24 de agosto de 2025

Depois do motim, Motta não cede à pressão da extrema-direita

Hugo Mota negou que houvesse um acordo para colocar a anistia na pauta do Plenário (Foto: Kayo Magalhães)

Depois de ser contestado pelo motim dos bolsonaristas — que em 5 de agosto sitiaram a Mesa Diretora por aproximadamente 30 horas —, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), buscou, na semana passada, reforçar sua autoridade no cargo. Deixou claro que não pretende ceder à pressão da oposição e pautar projetos como a anistia aos envolvidos na invasão às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023 e a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que acaba com o foro privilegiado.

Motta foi impedido até de sentar na cadeira de onde comanda os trabalhos da Casa — o deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS) recusava-se a ceder-lhe o lugar e teve de ser convencido pelos colegas — e, por pouco, não conseguiu chegar até ela — o deputado Zé Trovão (PL-SC) tentou interditar-lhe o acesso à Mesa Diretora. Assim que conseguiu se instalar, o presidente da Câmara deu seu recado: "Nossa presença nesta Mesa é para garantir duas coisas: a primeira é o respeito a esta Presidência, como quer que seja; e a segunda, é para que esta Casa possa se fortalecer. Vamos continuar apostando no diálogo. Só o diálogo é que mostrará a luz das grandes construções que o Brasil precisa. Nossa democracia não pode ser negociada" avisou.

Desde então, o diálogo entre Motta e os bolsonaristas se dificultou. Os apoiadores do ex-presidente garantiam que desocuparam a Mesa somente porque conseguiu do presidente da Casa a garantia de que as pautas que lhes interessavam seriam votadas. Mas, dois dias depois, o deputado negou que houvesse um acordo para colocar a anistia na pauta do Plenário.

Em discurso, o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), tentou amenizar os atritos e até desculpou-se com Motta: "Não fui correto no privado, mas faço questão de vir em público e te pedir perdão", declarou. Ao Correio, porém, o deputado dispara: "Não há climão nenhum". A tentativa de conciliação é vista nos bastidores como uma tentativa de reaproximação com o presidente da Câmara.

Enquanto ignora os apelos da oposição, Motta avança em outras frentes para reafirmar sua força. Na última terça-feira, pautou a votação do projeto que trata da adultização de crianças e adolescentes em ambientes virtuais. A proposta ganhou força depois a repercussão de um vídeo do youtuber Felipe Bressanin Pereira, o Felca, que denunciou a exploração de menores em plataformas digitais e levou à prisão o influenciador Hytalo Santos e o marido, Israel Nata Vicente — que também tiveram os bens bloqueados pela Justiça.

Além disso, Motta articulou a aprovação do regime de urgência para um projeto que prevê punições a deputados que obstruam os trabalhos da Câmara. O texto autoriza a suspensão de parlamentares por até seis meses em casos de bloqueio das atividades legislativas ou agressões físicas e verbais contra colegas e a Mesa Diretora. A medida foi interpretada como uma resposta direta ao motim bolsonarista.

"Não há desta presidência o interesse de hipertrofiar os seus poderes. O que há é o desejo de proteger o bom funcionamento da Câmara", avisou Motta.

Irritação

Parlamentares da oposição ouvidos pelo Correio avaliaram que a relação com Motta continua marcada pela desconfiança mútua e pelo mal-estar. Alguns, como o deputado Alberto Fraga (PL-DF), afirmaram sentir decepção com a mudança de postura do presidente da Câmara. "Ele tinha começado muito bem, um jovem promissor. Mas, hoje, parece mais alinhado com o governo do que com quem o apoiou para chegar ao cargo", lamentou.

Outros, como o deputado Fahur (PL-PR), amenizam o desencontro e afirmam que o diálogo está sendo retomado. "Ele já fez alguns acenos positivos para a oposição e tem conversado bastante com os líderes. Acho que o clima foi amenizado", avaliou.

O deputado Maurício Marcon (Podemos-RS) foi duro ao referir-se ao presidente da Câmara: "Motta prometeu coisas para a oposição e não cumpriu basicamente nada. Ele perdeu o respeito porque ele não cumpre o que prometeu. Automaticamente, a gente não deve mais nada a ele. Aqui em Brasília, quem não tem palavra não sobrevive", disparou.

Na avaliação de Rudá Ricci, doutor e mestre em ciências políticas e sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a tentativa de Motta de retomar protagonismo ainda não convenceu os principais atores políticos de Brasília. Para ele, o presidente da Câmara tenta equilibrar-se entre as pressões da oposição e do governo, mas demonstra fragilidade.

"Motta tenta mostrar força ao pautar o que lhe interessa, mas, no fundo, vive um leilão diário entre governo e oposição. Na minha avaliação, ele está tentando fazer um acordo mais sólido com o governo depois de ter se afastado [da oposição]. Qualquer político experiente vê nessa atitude fraqueza, e não força", afirmou, acrescentando que a liderança continua abalada.

Se os bolsonaristas se irritam, os governistas comemoram. Para a deputada Talíria Petrone (PSol-RJ), a escolha de pautas como a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil e o combate à exploração infantil nas redes sociais aponta para um alinhamento de Motta com demandas sociais mais amplas. "É o que o Brasil deseja, é o que o povo brasileiro precisa. Se a oposição não está conectada com isso, só lamento", disse ao Correio.

Já para a deputada Erika Hilton (PSol-SP), a postura de Motta em relação aos bolsonaristas demonstra que eles extrapolaram os limites do aceitável. "O presidente sentiu-se desrespeitado. Não sei quais são as conversas entre eles, mas me parece que estão em uma situação de pouco diálogo. Motta está apontando para aquilo que é realmente importante e tentando dar algum tipo de resposta ao deixar claro que quem pauta [as matérias] na Câmara é o presidente", frisou.

Publicado originalmente no Correio Braziliense

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