14 de agosto de 2022

O Brasil depois da carta por Henrique Araújo

Pátio da Faculdade de Direito da USP no ato de leitura
da Carta pela Democracia (Foto: Rovena Rosa)

É inegável o esforço de mobilização em torno da carta pela democracia, mas convém perguntar se, depois de lido, o documento se presta a algum papel além de precioso registro histórico de um momento no qual as instituições estão sob ataque de quem está sentado na cadeira de presidente. Afinal, o que devem fazer, a partir de agora, os signatários da carta, que se reuniram em massa para um ato de catarse que, ao menos para alguns, serviu também como expiação de culpa por terem apoiado o alvo direto da missiva nas eleições de 2018? Sobre isso, há alguns pontos a debater.

Primeiro, a carta demonstrou poder de catalisar forças políticas cujas posições, diversas e distribuídas de todas as maneiras no espectro ideológico, jamais se encontrariam sob o mesmo guarda-chuva, não fosse a iniciativa que resultou no texto. Preparado sob as bênçãos dos medalhões do Direito da USP e vizinhança, ele foi o veículo em torno do qual essas vozes dessemelhantes se expressaram. Ponto positivo.

Houve quem comparasse o episódio ao movimento pelas "diretas já". Outros, mais entusiasmados, viram nele uma refundação da República. Dois dias depois do evento, contudo, a impressão é de que aquela conjunção particular de energias não deve se congregar tão facilmente num fluxo, ou seja, não irá produzir uma manifestação sustentada que tenha capacidade de se manter engajada permanentemente. Talvez essa nem fosse a intenção, e desde o início a carta tenha se apresentado como um ponto de inflexão a partir do qual restasse evidente para Jair Bolsonaro (PL) que a elite econômica e intelectual não está a seu lado caso ele se atreva a golpear as eleições. Nesse sentido, a carta cumpriu sua função de advertência, de aviso, mas só parcialmente, já que não dissuadiu de todo o mandatário - nem teria sido possível, a bem da verdade.

Nas horas que se seguiram à leitura, o chefe do Executivo classificou como "papel higiênico" um manifesto ao qual aderiu um milhão de pessoas. É claro que se pode dizer sempre, em tom jocoso e "lacrativo", que Bolsonaro "sentiu", mas o fato é que o apoio ao presidente não parece ter sido abalado significativamente. Vai ser preciso bem mais que uma carta para enfrentar a ameaça do arbítrio.

Publicado originalmente no  portal O Povo Online 

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Em defesa do estado democrático de direito

 

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