5 de setembro de 2025

A semente que brota da impunidade, por Érico Firmo

Militares anistiados em 1961 derrubaram o presidente João Goulart e assumiram o Governo em 1964 (Foto: Acervo O Globo)

É espantoso que, enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) julga acusados de tramar uma ruptura democrática, no Congresso Nacional não se tenha pudor de articular uma anistia. É uma afronta acintosa a outro poder e ao povo brasileiro já se pretender eximir da pena quem nem ainda foi condenado. E demonstra o quanto os interesses do País estão sequestrados para atender a um grupo — uma família — especificamente.

Desde o início da República, 136 anos atrás, somam-se mais de duas dezenas de golpes ou tentativas. A própria derrubada da monarquia foi uma ruptura com a Constituição em vigor — que, por sua vez, havia sido outorgada após o fechamento da Assembleia Constituinte… Um ato de força alimenta o seguinte.

O que a história ensina sobre não punir levantes antidemocráticos

Algumas tentativas infrutíferas foram particularmente relevantes. Juscelino Kubitschek enfrentava resistências desde antes de chegar ao poder. A conspiração para impedir a posse foi impedida pelo que se chamou de "golpe preventivo" do marechal Henrique Lott. JK assumiu em 31 de janeiro de 1956. Dez dias depois, em 10 de fevereiro, eclodiu a Revolta de Jacarecanga — não confundir com o tradicional bairro de Fortaleza. A referência é à base aérea no Pará, para onde seguiram os membros da Aeronáutica rebelados. Eles saíram do Rio de Janeiro e se instalaram na base no sul paraense. O movimento durou 19 dias e chegou a controlar cidades próximas à instalação militar. A repressão foi dificultada porque outros oficiais se recusaram a participar da repressão aos colegas. No fim, a maioria dos insurretos fugiu para outros países da América do Sul. O único preso foi o major Haroldo Veloso. No mesmo ano, Kubitschek enviou projeto de anistia ao Congresso, o que permitiu a libertação do oficial e o retorno dos demais. Era um gesto de pacificação. Vai vendo.

Em dezembro de 1959, outro movimento tentou derrubar o governo JK. A Revolta de Aragarças reuniu militares da Aeronáutica e do Exército. Sabe quem estava de novo na linha de frente? O bonito do Haroldo Veloso. A empreitada foi sufocada, mas os envolvidos escaparam para o Exterior.

Foram apreendidos papéis que citavam envolvimento do marechal cearense Castello Branco, mas o inquérito para investigar a participação foi arquivado rapidamente.

Kubitschek até queria punição, mas não havia acordos de extradição firmados com os países vizinhos. Eles regressaram ao Brasil no governo seguinte. Quando Jânio Quadros, sucessor de JK, renunciou, os ministros militares quiseram impedir a posse do vice, João Goulart. Houve um acordo para Jango assumir com poderes reduzidos, num parlamentarismo revisto posteriormente em plebiscito em 1963. No ano seguinte, o governo foi deposto. Castello virou presidente. Veloso apoiou.

Os 21 anos de ditadura que o Brasil viveu foram produto de várias coisas e uma das mais importantes foi não ter sido punido quem vinha tentando havia algum tempo aquilo que aconteceu entre 31 de março e 1º de abril de 1964.

Os planos

Sabe qual era o plano dos revoltosos de Aragarças? Bombardear os palácios do Catete e das Laranjeiras — na época sede do governo e residência oficial do presidente, respectivamente. A ideia era forçar uma situação para que fosse decretado estado de sítio. Os militares receberiam prerrogativas extraordinárias e, esperavam os golpistas, seria aberta brecha para a derrubada do governo.

Vale lembrar disso quando Jair Bolsonaro (PL) e a defesa dele argumentarem que apenas se discutiam “hipóteses constitucionais” como estado de defesa e estado de sítio, e que não há nada demais nisso.

Publicado originalmente no portal O Povo +

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