13 de janeiro de 2015

Pedalando na Bahia com Fabrício e Heloisa

Fotomontagem das aventuras de Fabricio e Heloisa na Bahia
Se existe uma prova pra cobrar competência de ciclista, com certeza, é a ladeira! Quer resistência, no esporte de verdade, neguinho? Vem pra Bahia! Ó paí, ó... É glória na descida e sofrência pra subir... É experiência de altos e baixos como a vida é. Por isso, nem sempre descer é bom; como subir também não deve ser só tortura. A vantagem? É a Sra. Adrenalina, que prepara o corpo para os grandes esforços físicos, acelera o coração, eleva a tensão arterial, relaxa certos músculos e contrai outros, aguça os teus sentidos, revigora o organismo. Aí você percebe que desceu ou que subiu, a paisagem estava lá de testemunha, percebe coisas incríveis porque a serotonina já dominou o seu corpo. Agora, é estado de graça! Por causa de uma descidinha... rsrsrsrs. Quem é ciclista sabe, o quanto vale uma ladeira!

Foi por isso que, mesmo correndo o risco de sermos pegos pela polícia rodoviária federal, por quase encobrir, totalmente, os piscas do carro com duas bicicletas num transbike, que percorremos 1.250 km do Ceará à Bahia! Não poderíamos, de maneira alguma, sobreviver às férias sem as bicicletas e nem pensar em retornar às atividades da equipe TSP (Trilha Sítio Poças) fora de ritmo! Além, sensações valem ouro.

BA-263 – Trecho que liga Vitória da
Conquista a Tremedal
 (Foto: Fabrício Ferraz)
Estamos em Tremedal, sudoeste da Bahia, um município com 1.779,422 Km2 e população estimada em 21.000 habitantes, segundo dados do IBGE. A cidade desenvolveu-se posteriormente ao apogeu do povoado de São Felipe que na época pertencia a Condeúba/BA e, devido à ocupação, espírito empreendedor e desenvolvimento da família Ferraz na área mais úmida e próxima dessa região, passou a chamar-se Arraial do Tremedal dos Ferraz que em 05 de novembro de 1953 elevou-se a município com o nome de Tremedal. O lugarejo é pacato como “a nossa” Altaneira, de clima semi-árido, altitude de 530m acima do nível do mar e distante 588 km da capital, Salvador. Possui povoados intrigantes, como: Venda Velha, Volta, Mulungu, Lagoa Preta e bairros incomuns como Talibã, Açude Velho, Corante, entre outros.

As espécies vegetais que mais se destacam aqui são as cercas vivas do Pecado Pelado e do Quiabento. De longas distâncias é possível observar as demarcações das propriedades pelas tais plantas; uma verdadeira cerca impenetrável para pessoas e animais. O Pecado Pelado também chamado de Avelós, Dedo-do-Diabo ou Dedinho-de-Anjo cresce emaranhando-se entre as armações das cercas convencionais de forma densa e larga. Deixadas crescer desordenadamente, podem chegar aos 10 ou 15 metros de altura! Esta planta produz um leite de fortíssimo poder toxicológico capaz de produzir graves queimaduras e até cegar. Nem o mais exímio ladrão ousaria atravessar uma cerca de Pecado Pelado!!!

Cerca viva de Pecado Pelado – Tremedal/BA (Foto: Fabrício Ferraz)
Pesquisas recentes revelam também o seu poder para a cura de tumores de pele e cânceres gastrointestinais; substâncias presentes em seu leite têm a capacidade de destruir as células descontroladas que provocam a doença e evitar a sua reprodução. O uso como medicamento está ainda, em estágio de análises rigorosas porque em doses pouco maiores o leite do Pecado Pelado pode levar a óbito! Por aqui, são conhecidos, casos clássicos e testemunhos de pessoas que creditam sua cura à ingestão da gotinha diária do leite do Dedinho-de-Anjo. Já o Quiabento é da família das cactáceas, possui longos espinhos que, segundo os mais velhos, ao mínimo furo podem aleijar. Seu fruto, rico em água, em seu interior guarda uma gosma transparente extremamente colante! Fabrício, conta que quando criança usava a gosma do Quiabento para colar pipas e em especial uma vez, de traquinagem na fazenda do avô, colou a cabeça do dedo de um primo para escapar de uma possível surra, por este estar sob seus cuidados!

