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Foto oficial da Cúpula dos Brics (Foto: Ricardo Stuckert) |
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, ontem, no fechamento da cúpula do Brics, que a adoção de moedas locais em vez do dólar para as transações comerciais é uma tendência em desenvolvimento e uma evolução sem volta. Salientou, porém, que trata-se de um projeto de longo prazo, que pode servir de alicerce para, futuramente, o grupo ter uma moeda própria — um projeto que é defendido pelo Brasil, pela China e pela Rússia.
Lula lembrou que a utilização de moedas locais para transações comerciais não é uma novidade. E que isso foi tentado, mais de 20 anos atrás, nas transações comerciais entre o Brasil e a Argentina.
"Fizemos isso com a Argentina. Em 2004, aprovamos um comércio que poderia ser feito nas moedas locais. Acho que o mundo precisa encontrar um jeito de que a nossa relação comercial não precise passar pelo dólar. Quando for com os Estados Unidos, ela passa pelo dólar, mas, quando for com a Argentina, não precisa passar. Quando for com a China, não precisa. Quando for com a Índia, não precisa. Quando for com a Europa, discute-se em euro. Ninguém determinou que o dólar é a moeda-padrão. Em que fórum foi determinado?", questionou, para acrescentar:
"É uma coisa que não tem volta. Isso vai acontecendo aos poucos, e vai acontecendo até que seja consolidado", avaliou. Essa transição, porém, será acompanhada pelos bancos centrais dos países envolvidos, segundo Lula. "Obviamente que nós temos todas as responsabilidades de fazer isso com muito cuidado. Os nossos bancos centrais precisam discutir isso com os bancos centrais dos outros países", previu.
A proposta ainda está em fase de estudos, mas já é fortemente atacada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que ameaçou taxar em 10% os países que "se alinhem com o Brics" — conforme publicação feita na rede social Truth Media, da qual é dono. Questionado sobre essa possível sanção, Lula deu pouca importância. "Na reunião do Brics, ninguém tocou nesse assunto. Ou seja: é como se não tivesse ninguém falado. Não demos nenhuma importância para isso", comentou.
Segundo o presidente, o Brics é "uma metamorfose ambulante", e os países do bloco ainda estão aprendendo como se organizar sem "repetir o erro dos outros". "Os Brics, se eu pudesse utilizar o Raul Seixas, poderia dizer para vocês que são uma 'metamorfose ambulante'. Não é aquela coisa que já está pronta. É uma criança em crescimento. Nós estamos aprendendo, não tentando repetir o erro dos outros, estamos tentando fazer algo novo. Portanto, estou muito tranquilo", avaliou.
Segundo Lula, o grupo de nações surgiu em um momento no qual os países mais desenvolvidos dominavam os órgãos internacionais. "Acho que o Brics é a coisa nova que surgiu num mundo em que a geopolítica estava determinada por meia dúzia de países considerados ricos. Vê o absurdo que é o mundo… Veja o FMI (Fundo Monetário Internacional): embora represente metade do PIB (Produto Interno Bruto) do mundo, o Brics só tem 18% de representatividade", observou.
Para o presidente brasileiro, o bloco pode considerar a entrada de outros países futuramente. "É uma coisa que surgiu de nós, de baixo para cima. E temos a sorte de termos países importantes. E outros vão entrando. Nós não temos porteira fechada. Quem quiser entrar, diz que quer entrar e nós vamos avaliar. E, na hora que a gente avalia, a gente faz o convite", frisou. Criado originalmente por Brasil, Índia, Rússia e China, e com a entrada da África do Sul logo depois, o Brics tem 11 países-membros e 10 parceiros, após um processo de expansão que vem se realizando nos últimos anos.
Promotores
da guerra
Na coletiva depois do fechamento da cúpula do Brics, Lula fez uma enfática crítica ao enfraquecimento dos organismos multilaterais e à concentração de poder nas mãos de poucos países. Conforme destacou, a Organização das Nações Unidas (ONU) é, hoje, uma entidade enfraquecida e o Conselho de Segurança tornou-se um núcleo de decisão que não reflete a importância de outros atores internacionais.
Para Lula, é difícil levar adiante o compromisso dos países com processos de paz quando os países que compõem o Conselho de Segurança — Estados Unidos, Reino Unido, Rússia, China e França, as nações vencedoras da II guerra Mundial — são as principais promotoras das guerras nos quatro cantos do planeta. E afirma que nenhuma nação que integre a ONU, hoje, peça "licença" para atacar outra — como, segundo ele, fez Israel com a Faixa de Gaza na guerra contra o Hamas.
Por sinal, sobre essas operações militares contra os palestinos, Lula voltou a criticar o governo de Benjamin Netanyahu e considera que nada explica os ataques, cujas principais vítimas são mulheres e crianças.
Ainda sobre a questão do multilateralismo, Lula manifestou preocupação com os esforços para que alguns organismos internacionais estejam cada vez mais enfraquecidos, como as organizações mundiais do Comércio e da Saúde. No discurso na Plenária da cúpula, o presidente defendeu uma reação contra o esvaziamento da OMS — recentemente, o presidente Donald Trump retirou os Estados Unidos da OMS e cortou o financiamento à organização. Foi seguido pela Argentina, pela decisão do presidente Javier Milei.
Na conversa com os jornalistas, Lula também falou sobre a queda de braço entre governo e Congresso sobre o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Para o presidente, a divergência é "própria da democracia", mas classificou a derrubada do decreto do governo pelo Legislativo como "totalmente anticonstitucional".
"Não tem nada de anormal. Tem uma divergência política que é própria da democracia e vamos resolvendo os problemas", explicou.
O presidente foi questionado se o fato de a declaração final do Brics destacar esforços por justiça tributária pode influenciar o debate sobre o IOF — o governo contava com o aumento do imposto para aumentar a arrecadação e evitar corte de gastos em áreas sociais. Respondeu apenas que, nesta semana, se reunirá com o advogado-geral da União, Jorge Messias, para tratar do tema.
Lembrou, porém, que há um histórico de ministros do Supremo Trubunal Federal (STF) aprovando aumento do IOF. "Temos decisões, no caso do ministro Gilmar [Mendes], aprovando o IOF, quando o Fernando Henrique Cardoso era presidente. Nós temos o IOF aprovado no governo de [Jair] Bolsonaro", afirmou.
Dólar
foi adotado em Bretton Woods
O
dólar norte-americano tornou-se a moeda de reserva mundial depois da II Guerra
Mundial, com os Acordos de Bretton Woods em 1944. Antes disso, a libra
esterlina britânica era a moeda mais importante no cenário econômico global.
Mas, no pós-guerra, os Estados Unidos emergiam como a principal potência
econômica. Bretton Woods formalizou a hegemonia do dólar, atrelando-o ao ouro e
estabelecendo que outras moedas seriam lastreadas no dólar. Mesmo após o fim do
padrão-ouro, em 1971, o dólar manteve sua importância devido à confiança na
economia e à estabilidade política dos EUA.
Publicado
originalmente no Correio Braziliense
Leia também:
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