20 de abril de 2022

"Não estragou a Páscoa de ninguém", diz presidente do STM sobre áudios da ditadura

O general Luiz Carlos Gomes Mattos é o presidente do Superior Tribunal Militar (Foto: Divulgação/STM)

O presidente do Superior Tribunal Militar (STM), general Luiz Carlos Gomes Mattos, rompeu o silêncio sobre os áudios de ministros da Corte durante a ditadura, que apontam a prática de tortura por agentes das Forças Armadas no período de 21 anos em que vigorou o regime de exceção. Durante a sessão de julgamento ontem, a primeira após a revelação do material, Mattos afirmou que não tinha "resposta a dar".

O general chamou de "tendenciosas" as notícias sobre as gravações e acusou a imprensa de querer "atingir as Forças Armadas". "Não estragou a Páscoa de ninguém", disse, referindo-se à data da divulgação dos áudios.

"A gente já sabe os motivos, do por que isso vem acontecendo nesses últimos dias, seguidamente, por várias direções, querendo atingir as Forças Armadas, o Exército, a Marinha, a Aeronáutica, nós que somos quem cuida da disciplina, da hierarquia. Não temos resposta nenhuma para dar, simplesmente ignoramos uma notícia tendenciosa daquela, que nós sabemos o motivo", disse Mattos.

Para o atual presidente do STM, a instituição não tem "resposta nenhuma a dar" sobre as declarações de seus antecessores, que reconheceram práticas abusivas nos porões da ditadura militar. Os atuais membros da Corte, disse ele, optaram por ignorar o caso.

Embora tenha dito ignorar as revelações, Mattos assumiu ter ficado incomodado com o escrutínio público do passado torturador das Forças Armadas. "Não têm nada para buscar hoje, vão buscar no passado, rebuscar o passado. Só varrem um lado. Não varrem o outro. É sempre assim, já estamos acostumados com isso", afirmou. Segundo ele, as sessões do STM sempre foram transparentes.

Em um dos áudios revelados, o general Rodrigo Octávio relata, em 24 de junho de 1977, o aborto sofrido por Nádia Lúcia do Nascimento aos três meses de gravidez em decorrência de sucessivos "choques elétricos em seu aparelho genital". O ministro falou em "castigos físicos" sofridos pela vítima em um dos Doi-Codis, órgãos de repressão política sob comando do Exército que agiam nos Estados, no combate à oposição ao regime. Na ocasião, o oficial cobrou a investigação do caso.

As 10 mil horas de gravações de sessões do STM entre 1975 e 1985 foram obtidas pelo advogado criminalista e pesquisador Fernando Fernandes e pelo historiador Carlos Fico, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O acesso aos áudios demorou duas décadas anos para ser liberado.

Em 2006, Fernandes pediu acesso ao material, mas o STM negou. Cinco anos depois, a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a entrega do material, ordem que foi cumprida apenas após o plenário do Supremo confirmar o voto da ministra, em 2015. Em breve, todo o conteúdo das gravações estará disponível em um site em fase de conclusão.

Na segunda-feira, 18, o vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos) reagiu com ironia ao ser questionado sobre os áudios. "Apurar o quê? Os caras já morreram tudo, pô. Vai trazer os caras do túmulo de volta?", afirmou, rindo, o general da reserva.

Na avaliação do vice-presidente, a tortura "é passado". "Isso é história, já passou. É a mesma coisa de voltar para a ditadura do Getúlio. São assuntos já escritos em livros, debatidos intensamente. É passado. Faz parte da história do País", disse Mourão.

A declaração irônica e debochada de Mourão foi recebida com críticas pela oposição nas redes sociais. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) afirmou que se o general está ao lado do presidente Jair Bolsonaro (PL) é porque se identifica "com a impunidade, com a tortura, com a ditadura", e defendeu que Mourão deve "sair do controle do País".

A ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (Rede) classificou a fala como algo a "se indignar e chorar". "Além da falta de competência desse governo, há também muita falta de sensibilidade", publicou em sua rede social.

O senador Renan Calheiros (MDB-AL) lamentou o ocorrido e defendeu que o "deboche inumano" de Mourão representa a "exata dimensão da escória que chegou ao poder com Bolsonaro": "Trogloditas insensíveis, despreparados e disparatados. Uma lástima", disse.

Guilherme Boulos (Psol) disse que muitos parentes dos mortos na ditadura seguem à espera de respostas. "Muitas mães seguem até hoje sem saber onde estão seus filhos desaparecidos. É por isso que exigimos memória, verdade e justiça, senhor Mourão!", disse

A deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) questionou Mourão sobre as torturas e sumiços da ditadura militar: "o general e seus colegas podem responder 'onde estão os túmulos?'".

A deputada federal Natália Bonavides (PT-RN) relembrou a dor das famílias com as perdas da ditadura. "A ditadura assassina que você defende, além de matar, não deu às famílias o direito de enterrarem seus mortos. Não há túmulos. Estão desaparecidos até hoje. Onde está Fernando Santa Cruz? Luiz Maranhão? Virgílio Gomes da Silva?", perguntou.

O Senado quer ter acesso às gravações de sessões do Superior Tribunal Militar (STM) que trataram de torturas praticadas à época da ditadura militar. O pedido foi formalizado na última segunda-feira, por meio de ofício, pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Casa, senador Humberto Costa (PT-PE).

A solicitação foi motivada pela publicação de trechos desses áudios pela jornalista Miriam Leitão, do jornal O Globo. Segundo a reportagem, as gravações inéditas foram registradas em sessões do STM entre 1975 e 1985.

"As gravações registram relatos de casos de tortura durante a ditadura militar. Miriam Leitão diz que os áudios são vozes do tempo sombrio da ditadura militar que foram resgatadas pelo historiador Carlos Fico, titular de História do Brasil da Universidade Federal do Rio de Janeiro [UFRJ]”, ressalta Costa no documento encaminhado ao presidente do STM, ministro general Luís Carlos Gomes Mattos.

Em um dos trechos das gravações, o então ministro do STM Waldemar Torres da Costa debate o tema durante uma sessão que teria ocorrido em 1976. Ele teria dito que "quando as torturas são alegadas e, às vezes, impossíveis de ser provadas, mas atribuídas a autoridades policiais, eu confesso que começo a acreditar nessas torturas porque já há precedente".

Com informações portal O Povo Online

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