17 de março de 2019

A reação do cansaço por Janio de Freitas


As quatro derrotas dos integrantes da Lava Jato, na última semana, oferecem uma percepção retardatária e bem-vinda. A força e a sequência das derrotas, apesar das pressões disseminadas pelo grupo, indicam o esgotamento da tibieza com que autoridades maiores se curvaram a tantos desmandos, à margem da ação legal contra a corrupção, daqueles juízes e procuradores associados. 

Alguns começam a ver as entranhas sob o papel corretivo da Lava Jato.


Se faltassem exemplos, o fundo financeiro idealizado por Deltan Dallagnol e seus coordenados exibiria, por si só, todo o descaso do grupo, e de cada componente, por seus limites funcionais e legais. Deslocar R$ 2,5 bilhões de multa aplicada à Petrobras, tornando-os um fundo sob influência do grupo da Lava Jato, constituiu uma pretensão tão audaciosa, que exigiu práticas bem conhecidas dos procuradores e juízes moralizadores.

Primeiro forçar o acordo de desvio da multa devida à União ao Estado. Depois, firmar esse acordo, sem poder para tanto. Depois, incluir no projeto a ser examinado pela Justiça a afirmação falsa de que, nos termos negociados pela Petrobras para sua dívida nos Estados Unidos, ou os bilhões iriam para o tal fundo ou iriam para os americanos. É o grupo da Lava Jato aplicando os métodos de muitos dos seus presos e condenados por utilizá-los.

O Supremo Tribunal Federal destruiu o plano, dando motivo a uma decisão do ministro Alexandre de Moraes arrasadora, nos sentidos jurídico e moral. Já era a segunda derrota do grupo, porque sua chefe, a procuradora-geral Raquel Dodge, preferira abrir um conflito com a Lava Jato a admitir o negócio de fundo em nome do Ministério Público. Seu parecer pediu ao Supremo a rejeição do fundo e a anulação do acordo respectivo, por inconstitucionais no teor e inaceitáveis na forma de obtê-los.

O Supremo decidiu, ainda, que o caixa dois das campanhas eleitorais (o dinheiro não declarado) e os crimes conexos (por exemplo, lavagem do dinheiro, retribuição por meio do Estado) são inseparáveis para o processo e o julgamento, que cabem à Justiça Eleitoral, como diz o seu Código.

A pressão da Lava Jato pela decisão oposta foi tão forte que indignou ministros do Supremo, como o decano Celso de Mello. Consumada essa terceira derrota, Deltan Dallagnol considerou que a decisão da maioria dos ministros “começa a fechar a janela do combate à corrupção”.

Acusações assim, e ainda mais fortes, têm sido usuais em integrantes da Lava Jato contra o Supremo.

Gilmar Mendes é um alvo particular, mas os demais ministros não escaparam de represálias verbais por eventual desacordo com a Lava Jato. Dias Toffoli é o primeiro presidente do tribunal a adotar uma atitude contra essa prática, em que diz haver “ofensas criminosas”. Abriu, a respeito, um inquérito que, se levado a sério, tratará sobretudo da respeitabilidade do Supremo tão questionada, no país todo.

O esgotamento da complacência com os abusos de poder da Lava Jato se dá —é interessante isso— quando as condições lhes foram mais favoráveis. Até para avançarem ainda mais em poderes alheios.

O governo de Jair Bolsonaro e a Lava Jato têm muitas afinidades, inclusive da atribuição de fins também religiosos ao poder público. Mas é possível que o desgoverno Bolsonaro, com o pasmo e a preocupação que causa, tenha dado contribuição involuntária, e ainda assim significativa, para o cansaço reativo onde reagir é menos conturbador.

Como complemento, também Sergio Moro —o ministro da carta branca que não pode indicar nem suplente de conselho— começa a passar por uma revisão de conceito entre seus admiradores.

Em quase três meses, ainda não disse por que ser ministro. E o que disse, seria melhor ter calado. Sob sua inutilidade, o crime avança para mais brutalidade.

Publicado originalmente no portal A Folha de São Paulo

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