20 de março de 2019

Brasil cede muito por uma merreca

Visita oferece muitas lições a Bolsonaro (Foto: JIM WATSON/AFP)
A diplomacia tem sido talvez a área mais controversa do governo Jair Bolsonaro (PSL), e olha que a disputa é acirradíssima. Causou muita, mas muita polêmica mesmo a decisão do Brasil de liberar visto de entrada no País para visitantes de Estados Unidos, Japão, Austrália e Canadá. A posição não exige reciprocidade. Porém, muito mais complicada foi outra decisão que, essa sim, exigiu reciprocidade. O Brasil recebeu um aceno e abrirá mão de algo que é importante para os exportadores. Cria problema econômico em nome de uma certeza que, se concretizada, não terá a mesma relevância.

O Brasil pediu apoio para ingressar na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Donald Trump ofereceu, mas, em troca pediu que o Brasil abrisse mão do status de país emergente na Organização Mundial do Comércio (OMC). Essa condição garante uma série de privilégios aos países nas negociações internacionais. Sabe quem tem status de emergente? China. Quem mais? Coreia do Sul. Outro? Índia. Desde Barack Obama, a Casa Branca quer rever essa condição. Agora, o Brasil abrirá mão dela, de forma gradual, em troca de quase nada. O Brasil deixará a condição de emergente. A China não. Faz sentido para você?

O que o Brasil terá em troca? Não, não é a vaga na OCDE. Os Estados Unidos não decidem isso sozinho. A Casa Branca não vetará, dará apoio. Mas, isso não garante nada. Se fosse a vaga certa, a troca já não seria vantajosa. Mas, nem isso é.

Por mais pragmatismo

De volta à isenção do visto, algo mais palpável para a maioria da população. Sobre essa posição, acho que ela faz sentido. Verdade que rompe uma tradição da diplomacia no Brasil, e não apenas. É uma tradição diplomática no mundo.

A política do ministro Ernesto Araújo já sinaliza o abandono de outros princípios que norteiam a diplomacia brasileira desde o barão do Rio Branco. Outros mais devem ser rasgados.

Porém, não acho despropositada a isenção do visto. A reciprocidade é um princípio de altivez. Algo imprescindível. Porém, se começa a jogar contra, torna-se burrice. O setor do turismo acredita que pode se favorecer da vinda dos turistas. A eventual isenção de vistos desses países não tem servido de pressão para que eles também liberem vistos e cria empecilho para a atração de turistas ao Brasil. O País ocupa posição ridícula, frente ao potencial, no ranking mundial do turismo. Então, observando pragmaticamente, do ponto de vista dos resultados, acho que faz sentido a isenção de visto. Embora, do ponto de vista do brio, possa soar humilhação.

O problema é que esse pragmatismo não tem sido a regra na diplomacia brasileira. De jeito nenhum. Pelo contrário, há ideologização de muitas posições. A questão OMC/OCDE é um exemplo. Outro é a anunciada transferência da embaixada brasileira em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém. Na contramão de toda a comunidade internacional, fora a Casa Branca. A que interesses atende, fora o lobby da bancada evangélica? Em que isso contempla economicamente os interesses brasileiros? Pelo contrário, desagrada mercado consumidor árabe, algumas vezes maior que o israelense. Em que isso interessa aos problemas da população brasileira?

Entendo que o Brasil deve agir de forma pragmática e de olho nos seus interesses. Porém, o gesto soou mesmo como isso e mais como sinal de gentileza, se não subserviência, à Casa Branca.

A diplomacia brasileira tem agido com instintos, com o fígado e sinais de amadorismo. Lida com a diplomacia mais profissional do mundo. Tenho dúvidas se os sinais serão retribuídos. Se não serão percebidos como deslumbre.

Trump até disse que pensa em facilitar vistos para brasileiros. Não disse liberar, mas facilitar. Algo improvável diante de sua política. Porém, observe o que ele disse: "Também estamos pensando em facilitar os vistos, mas o comércio que temos com o Brasil não é tão bom como deveria ser. Temos de trabalhar para que seja o melhor possível".

Ou seja o Brasil entregou de bandeja algo com o que o Estados Unidos diz pensar oferecer menos, mas em troca de algo. E, convenhamos, algo que nem sei se os Estados Unidos valorizam tanto.

Bolsonaro está deslumbrado com os Estados Unidos. Poderia tirar algumas lições. O profissionalismo da diplomacia, por exemplo.

Publicado originalmente no portal O Povo Online

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