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O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, lideram as negociações (Foto: Reprodução/Facebook) |
A relação entre Brasil e os Estados Unidos tende a melhorar, na avaliação de especialistas. Eles acreditam que o presidente dos EUA, Donald Trump, tenha percebido que os ataques ideológicos contra a soberania brasileira não geraram grandes efeitos e decidiu usar vias mais diplomáticas, como o telefonema entre os dois chefes de Estado, na semana passada. Além disso, a designação do secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, como negociador entre os dois países, pode apresentar empecilhos, mas não quer dizer que as negociações não irão avançar, como membros da oposição tentam reiterar.
A conversa entre os dois presidentes, seguido da conversa entre o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, marca um ponto de inflexão nas tensas relações entre os dois países. A confirmação do diálogo pelo Itamaraty e o convite formal para uma reunião presencial em Washington indicam que a retórica ideológica começa a dar lugar a um processo negociador mais pragmático.
Mestre e doutor em Internacionalização e Estratégia e professor de geopolítica da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), João Alfredo Nyegray avaliou que as relações bilaterais tendem a voltar a ser funcionais, mas com baixa confiança política. O acadêmico chamou a nova fase de "pragmatismo competitivo, marcada por uma mistura de cooperação econômica seletiva e distanciamento político controlado".
"Nos dois primeiros meses do tarifaço, Washington tratou o Brasil como uma peça de demonstração de força — um alerta a países que, na leitura trumpista, estariam se afastando de posições "alinhadas" aos interesses norte-americanos. Contudo, o telefonema de Trump revela que a Casa Branca percebeu os custos domésticos e diplomáticos da medida: o tarifaço gerou inflação em setores sensíveis dos EUA (como o de madeira e móveis), provocou resistência de importadores e ampliou a influência de parceiros alternativos do Brasil, como a China e a União Europeia. Assim, o cálculo político de Trump começa a mudar", explicou.
Eixo
bilateral
"O eixo da relação bilateral, portanto, deve migrar do confronto tarifário para a negociação condicionada. Trump continuará usando as tarifas como ferramenta de pressão — sua assinatura política —, mas com o objetivo de transformá-las em moeda de troca por concessões específicas: abertura do mercado brasileiro para empresas de tecnologia norte-americanas, cooperação em terras raras e minerais estratégicos, e alinhamento diplomático em temas globais, como China, Irã e regulação de big techs. Lula, por sua vez, buscará preservar autonomia externa e reduzir tensões comerciais sem parecer submisso, o que exige diplomacia de alto nível e capacidade de costurar ganhos mútuos", acrescentou.
"Haverá espaço para cooperação comercial e técnica — especialmente se o alívio do tarifaço vier acompanhado de missões empresariais, fóruns de inovação e pactos ambientais moderados —, porém sem a profundidade estratégica que marcou períodos anteriores de convergência. O Brasil continuará praticando o "multialinhamento", equilibrando sua aproximação com EUA, China e Europa, enquanto Trump provavelmente buscará explorar divisões internas do continente latino-americano para reconfigurar sua influência na região", destacou.
O professor e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia/Instituto Nacional de Estudos sobre Estados Unidos (INCT-INEU), Williams Gonçalves, ressalta a importância mútua dos países, para a economia de cada uma das nações. "A tendência é uma normalização das relações. Porque o Brasil e os Estados Unidos são muito importantes um para o outro. E portanto, os EUA não podem deixar de ter boas relações com o Brasil", disse. Ele ressaltou que os Estados Unidos são um dos países mais importantes do mundo e eles dispõem de um apoio muito grande dentro do Brasi, que é um importante destino de investimentos norte-americanos.
Na avaliação dele, Trump acreditou que podia dar um susto, que podia exibir os músculos e que o Brasil iria recuar, o Supremo iria se dobrar e o presidente Lula iria tremer de medo. "Porém, quando ele viu que aquilo não surtiu qualquer efeito, a presidência da República e a Suprema Corte americana verificaram que a maneira de atrair o Brasil para uma posição mais próxima dos Estados Unidos e mais distante da China e da Rússia, é por meio do diálogo", frisou.
