21 de maio de 2021

As mentiras de Pazuello na CPI da Covid

Na missão de blindar o presidente, Pazuello sustentou que tinha autonomia à frente da pasta (Foto: Jefferson Rudy)

Nos dois dias de depoimento à CPI da Covid, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello se mostrou à vontade para fazer as alegações que quisesse. Ele proferiu inverdades em série, se contradisse por diversas vezes e demonstrou empenho na blindagem ao presidente Jair Bolsonaro. A oitiva do general foi comemorada pela base governista e pelo Palácio do Planalto, que o treinou para encarar a comissão.

Cautelosos por causa do habeas corpus que Pazuello conseguiu no Supremo Tribunal Federal (STF), senadores não foram tão combativos como em relação a outros depoentes. Nem mesmo a oposição conseguiu extrair posições mais precisas do general. A liderança dos trabalhos, no entanto, avalia que as declarações controversas, por si só, já servem de subsídio para a investigação.

Ontem, no segundo dia de depoimento, Pazuello manteve a estratégia de proteger Bolsonaro, chegando, por vezes, a chamar a responsabilidade para si. Um exemplo foram as declarações sobre a nota técnica que expandiu a indicação do uso de cloroquina para pacientes com sintomas leves da covid-19. “Eu não tive pressão do presidente Bolsonaro para tomar esta ou aquela decisão no Ministério da Saúde”, enfatizou.

Na missão de blindar o chefe do Planalto, Pazuello sustentou que tinha autonomia à frente da pasta, sempre ressaltando que as ações são tripartite e, portanto, divididas com estados e municípios. “Quanto às decisões de enfrentamento da pandemia, eu quero colocar aqui: a pandemia tem decisões em muitos vetores (...). Quando eu falo de decisões de ministro, falo em decisões combinadas, tripartite, com o Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) e o Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde). Então, eu não tomava decisões sozinho lá no Ministério da Saúde.”

A leitura da base do governo foi de que o depoimento não poderia ter sido mais positivo ao governo federal. Para o senador Marcos Rogério (DEM-RO), a presença de Pazuello promoveu clareza “desde o primeiro momento, afastando a narrativa da oposição que apostava que ele viria ao Senado e permaneceria em silêncio”. “Ele falou, respondeu a todos os questionamentos”, disse.

Na opinião de Rogério, a CPI “começa a ganhar um novo rumo”, apesar de haver “um ponto ou outro mais polêmicos, com informações que precisam ser checadas”. No Planalto, a avaliação é de que a imagem presidencial foi preservada e que a oitiva conseguiu destacar a corresponsabilidade de estados e municípios. Essa foi a intenção dos governistas, entre eles, Rogério que, durante a sessão, usou o tempo de fala para expor vídeos em que governadores defendem o uso da hidroxicloroquina contra a covid-19. Os trechos foram gravados no início da pandemia, quando havia pouca informação sobre a eficácia do remédio no tratamento da doença.

O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), da ala da oposição, admitiu que a estratégia de Pazuello, no primeiro dia da sabatina, resultou em “sucesso até certo ponto”, mas que, ontem, eles obtiveram declarações importantes da testemunha. “Ficou impossível. Ele teve de declinar, em determinado momento, que a decisão de não intervir na Saúde do Amazonas foi do presidente da República, por exemplo” .

Apesar de ter citado, na sessão, que o HC de Pazuello não permitia aos parlamentares ameaçar prendê-lo, após o término da oitiva, Rodrigues afirmou que o relatório final pode indicar “pelo menos estes três crimes: homicídio culposo, homicídio doloso e crime contra a ordem sanitária”.

O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), avaliou que a intenção de Pazuello de proteger Bolsonaro não tem chance de ser bem-sucedida. “Ele não consegue (blindar), porque tem muita coisa pública, como aquela fala em que diz que quem manda é o presidente, após o mesmo ter falado que não compraria a vacina (CoronaVac)”, disse ao Correio. Ele definiu o depoimento como “o negacionismo do negacionismo”. “Uma coisa absolutamente nova. Como se fosse possível negar coisas que estão documentadas, testemunhadas, confessadas, postadas”, acrescentou.

Otto Alencar (PSD-BA) tem entendimento semelhante: “Ele expôs completamente os erros do governo, que ainda estavam camuflados embaixo do tapete. Não exime o presidente. Foi um péssimo advogado de defesa. O presidente foi contra a vacina, estimulou aglomeração, tudo ele fez”.

Para Simone Tebet (MDB-MS), representante da bancada feminina, a estratégia fez com que Pazuello assumisse a culpa de eventuais falhas na condução da pandemia. Segundo ela, o depoente “negou a existência de um gabinete paralelo orientando o presidente da República” e, ao fazer isso, “acaba assumindo toda a responsabilidade pela ação equivocada ou pela omissão, pela má gestão, pela falta de planejamento, de kit intubação, de seringas, de vacina, de campanha publicitária”.

