12 de agosto de 2019

Quem disse que é a esquerda que ameaça Bolsonaro? por Carlos Mazza


Em semanas marcadas por sinais públicos de afastamento com Jair Bolsonaro (PSL), o governador de São Paulo, João Doria, voltou na última sexta-feira a disparar indiretas contra o presidente. "Nossa preocupação é fazer um governo múltiplo, não isolado ou autoritário", disse na China, ao ser questionado sobre um possível projeto presidencial para 2022.

Um dia antes, o governador já havia repreendido Bolsonaro por falas envolvendo tortura e desaparecidos políticos da ditadura. "A história não se apaga com decretos e declarações", disparou. O próprio palco das falas, na China, já é outra demarcação curiosa - até agora, Bolsonaro tem se afastado da potência oriental em prol de um alinhamento maior com os EUA.

Dito isso, engana-se quem pensa que é a esquerda, alvo permanente da guerra cultural tocada pelo Planalto, que é hoje a ameaça real ao projeto do bolsonarismo a longo prazo. Cada vez mais queridinho do mercado e da classe média, o "direitoso" Doria é hoje o político brasileiro que mais se movimenta com intenções claras de puxar o tapete do clã presidencial nas urnas.

Afinal de contas, quem da esquerda tem, a preço de hoje, holofotes e dimensão política para bater frente a frente com o presidente no debate público? Líder máximo da tendência no Brasil, Lula (PT) segue preso e sem sinais de deixar o cárcere, Ciro Gomes (PDT) não parece ter musculatura para bater uma campanha na escala nacional, e Fernando Haddad (PT), apesar de saído forte das urnas, parece não possuir nem tempo nem interesse de manter o tensionamento com o bolsonarismo, fazendo apenas intervenções pontuais via redes sociais.

A dança segue

Doria, por outro lado, demonstra a cada dia interesse maior em entrar nesse "filão". "Bolsonaro é um patriota, mas o PSDB não tem e não terá alinhamento com o Bolsonaro. Nem alinhamento nem coalizão", deixou claro o governador na última semana, nos mesmos dias em que subiu o tom pela transferência de Lula para uma prisão de São Paulo.

Algum bolsonarista mais radical pode dizer, ao ouvir o argumento, algo na linha de "e Doria lá é de direita?". O negócio é que é exatamente nisso que o tucano mira. A estratégia é, ao mesmo tempo em que se afasta das polêmicas mais desnecessárias do presidente, mantém a dureza contra petistas - discurso que agrada boa parte do eleitorado do PSL.

De sobra, Doria evita a associação com a ala mais extremista de apoiadores do presidente, o que pode trazer para o seu barco apoios de segmentos mais progressistas que, para tirar Bolsonaro do Planalto, topariam qualquer alternativa. Algo muito próximo do que ocorreu na França em 2017, quando boa parte da esquerda votou no liberal Emmanuel Macron apenas para evitar a alçada da extremista Marine Le Pen ao comando do País.

Dar tempo ao tempo

Ainda é, contudo muito cedo para garantir que a disputa de 2022 será travada entre Bolsonaro(ou algum fiel seguidor de sua cartilha) e João Doria. Com tanta coisa em jogo e tantas reviravoltas nos últimos anos, é impossível prever com exatidão como estará o cenário político do País até as próximas eleições municipais, em 2020. Imagine então 2022.

Ainda assim, já fica cada vez mais claro que a escalada bolsonarista contra a esquerda e os esquerdistas pode em breve ser ampliada para outros pontos do espectro político. A direita de Doria já fez seus movimentos.

Publicado originalmente no portal O Povo Online

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