Os dois especialistas não ignoram a importância da ideologia trumpista do secretário de Estado americano e o responsável pelos interesses dos EUA na negociação com o Brasil, Marco Rubio. Eles, entretanto, acreditam que as reuniões serão tranquilas, devido à adoção de um novo tom diplomático das conversas entre os países. Nyegray ressaltou que "o secretário telefonou ao chanceler Mauro Vieira e propôs reunião em Washington, dando "pista" de que o caminho escolhido é negociar saídas em vez de escalar o conflito. Esse acúmulo de sinais explica por que seu nome passou a ser o símbolo de uma janela real de negociação. Para Gonçalves, a maior preocupação é a proximidade de Rubio com o clã Bolsonaro, como o Eduardo e o Paulo Figueiredo, que estão lá nos Estados Unidos "fazendo agitação".
Oposição
bolsonarista
Os membros da oposição do governo brasileiro usaram a proximidade com Rubio para minimizar a relevância do telefonema de Lula e Trump. Outros preferiram ignorar a situação e focar na anistia dos envolvidos no 8 de janeiro. O deputado federal e filho de Bolsonaro que está nos Estados Unidos tentando articular contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e a presidência de Lula, Eduardo Bolsonaro (PL-SP), comemorou a nomeação do secretário de Estado americano como representante da negociação.
“O secretário Marco Rubio conhece bem a América Latina. Sabe muito bem como funcionam os regimes totalitários de esquerda na região. Ele não cairá nesse papo furado do regime, de independência de um judiciário aparelhado. A escolha de Trump só complica o regime de exceção. Golaço! A esquerda sabe que não foi uma vitória. Mas para seu público de fanáticos eles tentarão emplacar as suas narrativas fantasiosas", escreveu Eduardo Bolsonaro em uma rede social.
O líder do PL na Câmara também citou Rubio. "Trump deixou Marco Rubio, o secretário mais ideológico, para seguir as negociações das tarifas, um recado direto ao Planalto", escreveu o deputado Sóstenes Cavalcate (RJ).
"A mera ligação entre chefes de estado que pensam e atuam de maneira absolutamente contrastantes não quer dizer absolutamente nada", disse o secretário de Comunicação da Presidência no governo Bolsonaro, Fabio Wajngarten. Já o deputado federal, Nikolas Ferreira (PL-MG) e o senador, Flávio Bolsonaro (PL - RJ), ignoraram o telefonema e focaram na importância da pressão no Congresso pela anistia de Bolsonaro e outros envolvidos nos ataques de 8 de janeiro.
Na avaliação de Nyegray, as duas estratégias são compreensíveis, porém, ambas carregam riscos. Ele destacou que “minimizar o telefonema por “ser com Rubio” e tenta enquadrar o gesto como teatro, sugerindo que nada mudará — é eficaz para descontar politicamente um possível crédito a Lula e manter a narrativa de que “Trump não cederá”.
Contudo, ele destacou que se houver alívio setorial (mesmo parcial), a crítica perde tração e a oposição precisará reprecificar o fato. "Ignorar a ligação evita dar palco ao governo e preserva coesão entre correntes que divergem sobre como lidar com Trump — mas, ao negar algo documentado pelo Planalto e pela imprensa internacional, corre o risco de parecer descolada do processo real de negociação em marcha”, alertou.
"Do ponto de vista analítico, quem ler o xadrez internacional apenas por lentes domésticas pode perder timing: o caso já está no nível gabinete e com passos subsequentes marcados. Em política, negar a existência do tabuleiro não impede que as peças se movam; e, no tabuleiro atual, o movimento existe e já está institucionalizado”, acrescentou o professor da PUC-PR.
Publicado
originalmente no Correio Braziliense
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