Flor e Fruto do Quiabento – Povoado Capim – Tremedal/BA.
(Foto: Fabrício Ferraz e Heloísa Bitú)
Tremedal possui uma represa de abastecimento d’água para a cidade, principal fonte de renda para os ribeirinhos por meio da pesca! É aqui que começa a nossa aventura! A primeira volta de bicicleta que demos pela cidade foi exatamente, partindo pelo bairro Açude Velho, passando pelo Escama Peixe (sangrador da represa) e subindo até a antiga pista de pouso do DNOCS/BA. À direita adentramos uma estradinha estreita que dá acesso à Banca (tapagem do açude) e subimos em direção ao Morro do Urubu. 

Retornamos para a sede e pegamos a Av. Joaquim Ferraz, passamos em frente ao Estádio Municipal Diocleciano Ferraz onde na noite anterior aconteceu um show com o Amado Batista e descemos pela rodovia BA-263 sentido Piripá, retornando pelo Loteamento Durval Ferreira Rocha. Durante o percurso de mais ou menos 1 hora, discutíamos sobre os possíveis trechos de mountain bikes e roteiros que não deixassem de ser também turísticos, para representarmos a equipe TSP (Trilha Sítio Poças) e produzirmos matéria especial para o Blog de Altaneira.
 
Banca (Tapagem da Represa de Tremedal/BA) (Foto: Heloísa Bitú)
Tivemos um bom começo de ano! Logo no primeiro dia tratamos de conhecer o percurso da sede de Tremedal até o Povoado de São Felipe. 

Como não teríamos nenhuma equipe de apoio, na manhã seguinte que seria o dia do desafio, não poderíamos nos dar o luxo de errar o caminho! Juntamos a família inteira e de carro fomos conhecer a história dos primórdios da cidade.

Igreja de Nossa Senhora da Saúde e Glória, Povoado de São Felipe – Tremedal/BA (Foto: Heloísa Bitú)
A localidade de São Felipe abriga uma Igreja histórica, a Igreja de Nossa Senhora da Saúde e Glória que, recentemente, sofreu reforma. Empreita realizada pela mobilização social e apoio de empresários da região. 

Subida para o Morro do Urubu 
Tremedal/BA (Foto: Heloísa Bitú)
Durante os trabalhos de restauro da referida, uma surpresa: o templo que contava sua última reforma de 1948 revelou achados, que levam sua construção ao período colonial do Brasil. 

De seu telhado constava telha com data de 22 de agosto de 1705, alguns nomes próprios e outras inscrições ainda não legíveis, além de moedas encontradas na madeira do altar e reboco das paredes. O material coletado reafirma ter sido o povoado, local de passagem de tropeiros durante os períodos mais remotos das rotas que ligavam Bahia a Minas, exatamente nesta faixa limítrofe onde muito próximo percorre por aqui o Rio Gavião.

Bem próximo dalí, à direita de quem vem de São Felipe vislumbra-se uma paisagem belíssima. Cânions de uma serra circundada por água corrente compõem um lugar místico conhecido por Espírito Santo. O monumento natural de pedra ao topo do cânion equilibra-se de modo “imaginavelmente” sobrenatural. Muito parecido com o que conhecemos da famosa Pedra Grande do São Romão, aqui também se fazem procissões e excursões para o topo e há relatos de aparições de santos e figuras misteriosas. Infelizmente, ano passado, um rapaz aventureiro sofreu um acidente ao tentar escalar o perigoso cânion.
 
Vista de um dos Cânions do Lugarejo Espírito Santo – Tremedal/BA (Foto: Heloísa Bitú)
O nosso percurso de bicicleta foi bem tranqüilo, no dia seguinte. A estrada estava bem movimentada porque era dia de feira no antigo Arraial do Tremedal dos Ferraz, muitos ônibus, pessoas carregando frangos, pastores de cabras, ciclistas e gente a pé portando sacolas. 
BA-263 - Início da Ladeira de 4 km
entre Tremedal e Belo Campo
(Foto: Heloísa Bitú)

Retornamos satisfeitos com tudo o que apreciamos!

A BA-263 é conhecida pelas curvas e perigosas ladeiras, principal motivo dos graves acidentes e mortes de motoristas e motociclistas. Os primeiros 10 km, de um sobe e desce quase ininterrupto. Intermináveis cercas de pecado pelado, pequenas lagoas intactas ainda no frescor do amanhecer e muito suor! Muito suor... 

Que, só não é maior que o cansaço quando se determina subir os quase 4 km de uma das maiores serras das redondezas: a famosa Serra de Belo Campo. Não mais perigosa que a antiga estrada de terra, diga-se de passagem, que ligava as duas cidades!

