, e era hora de abrir espaço para as pessoas que têm outras ideias. A vida é assim. A gente tem que saber ceder o lugar, na hora certa", destacou.
Os 12 anos no cargo já eram planejados por Barroso. Ele afirmou que, desde o início, tinha em mente que esse seria o período ideal para a sua passagem pelo Supremo. "Acho que cumpri o meu papel e que era hora de ceder o lugar para outra pessoa que entrasse para fazer uma carreira. Desde a Constituinte, eu sempre defendi o modelo alemão, que é o mandato de 12 anos, o tempo que eu fiquei aqui", frisou. "Sempre tive na minha cabeça que doze anos era o tempo suficiente."
Com os jornalistas, o magistrado elogiou o trabalho da imprensa tradicional na cobertura diária do Judiciário. "A gente nunca precisou tanto da imprensa profissional, que se move pela ética e pela técnica jornalística", ressaltou. "O mundo das plataformas digitais criou narrativas dissociadas da verdade, e a gente precisa fazer com que mentir volte a ser errado."
Homenagens
Os ministros renderam homenagens ao colega. O presidente da Corte, Edson Fachin, destacou a trajetória do magistrado. “Vossa Excelência trouxe consigo não apenas vasta erudição, mas manteve esse compromisso genuíno com a transformação social através do direito”, ressaltou. “Sua atuação sempre transcendeu os limites do tecnicismo jurídico para abraçar a responsabilidade maior de um guardião dos valores republicanos.”
Flávio Dino também destacou o trabalho do colega no STF. “O Supremo Tribunal Federal hoje perde, no seu plenário, o talento de um grande magistrado”, afirmou, nas redes sociais. Segundo ele, Barroso seguirá como uma referência na Corte e é “um dos mais eruditos, inovadores e produtivos constitucionalistas brasileiros”.
O decano Gilmar Mendes, com quem Barroso teve divergências no passado, apontou o legado do ministro e disse que a “história” irá reconhecer o “seu papel”. Ele declarou que a gestão do ministro ocorreu em um dos momentos “mais difíceis” que os integrantes do Supremo enfrentaram. “Sua Excelência sabe do apoio que emprestei, e não foi nenhum favor, mas, na verdade, um dever cívico, durante esses dois anos difíceis. Certamente os dois anos mais difíceis, pelo menos da minha vivência, no tribunal”, frisou Gilmar.
O
ministro Luiz Fux também se despediu de Barroso, a quem chamou de “amigo Beto”.
“Fomos colegas da congregação ainda jovens, quando nós não éramos absolutamente
nada, e cada um fez sua parte”, afirmou. Ele disse que foi “pego de surpresa”
com o anúncio da aposentadoria do colega. “Poucos sabem, mas os mínimos
dissensos que eu já tive com o Barroso terminavam cinco minutos depois, porque
um ou outro remetia uma mensagem carinhosa pedindo as escusas necessárias”,
declarou Fux.
Perfil
Luís Roberto Barroso nasceu em Vassouras-RJ e é doutor em direito público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Também é professor titular de direito constitucional na Uerj, tem mestrado pela Universidade de Yale (EUA) e pós-doutorado na Universidade de Harvard (EUA). Trabalhou como professor visitante em outras instituições, como na Universidade de Brasília (UnB). No STF, foi presidente de 2023 a 2025.
Publicado
originalmente no Correio Braziliense
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