28 de novembro de 2025

Licenciamento ambiental: Congresso vai na contramão do governo e da COP30

Deputados e senadores derrubaram 52 vetos do Governo ao chamado PL da Devastação (Foto: Kayo Magalhães)

Uma semana após o encerramento da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), em Belém, o Congresso Nacional impôs uma derrota aos esforços de proteção do meio ambiente, ao derrubar 52 dos 63 vetos presidenciais ao projeto da Lei Geral do Licenciamento Ambiental — que ficou conhecida como PL da Devastação. A manutenção do texto original é vista por ambientalistas como o pior retrocesso legislativo da história brasileira nessa questão. O resultado consolidou a união da centro-direita, que se articulou para impor uma dura derrota ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O placar foi de 295 votos pela derrubada na Câmara dos Deputados e 52 no Senado.

"Os dispositivos que retornaram com a derrubada dos vetos colidem com os direitos dos indígenas e quilombolas, dão um cheque em branco para os entes subnacionais fazerem o que quiserem com o licenciamento, restringem o campo da aplicação do licenciamento ambiental e reduzem a responsabilidade das instituições financeiras, entre outros absurdos", criticou Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima.

"Precisamos ser mais eficientes com licenciamento ambiental, mas jamais ao custo de insegurança e riscos atuais e futuros para a população. Será que os ilustres senadores não entenderam o recado que a natureza está nos dando? A COP30, em Belém, deixa claro que ultrapassamos limites. Temos que repensar nossa relação com nossos rios e florestas. E não é com um PL apressado e disfuncional que seremos mais harmônicos com o meio em que vivemos", diz André Guimarães, diretor executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).

A base do governo chegou ao Congresso sabendo que perderia, mas não perdeu em silêncio. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (Rede), disse que o governo pode contestar o PL da Devastação na Justiça. "Como cada estado, cada município pode fazer sua própria legislação, agora é uma terra sem lei, uma terra de ninguém. E o próprio governo federal, diante dessa eliminação (de prerrogativa da União), considera judicializar", destacou.

O líder do governo no Congresso Nacional, Randolfe Rodrigues, confirmou a possibilidade de judicialização e comentou que foi "o maior enfraquecimento da legislação ambiental até hoje", com a aprovação de itens "flagrantemente inconstitucionais". "Será um tema que, fatalmente, nós iremos recorrer ao Supremo Tribunal Federal", afirmou.

A ministra da Secretaria de Relações Institucionais (SRI), Gleisi Hoffmann, lamentou o resultado e declarou que "quem perde é o Brasil com a derrubada pelo Congresso dos vetos do presidente Lula à Lei de Licenciamento Ambiental". Ela também classificou a decisão como uma "péssima notícia" que contradiz o esforço do governo após a realização da COP 30. "Perdem o meio ambiente, a proteção dos nossos biomas, a segurança dos alimentos e da saúde da população, os indígenas e quilombolas, a reputação dos produtos que exportamos", escreveu Gleisi em suas redes sociais.

O presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (União-AP), chegou a adiar a sessão que ocorreria em outubro para apreciação dos vetos, atendendo a um pedido do governo para que não votar o tema às vésperas da COP30. Contudo, Alcolumbre relembrou, em seu discurso durante a votação, que apreciar vetos é uma responsabilidade institucional das duas Casas Legislativas.

"Nos últimos dias, esta presidência tem sido alvo de críticas pela decisão de incluir na pauta desta Sessão o veto do Licenciamento Ambiental. É preciso ser muito claro: o Congresso Nacional não pode se furtar ao cumprimento de suas responsabilidades constitucionais. Qualquer tentativa de transformar isso em disputa política desconsidera o papel institucional do Congresso", afirmou.

Lei enfraquecida

Com as votações de ontem, o texto aprovado anteriormente pelo Congresso Nacional entra em vigor. Sete outros vetos — relativos ao Licenciamento Ambiental Especial (LAE) — foram prejudicados e não serão apreciados devido à Medida Provisória (MP) 1.308, que trata do tema e está sendo relatada pelo deputado Zé Vitor (PL-MG). Os vetos derrubados envolvem pontos considerados críticos, que, na visão de especialistas, enfraquecem a legislação ambiental e ameaçam biomas e populações vulneráveis.

Dentre os principais pontos derrubados, havia o trecho que permitia que empreendimentos de médio potencial poluidor fossem submetidos ao Licenciamento por Adesão e Compromisso (LAC), uma modalidade simplificada que dispensa a realização de estudos de impacto ambiental. Esse dispositivo, que antes era limitado a projetos de pequeno potencial poluidor — por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) —, passa a ser aplicado a empreendimentos de médio porte. Para obter a licença, o responsável precisará apresentar apenas um Relatório de Caracterização do Empreendimento (RCE), cuja análise pelos órgãos ambientais não será obrigatória e será feita apenas por amostragem.

Houve, ainda, a liberação do processo de licenciamento ambiental em terras indígenas e quilombolas que ainda não foram homologadas sem a consulta à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e à Fundação Palmares. Antes, as entidades deviam ser consultadas mesmo que as terras não tivessem sido demarcadas.

O Congresso também derrubou a proibição de delegação para que estados e municípios estabeleçam seus próprios critérios sobre o potencial poluidor de um empreendimento. Ambientalistas temem que essa regionalização resulte na redução dos padrões de exigências ambientais.

Setores comemoram

O relator, deputado Zé Vitor, comemorou a aprovação do projeto, que tramitava havia 22 anos. "É a primeira vez que nós teremos uma lei de fato. Então, não há que se falar em proteção ambiental com normas sustentadas em portarias e resoluções. Nós teremos a primeira lei no Brasil que trata de licenciamento ambiental", afirmou.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) considerou a decisão positiva. O presidente da entidade, Ricardo Alban, afirmou que a derrubada "recupera a coerência do texto". "O objetivo central é conferir maior agilidade e segurança jurídica ao licenciamento, condições indispensáveis para atrair investimentos, criar empregos e viabilizar obras essenciais em áreas como saneamento, logística, energia e infraestrutura", destacou. O presidente da Frente Parlamentar da Agricultura (FPA), deputado Pedro Lupion (Republicanos-PR), classificou a derrubada como "mais uma vitória importante, não apenas da FPA, mas do Brasil". "A racionalização do sistema de licenciamento ambiental é essencial para destravar o desenvolvimento, gerar empregos e atrair investimentos, sem prejuízo à proteção ambiental", destacou o parlamentar.

Publicado originalmente no Correio Braziliense

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