2 de fevereiro de 2019

O que a esquerda ganhou com as eleições para a Câmara? por Thomas Toledo

Dep. Rodrigo Maia (DEM-RJ) é eleito presidente da Câmara dos Deputados (Foto: Pablo Valadares)
Eleições para qualquer casa legislativa raramente se dão em torno de um programa eleitoral, esquerda ou direita, porque as bancadas já foram eleitas. Tratam-se, portanto, de um acordo para a divisão de cargos na mesa diretora e nas comissões, que dão o ritmo de toda atividade parlamentar. Assim, o que conta não são as melhores ideias, discursos mais inflamados ou quem adesiva mais perfis nas redes sociais, mas a habilidade em movimentar peças para assegurar os interesses próprios de cada agremiação.

Ontem, na eleição pra mesa diretora da Câmara, cada partido de esquerda jogou suas cartas. O PT pretendia acima de tudo ficar com a liderança da oposição e assumir um ou dois lugares na mesa. O PSOL, lançar uma candidatura sem chances de vencer, mas boa para bater bumbo à plateia das redes sociais. O PSB queria uma vaga na mesa. O PDT, também ansiava pela mesa e por tirar do PT o protagonismo de liderar a oposição. O PCdoB precisava garantir o reconhecimento da incorporação do PPL e assegurar a presença nas comissões que dão visibilidade e força a seus deputados se posicionarem para enfrentarem as reformas bolsonaristas.

Quem baixou a primeira carta foi o PSOL, lançando unilateralmente a candidatura de Freixo, o que gerou um mal estar na esquerda, que sabia de sua inviabilidade. Em seguida, o PCdoB e o PDT anunciaram que não fechariam com Freixo e que apoiariam um candidato que tivesse chance real de vencer para terem vagas na mesa e nas comissões. O PT fez o terceiro movimento: afastou o PSB do PCdoB e PDT, prometendo-lhes a primeira chamada da chapa na mesa, em troca de ficarem com a segunda chamada e a liderança da oposição; ao PSOL, o PT prometeu apoio público a Freixo pra jogar pra plateia e nos bastidores fechou apoio parcial a Maia.

No meio da semana, o PT publicou um chamado provocador à “unidade da esquerda”, instando publicamente o PCdoB e o PDT a apoiarem seu bloco, sem prometerem nos bastidores aquilo que estes demandavam. PCdoB e PDT ficaram quietos e mexeram suas peças, com um desfecho surpreendente.

O bloco da centro-direita juntou mais de trezentos deputados, o que lhe dá maioria na mesa. O do PT, PSB, PSOL e Rede aglutinou 97 deputados. Tudo parecia indicar que PCdoB e PDT caminhavam pro isolamento, quando inscreveram uma chapa com uma miríade de partidos de centro e alcançaram surpreendentemente 105 deputados. Ficaram em segundo lugar, o que garante a liderança da oposição e duas chamadas na mesa.

Cheque-mate nos planos do PT de ser o partido que liderará a oposição, tarefa que caberá agora ao PDT. Pra completar, a articulação desastrosa petista quase deixou-os fora da mesa, pois sua chapa só conseguiu duas chamadas e o PT, mesmo tendo a maior bancada, conseguiu apenas a última suplência.

Quando PT e PSOL perceberam que tinham fracassado, partiram para a baixaria. Atacaram a incorporação do PPL ao PCdoB e usaram o palanque da câmara para fazerem um discurso sectário contra este partido. O líder comunista respondeu que na luta contra o governo Bolsonaro eles precisarão estar juntos. Mas qual clima fica? Manuela escreveu um desabafo de quem está cansada de sempre ver seu partido se sacrificar pelo “bem maior”, sem ter o apoio dos aliados para suas demandas. Ou seja, feridas ficaram abertas.

Essas eleições à câmara deixaram claro que não há mais espaço para o PT seguir impondo hegemonismo a todo custo. A candidatura fake de Lula nas eleições, a anulação do PSB, a cooptação por chantagem do PCdoB, o isolamento do PDT e lançamento tumultuado da chapa Haddad/Manu gerou rusgas na esquerda e facilitou a vitória de Bolsonaro. Em vez de melhorar o clima, as eleições à câmara pioraram.

Resta agora saber até quando o PT ficará disputando poças d’água, quando se tem um oceano pra navegar e até quando o PSOL seguirá fazendo ao público o papel de virgem vestal, sem de fato garantir o que interessa: a resistência real ao bolsonarismo, ocupando espaços que não devem ser tomados por eles.

Por último, para vencer o bolsonarismo, “frente de esquerda” é inútil nesta correlação de forças, ainda mais se for liderada pelo PT, que mostrou nestas eleições ter a maior rejeição na sociedade. Bolsonaro só ganhou graças ao antipetismo. Portanto, é preciso uma “frente ampla” que aglutine além da esquerda, setores do centro, do campo popular, democrático e nacional. Primeiro o programa, depois os líderes.

Publicado originalmente no portal Carta Capital

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