8 de agosto de 2022

Autores da carta em defesa da Democracia contam participação em ato de 1977

O jurista Goffredo Telles Jr. lê a Carta aos Brasileiros pela volta da democracia, no pátio das Arcadas da Faculdade de Direito da USP, em agosto de 1977 (Foto: Hélio Campos Mello)

Iniciativa de seis juristas, a Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito!, em pouco mais de uma semana soma quase 800 mil assinaturas. O documento, que será lançado oficialmente na próxima quinta-feira, é inspirado em um manifesto semelhante lido nas Arcadas da Faculdade do Largo São Francisco pelo professor Goffredo Telles Jr., em 1977, em ato que ficou na história como um marco na organização da sociedade civil contra a ditadura militar, e que está completando 45 anos.

O Correio conversou com os seis juristas que atualizaram o documento de 1977, dentre eles, cinco ex-alunos da Faculdade de Direito da USP. Quatro estavam presentes ao ato histórico e ainda guardam lembranças muito vívidas daquele momento.

Os juristas responsáveis pela edição atual são Dimas Ramalho, 68 anos, presidente do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP); Luiz Marrey,67, procurador da Justiça de SP; Roberto Mônaco, 63, advogado trabalhista; Roque Citadini 71, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) — testemunhas da leitura da carta de 1977 —, além do juiz federal Ricardo Nascimento, 60, que ingressou na USP em 1979. O mais jovem do grupo, único não oriundo do Largo do São Francisco, é o procurador-geral de Contas do Estado de São Paulo, Thiago Lima, 37. 

Ramalho, Marrey, Mônaco e Citadini, jovens estudantes na época, têm na memória o sentimento que marcou a leitura da carta contra a ditadura. "Foi a emoção do orgulho de não ter sido omisso, de ter lutado pela democracia e continuar lutando por ela hoje", disse Marrey.

"Me lembro como se fosse hoje, me lembro de cada um dos instantes, foi absolutamente eletrizante, foi aquela sensação de desengasgar algo que estava preso na garganta", relembra Mônaco.

Todos tinham a percepção de que viviam um momento histórico. "Vários acontecimentos foram moldando a nossa postura. Mesmo sendo um jovem de 19 anos, eu tinha certeza de que eram históricos", rememora Ramalho.

Seja por cautela dos professores, seja para não retirar o peso do documento assinado por alguns juristas e pelos professores da faculdade que não estavam alinhados ao regime, os alunos não puderam assinar o documento que, diferentemente de hoje, não foi aberto a subscrições.

Mesmo não sendo possível assinar, Ramalho conta que todos se mobilizaram para acompanhar leitura do professor Goffredo Telles: "Nós ajudamos a encher de gente para ver lá, saímos de sala em sala para avisar que teria uma leitura". Era um documento dos juristas, mas apoiado por todos os setores da sociedade que clamavam por democracia.

O impacto da carta de 1977 só foi percebido depois da sua leitura, mas todos tinham receio da reação da ditadura, em função da vigilância constante do Doi-Codi (um dos órgãos de repressão do regime). Luiz Marrey lembra que, há poucos anos, teve acesso a sua ficha em outro órgão de repressão, o Dops, e que lá encontrou diversas anotações quanto aos lugares que frequentava, inclusive informações levantadas após a queda do regime, em 1985, com a posse do presidente José Sarney. "Na minha ficha do Dops, constava que eu tinha virado procurador-geral do Ministério Público, mas isso foi acontecer só 1996, ou seja, botaram no piloto automático".

Para marcar os 45 anos da leitura da carta de 1977, os antigos estudantes chegaram em pensar em fazer uma placa em homenagem ao professor Goffredo, mas, segundo eles, as ameaças de desrespeito ao sistema eleitoral brasileiro fizeram com que, após um encontro no Café Girondino, no centro de São Paulo, Mônaco e Nascimento resolvessem procurar outros colegas para escrever um texto-manifesto pela manutenção do Estado Democrático de Direito inspirado no ato de 1977. Se, na época, a carta aos brasileiros pedia a volta da democracia, o texto deste ano precisava defender a sua manutenção.

Depois de alguns encontros, o grupo foi se consolidando com a chegada de mais apoiadores, colegas dos tempos de faculdade. A ele, agregou-se um jovem piauiense, o procurador Thiago Lima.

As versões foram discutidas e a final, fechada em um jantar na casa de Citadini. O arroz com frango caipira foi o cardápio preparado pelo próprio anfitrião, um cozinheiro hábil.

Mas a carta precisava de um apoio institucional, e o professor Celso Campilongo, diretor da Faculdade de Direito do Largo do São Francisco foi procurado, como conta o juiz Ricardo Nascimento: "A gente foi conversar com o diretor da faculdade de direito que, depois, também contribuiu para o texto final, mas, naquele momento, ele nos falou que a faculdade já estava preparando um manifesto de entidades com a Fiesp e outras".

"A gente não podia ficar parado, o que eu vou ficar fazendo até as eleições, vou ficar esperando o golpe que pode vir e ficar quieto? Isso foi até terapêutico para mim", confidenciou Campilongo.

Nascimento acrescenta que a esposa dele, Satie, foi a primeira pessoa que ele lembra ter cobrado a inclusão das brasileiras. Resistente, como confessa, acabou capitulando depois que Marrey reforçou a necessidade de a carta se adequar aos novos tempos em que a inclusão social faz parte da agenda social do país. Mas ressalva que sua resistência se deveu mais à vontade de homenagear o título original da carta de 1977 do que por discordar da opinião de Satie.

A pretensão era conseguir de 200 a 300 assinaturas para, depois, lançar a carta na internet para obter mais subscrições. Mas a repercussão surpreendeu. "O texto original dizia: 'nós, da comunidade jurídica", mas o Citadini mostrou para o (jornalista) Juca Kfouri, que disse: "abre aí que eu quero assinar também, e eu trago jogador de futebol para assinar. Daí, o Raí e o Casagrande assinaram, eu acho que foram os dois primeiros nomes fora da comunidade jurídica que assinaram a carta".

Quando foi aberta na internet, já contava com 3 mil assinaturas. Nas primeiras 24 horas, recebeu mais 100 mil adesões."Nunca imaginamos isso, a ideia nossa era fazer um ato como em 77, demonstrar um sinal de que havia um grupo de pessoas atentas, em especial, da comunidade jurídica, nada do tamanho que se tornou", disse Thiago Lima.

Todos reforçam o caráter apartidário da iniciativa e citam que muito adversários políticos se irmanaram na iniciativa. "O autor do impeachment da Dilma assinou, Miguel Reale Jr; o defensor do impeachment, José Eduardo Cardozo, assinou; a ex-presidente Dilma assinou; o ex-presidente Fernando Henrique assinou", complementou Thiago Lima. 

Após a divulgação pública e a adesão expressiva de nomes da sociedade civil, alguns dos subscritores entraram em contato com o grupo para pedir que seus nomes fossem retirados. Alguns, cujos nomes foram preservados, por pressão do governo federal. "O governo terminou de forma equivocada se sentindo ameaçado pelo manifesto. De forma equivocada porque eu quero acreditar que os nossos governantes também defendem a democracia. O manifesto não é para atacar ninguém, é para defender que o resultado da eleição seja respeitado", avliou Thiago Lima.

Citadini corrobora: "Muita gente tem temor do governo, mas nós somos de uma geração que não tem medo. Quem não teve medo do Doi-Codi vai ter medo desse pessoal que fala pela internet? Nossa geração tem o couro grosso, isso ajuda".

Com informações portal Correio Braziliense

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