O presidente Jair Bolsonaro afirmou, na transmissão semanal ao vivo nas redes sociais, que a CPI da Covid continua um “vexame”. “Recebi informações de que Pazuello (ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello) foi muito bem, mas a CPI continua um vexame”, afirmou. Para o chefe do Planalto, o Brasil é o país da hipocrisia, a começar pelo colegiado. 

Confira a sequência de falsas alegações do ex-ministro: 

Oxigênio: Mudou a versão sobre a crise do oxigênio. Na quarta-feira, disse que soube do problema no dia 10 de janeiro. Ontem, disse que soube em 7 de janeiro. Afirmou que no dia 10 soube de problemas logísticos do insumo. Também na quarta-feira, contradisse, inclusive, um documento da Advocacia-Geral da União (AGU), enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), que dizia que o ministério soube da crise no dia 8. Chegou a sustentar que isso foi gerado por uma confusão na leitura do e-mail que a White Martins mandou.

TrateCov: Afirmou que não foi usado por médico algum e que o aplicativo foi hackeado e divulgado. “Ele foi descoberto. Ele pegou esse diagnóstico, alterou com dados lá dentro e colocou na rede pública. Quem colocou foi ele. Tenho boletim de ocorrência, vou disponibilizar”, frisou. Apesar da declaração, o aplicativo foi lançado pelo ministro em Manaus, e um texto sobre ele foi divulgado no site do ministério. Houve, ainda, uma reportagem veiculada pela TV Brasil que dizia que o aplicativo já funcionava no Amazonas e que médicos e enfermeiros estavam sendo cadastrados. A reportagem mostrava, inclusive, uma entrevista com um médico que já havia utilizado o app.

Pfizer: Disse que a primeira proposta da Pfizer foi em 26 de agosto. O presidente da empresa na América Latina, Carlos Murillo, relatou à CPI que o oferecimento inicial ocorreu em 14 de agosto.

Hospital de campanha: Sustentou que o ministério não mandou fechar o hospital de campanha de Águas Lindas (GO). Rebatido pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), de que a unidade era federal e que houve pedido do governo estadual para que não fosse fechado, disse que teria de checar a documentação. Em março deste ano, a Secretaria Estadual de Saúde enviou um ofício ao Ministério Público Federal (MPF) mostrando que pediu, em setembro do ano passado, que o hospital continuasse aberto. O MS, entretanto, permitiu a continuidade por mais 30 dias apenas.

Cloroquina: Voltou a dizer que não fomentou o uso de cloroquina. Entretanto, quatro dias depois de assumir interinamente o Ministério da Saúde, em maio do ano passado, a pasta divulgou um protocolo sobre uso de cloroquina no chamado tratamento precoce de pacientes com covid-19, apesar de não haver eficácia comprovada do medicamento contra a doença. A negativa de recomendar cloroquina foi o principal fator que gerou a saída do ministro que o antecedeu, Nelson Teich. Alegou não ter comprado “nenhuma (sic) grama de cloroquina”. Disse que apenas distribuiu o medicamento que foi solicitado pelos estados e municípios. Até janeiro, o governo tinha gastado R$ 89.597.985,50 com cloroquina, hidroxicloroquina, Tamiflu, ivermectina, azitromicina e nitazoxanida, conforme mostrou reportagem da BBC News com base em fontes públicas.

CoronaVac: Mais uma vez, disse que não foi desautorizado pelo presidente Jair Bolsonaro em relação ao contrato de intenção de compra de vacina com o Instituto Butantan. Na época, em outubro do ano passado, o chefe do Planalto disparou: “Já mandei cancelar. O presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade. Até porque estaria comprando uma vacina que ninguém está interessado nela, a não ser nós”. No mesmo dia, o então secretário-executivo da pasta, Elcio Franco, disse que o ministério não firmou qualquer compromisso de compra da CoronaVac. Ontem, Pazuello complementou a história, enfatizando que falou com o presidente após as declarações públicas. “Expliquei que as contratações só aconteciam quando a gente tivesse legalidade e aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Aí, ele disse: ‘Ah, tá, assim tudo bem’”.

Número de óbitos: Ressaltou que o governo nunca escondeu o número de óbitos por covid-19. Entretanto, em junho do ano passado, o Executivo chegou a retirar do site oficial com dados da doença o total acumulado de mortes e de casos, fato que provocou a criação de um consórcio da imprensa para compilar informações com as secretarias de Saúde de cada estado.

Com informações portal Correio Braziliense

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