21 de agosto de 2022

Vaticano autoriza início do processo de beatificação do Padre Cícero

Padre Cícero, reverenciado por muitos como "Padim Ciço",
já é considerado um santo pelo povo nordestino (Foto: Arquivo/DC)

Exatos 130 anos após ser impedido de exercer suas atividades sacerdotais, o padre Cícero Romão Batista, considerado um símbolo da crença popular e do próprio Nordeste, recebeu o aval do Vaticano para o início do seu processo de beatificação. Quem anunciou o fato foi o bispo da Diocese do Crato, dom Magnus Henrique Lopes, durante missa na manhã de ontem (20/08) no Largo Capela do Socorro, em Juazeiro do Norte.

O homem que descobriu a vocação religiosa aos 12 anos de idade e morreu aos 90 anos, em 1934, antes de ter reconhecida a sua reconciliação com a Igreja, passa agora a receber o título de “servo de Deus". Este é considerado o primeiro passo concreto até à canonização oficial.

O anúncio foi dado por dom Magnus Henrique Lopes durante missa no
Largo Capela do Socorro, em Juazeiro do Norte (Foto: Reprodução/Youtube)

"Queridos filhos e filhas da Diocese do Crato, romeiros de todo Brasil, é com grande alegria que eu vos comunico nesta manhã histórica que recebemos oficialmente da Santa Sé, por determinação do santo padre, o papa Francisco, uma carta do dicastério para a causa dos santos, datada do dia 24 de junho de 2022. Recebemos a autorização para a abertura do processo de beatificação do padre Cícero Romão Batista que, a partir de agora, receberá o título de servo de Deus", disse Dom Magnus Henrique Lopes durante a celebração.

A notícia foi acompanhada pelos aplausos de uma multidão emocionada que lotava a praça do lado de fora da Igreja. Padre Cícero, reverenciado por muitos como Padim Ciço, já é considerado um santo pelo povo, a quem é atribuído até os dias de hoje diversos milagres e graças.

O primeiro deles teria ocorrido em 1º de março de 1889, durante uma missa, quando ele entregou à religiosa Maria de Araújo uma hóstia que, segundo a crença popular, se transformou em sangue na boca dela.

O episódio que ficou conhecido como o “Milagre da Hóstia”, e que teria se repetido em outras ocasiões nos anos seguintes, foi considerado inicialmente uma farsa pela Igreja, o que acabou levando ao afastamento dele de suas atividades sacerdotais, sob acusação de desobediência às regras eclesiais.

O padre Wesley Barros, sacerdote da Diocese do Crato e responsável pelo processo de beatificação de Menina Benigna, lembra que somente em 2001 é que foi formada uma comissão para preparar a revisão histórica sobre Padre Cícero.

Cinco anos depois, em 30 de maio de 2006, a documentação foi entregue à Santa Sé, junto a uma petição de cerca de 254 bispos brasileiros pedindo um “gesto concreto de reconhecimento ao papel de Padre Cícero” na expansão da fé cristã.

Demorou oito anos, em 27 de outubro de 2014, para que fossem concluídos os estudos da revisão e indicar a necessidade de uma reconciliação histórica, para poder averiguar a possibilidade de uma beatificação. Assim foi feito e, em 2015, uma mensagem foi enviada à Diocese e aos romeiros, autorizando a abertura do pedido para a beatificação.

Para o professor de filosofia da Universidade Regional do Cariri (Urca) e do Instituto Federal do Ceará (IFCE), José Carlos dos Santos, a decisão é um ato de justiça e verdade em relação ao Padre Cícero.

“Nós estamos praticando a justiça na história. Padre Cícero no seu tempo foi injustiçado, perseguido, os romeiros também foram e hoje estão tendo um ato de justiça e de verdade em relação ao Padre Cícero, seus afilhados e seus devotos”, afirmou José Carlos em entrevista à rádio O POVO CBN.

Na definição do professor, o agora "servo de Deus" Padre Cícero foi "perseguido e injustiçado pela Igreja", mas sempre se manteve fiel a ela. "Esse reconhecimento chega em um momento muito importante da nossa história", afirma.

Os próximos passos para beatificação

O reconhecimento do título de servo de Deus é considerado o primeiro passo para a beatificação oficial de Padre Cícero. Mas há ainda um longo processo investigativo a ser cumprido pela Igreja Católica, que passa pela análise da sua biografia e a comprovação de seus feitos.

Primeiro, a Diocese do Crato será nomeada como autora do pedido de beatificação. Será aberto um inquérito para a "comprovação das virtudes heroicas" com base em documentos que provem as virtudes da fé, da esperança e da caridade.

O bispo, então, irá nomear um ou mais postuladores — a depender da complexidade da causa — que serão os responsáveis por coordenar a garimpagem de documentos que comprovem a santidade de Padre Cícero.

