 |
| O presidente Lula com o presidente da Câmara, Hugo Motta(Foto: Ricardo Stuckert) |
A
aprovação do PL Antifacção por 370 votos a 110, em meio à maior operação da
Polícia Federal desde o início do governo Lula, pode ser um ponto de ruptura
entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente da Câmara, Hugo
Motta (Republicanos-PB), que estão em rota de colisão e trocam farpas pelas
redes sociais. De um lado, uma derrota legislativa contundente em um tema tão
sensível, a segurança pública, mostrou a fragilidade da base de apoio do
governo na Câmara e pôs em xeque sua governabilidade. De outro, revelou o grau
de infiltração do Banco Master no sistema político e financeiro, com
ramificações que atingem diretamente o núcleo do Centrão que hoje comanda a
Câmara.
Acaso
ou não, a coincidência temporal dos fatos elevou a temperatura política em
Brasília, que só não está mais aquecida por causa do feriadão desta
quinta-feira, Dia da Consciência Negra, dedicado a Zumbi dos Palmares. A semana
foi curta, mas o suficiente para escancarar a deterioração acelerada da relação
entre Lula e Motta. Por trás de tudo, segurança pública e escândalos
financeiros se tornaram eixos de um conflito institucional mais profundo e de
um divisor de águas eleitoral.
A
crise do Master desmontou uma engrenagem de proteção política que vinha
funcionando nos bastidores de Brasília. O controlador do banco, Daniel Vorcaro,
preso quando tentava embarcar em um jatinho para o exterior, investiu pesado na
construção de blindagem institucional. Patrocinou eventos em Londres com a
participação de autoridades e parlamentares influentes. Em Brasília, as
digitais de Vorcaro apareceram em iniciativas legislativas destinadas a
fragilizar a autonomia do Banco Central, entre elas o requerimento de urgência
do deputado Cláudio Cajado (PP-BA), porta-voz da ala do Centrão que hoje trava
guerra aberta contra o Planalto.
Quando
a PF deflagrou a operação que levou à prisão de Vorcaro, as reações na política
foram imediatas. A revelação de que o banco movimentava cifras bilionárias de
origem suspeita, recebia aportes de fundos de previdência estatais e mantinha
relações com alvos da Operação Carbono Oculto acendeu todas as luzes de alerta
no bloco União-PP, que domina a Câmara sob liderança de Hugo Motta. A percepção
no Planalto é de que esse setor passou a ver a Polícia Federal como ameaça
direta — o que ajuda a explicar o empenho de Motta em fortalecer um relator
alinhado à oposição para o PL Antifacção: o deputado Guilherme Derrite (PP-SP).
A
relatoria de Derrite foi o catalisador do conflito. O governo enviou ao
Congresso um projeto calibrado, que endurecia penas e ampliava mecanismos de
investigação, mas preservava competências federais. Derrite tentou redesenhar o
texto em várias versões sucessivas: quis subtrair atribuições da PF,
transferindo poderes para polícias estaduais; defendeu conceitos jurídicos que
poderiam gerar brechas para líderes de facção; estimulou a redação de
dispositivos que, na avaliação de técnicos do Executivo, poderiam beneficiar
criminosos. Para o Planalto, não se tratava apenas de divergências técnicas,
mas de um movimento político organizado para enfraquecer a PF exatamente no
momento em que operações sensíveis atingiam figuras centrais do Centrão e do
mercado financeiro.
Confronto
aberto
Hugo
Motta disse a que veio como presidente da Câmara ao conduzir esse processo. Foi
ele quem cacifou Derrite como relator, a pedido do governador de São Paulo,
Tarcísio de Freitas (Republicanos), seu correligionário, e ignorando
olimpicamente as objeções do governo. Também mostrou capacidade de liderança e
mão firme ao aprovar, a toque de caixa, uma versão que contraria frontalmente
os interesses do Executivo. A larga margem de votos na votação final — mais de
70% da Casa — desnudou o isolamento do governo e a força da articulação
conduzida por Motta.
Para
o Palácio do Planalto, o presidente da Câmara assumiu posição de confronto
deliberado, movido por uma ala do Centrão liderada pelos presidentes do PP,
Ciro Nogueira, e do União Brasil, Antônio Rueda. Ambos tentam impor ao governo
derrotas estratégicas e, simultaneamente, criar mecanismos legislativos de
contenção da Polícia Federal e blindagem dos parlamentares enrolados nos
inquéritos sobre desvio de verbas de emendas parlamentares, que correm sob
sigilo de justiça no Supremo Tribunal Federal (STF).
A
percepção de que as operações da PF poderiam avançar sobre políticos,
governadores e fundos de previdência controlados por políticos do Centrão gerou
a forte reação da Câmara, com uma narrativa política legitimadora centrada na
segurança pública. Foi assim que o PL Antifacção tornou-se o grande pomo da
discórdia. Derrite havia dado uns três dribles a mais, mas recuou após forte
reação técnica e pressão pública para o que era essencial do ponto de vista da
oposição: deixar os crimes de colarinho-branco fora do endurecimento das penas
e destinar parte do orçamento da segurança pública para os estados, em vez da
Polícia Federal.
Diante
desse desfecho, a alternativa do governo é mitigar o projeto no Senado, cujo
presidente, senador Davi Alcolumbre (União-AP), escolheu o senador Alessandro
Vieira (MDB-SE), um oposicionista moderado, para relatar o texto.
Publicado
originalmente no Correio Braziliense
Leia também:
Lula enfatiza confiança em negociadores na reta final da COP30