Quase ao meio dessa serra, onde se extraiu sedimento pra construção do asfalto está, a divisa dos dois municípios. Ao seu término, o sonho de todo ciclista: reta para se pedalar de mãos ao ar sem se preocupar com o que vem pela frente!

Divisa entre os municípios de Tremedal e Belo Campo (Foto: Heloísa Bitú)
Monumento da giratória na entrada
da cidade Belo Campo/BA
(Foto: Fabrício Ferraz)
Ao longe, se avista Belo Campo e quase todas as suas casas construídas... Ruas que se perdem no horizonte. Seu planalto contribuiu significativamente para sua projeção. Vamos além... É a Brasília baiana! Aqui, carro e moto são veículos raros. 

O negócio é andar de bicicleta. Ora, nem uma ladeirinha sequer para sair da monotonia, quem é doido de gastar gasolina! Homens e mulheres, idosos e crianças de bicicleta cruzam as ruas da “capital brasileira”. 

O trânsito é tão tranquilo, que há até quem utilize o WhatsApp montado e em movimento! Lamento, infinitamente, não ter fotografado a cena.

Paramos à frente de um mercantil, compramos suco, barras de cereais e água. Reabastecemos e continuamos pedalando e apreciando as cenas rotineiras do amanhecer das pequenas cidades interioranas. Decidimos que o retorno seria diferente!

Rua de Belo Campo/BA (Foto: Heloísa Bitú)
 Enfrentaríamos um verdadeiro circuito mountain bike. Desceríamos a Serra de Belo Campo pela antiga estrada de terra. E assim, foi. Lindas paisagens, muita adrenalina, obstáculos radicais... Até fizemos comparações com o trajeto para o Vale do São Romão, de Altaneira/CE. Mas, no momento, a Serra do São Romão nos pareceu “fichinha”.
 
Início da descida da Serra de Belo Campo (Foto: Fabrício Ferraz)
Muita confiança e alguns quilômetros depois, já ao finzinho da ladeira, ladeira da memória... Ladeira que fazia as mulheres de pau de arara descer rezando... E, um final trash para a nossa aventura! Um tombo! Um tombo, feio. Daqueles espetaculares... Bonito de se ver e trágico pra quem sofre! Havia uma pedra no caminho, bem no pneu da frente. E o ciclista intrépido para ficar de pé, antes que a poeira baixasse, esqueceu de ver os ferimentos para conferir o estado da bike. Agora que havíamos concluído metade do trajeto de volta para casa. Afinal, ninguém merece ter que concluir o roteiro com a bicicleta no ombro! Um motoqueiro solidarizou-se com aqueles dois lunáticos que estavam ali parados bem no meio da estrada, pra ver se precisávamos de ajuda, mas como aparentemente parecíamos bem, apenas assinalou a existência de uma barragem próxima onde poderíamos lavar melhor as escoriações. 

E vamos aos prejuízos: uma semana, no mínimo, para restabelecer o vigor físico, um capacete estraçalhado, um guidão completamente torto, quebra do passador de marchas esquerdo, e o sumiço de um pisca alerta! Que maravilha! E que maravilha!!!!
A Queda de Fabricio (Fotomotagem: Heloísa Bitú)
Paramos mais à frente no Povoado de Pé da Serra e contamos com a hospitalidade do Sr. Renir. O dono do bar nos convidou pra sentar, esperar esfriar o sangue e fazer assepsia dos ferimentos de Fabrício. 


Chegada ao Hospital de Tremedal 
(Foto: Heloísa Bitú)
Seu Renir é um típico dono de botequim, piadista, desses que não dispensa um quadro da equipe local futebolística bem no meio da parede, fumo de rolo e já atende os clientes de fogo! Convenceu-nos a filmar nossa passagem pelo seu bar e só nos liberou depois da exibição da cena, da qual o ator principal não éramos nós, mas ele mesmo! Foi o momento para descontrair e encontrar forças para continuar.

De chegada em Tremedal, fomos direto ao Hospital Municipal Dr. Adelmário Pinheiro, verificar direitinho os machucados de Fabrício para não assustar tanto o pessoal de casa. No momento, estamos avaliando quando retornaremos às bikes e quais percursos ainda são possíveis realizar antes de voltamos pro Ceará.  

Texto Heloisa Bitu com a pequena colaboração de Fabricio de Ferraz.

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