Levantada a documentação, será constituído um grupo dos oficiais do inquérito, aqueles que receberão os documentos e os julgarão "de modo técnico e imparcial".

Participam do grupo um delegado episcopais e um promotor de justiça (quem zela pelo cumprimento das regras impostas pela Santa Sé). Também serão nomeados notários, que tomarão nota em atas de tudo que for dito e concluído.

O papa e os cardeais irão avaliar e reconhecer, em decreto oficial, o trabalho do primeiro inquérito. Depois disso, vem a segunda etapa: a que um milagre é necessário após a abertura do processo de beatificação dele.

Um novo inquérito será aberto, desta vez exigindo o levantamento de provas documentais dos milagres de Padre Cícero. Todas essas documentações são submetidas a teólogos, que darão o parecer técnico sobre a validade delas.

Passados todos os protocolos de análise já descritos, e com a presumível aprovação, a data para beatificação do servo de Deus Padre Cícero poderá ser marcada. 

Linha do tempo sobre a história de Padre Cícero

1844 - Em 24 de março de 1844, nasceu Cícero Romão Batista, na cidade do Crato, no interior do Ceará;

1856 - Aos 12 anos, influenciado pela leitura da vida de São Francisco de Sales, fez voto de castidade;

1865 - Ele deixa Cajazeiras, localizada na então Paraíba do Norte, para ingressar no Seminário da Prainha, em Fortaleza, instituição de ensino criada para a formação dos novos padres que havia sido inaugurada no ano anterior;

1870 - Aos 26 anos, padre Cícero é ordenado padre e retorna ao Crato;

1887 - Na noite de Natal, padre Cícero celebra a tradicional Missa do Galo, em Tabuleiro Grande, povoado que se tornaria a cidade de Juazeiro do Norte, foi o primeiro contato dele com os moradores locais;

1889 - Em 1º de março de 1889, durante uma missa, ele entrega à religiosa Maria de Araújo uma hóstia que, segundo a crença popular, se transformou em sangue na boca da beata. O episódio ficou conhecido como o “Milagre da Hóstia”;

1891 - Outros episódios semelhantes são relatados na região e a notícia dos milagres feitos por padre Cícero começa a se espalhar em Juazeiro do Norte, fazendo o local virar atração de romeiros. Neste mesmo ano, a Arquidiocese de Fortaleza envia uma comissão de médicos ao local para atestar a veracidade do milagre atribuído ao padre. A conclusão foi a de que não havia explicação natural para o fenômeno. Porém, uma segunda comissão enviada ao local concluiu que houve fraude e foi essa a versão acatada pelo clero cearense;

1892 - Sob acusações de desobediência às regras eclesiais e em meio a uma crescente popularidade na região - a Igreja Católica pune o sacerdote, proibindo-o de celebrar missas, fazer pregações e confessar os fiéis. Também foram vetadas as peregrinações a Juazeiro;

1934 - Em 20 de julho Padre Cícero morreu, sem a reconciliação com a Igreja;

1969 - Em 1 de novembro é inaugurada pelo então prefeito José Mauro Castelo Branco Sampaio a estátua do Padre Cícero no Horto que em pouco tempo se tornou um dos pontos mais visitados do Nordeste;

2001 - Foi formada uma comissão para preparar a revisão histórica sobre Padre Cícero;

2006 - Em 30 de maio, é entregue a documentação à Santa Sé, com uma petição assinada por cerca de 254 bispos brasileiros pedindo um “gesto concreto de reconhecimento ao papel de Padre Cícero” na expansão da fé cristã;

2014 - Em 27 de outubro de 2014, a Santa Sé comunica a conclusão dos estudos da revisão e indica a necessidade de uma reconciliação histórica, para poder averiguar a possibilidade de uma beatificação;

2015 - O Vaticano reconhece oficialmente a reconciliação do padre Cícero com a igreja católica. A decisão abre caminho para a abertura do processo de beatificação;

2020 - Em 27 de agosto, a Assembleia Legislativa do Ceará aprova projeto de Lei que torna o monumento da Estátua do Padre Cícero no Horto, em Juazeiro do Norte, como patrimônio histórico e cultural do Ceará;

2022 - Em março, a 41ª Câmara Setorial Cultural do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) inicia que vai registrar os lugares considerados sagrados da terra do Padre Cícero. Esse é um dos passos para o reconhecimento das romarias de Juazeiro do Norte como Patrimônio Cultural do Brasil;

2022 -  Em 24 de junho o papa Francisco dá aval para o início do processo de beatificação de padre Cícero. A partir de então, ele recebe o título de "servo de Deus";

Com informações portal O Povo Online

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