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Segundo Márcio Astrini, do Observatório do Clima, a sociedade civil está mobilizada pelo veto presidencial ao projeto (Foto: Deisy Serena) |
Aprovado na madrugada de ontem (17/07) pela Câmara dos Deputados, o PL 2159/21, que estabelece a Lei Geral do Licenciamento Ambiental, gerou forte reação de especialistas, ambientalistas e juristas. Eles veem a medida como o maior retrocesso ambiental em décadas.
O texto, que agora aguarda sanção ou veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, flexibiliza o processo de licenciamento, abre espaço para autodeclarações e reduz a participação de órgãos como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Para críticos, a proposta ameaça biomas sensíveis, como Amazônia e Mata Atlântica, além de enfraquecer garantias a comunidades indígenas e tradicionais.
Na avaliação do Observatório do Clima, representado por seu secretário executivo, Márcio Astrini, o projeto elimina parâmetros nacionais e transfere a classificação de risco dos empreendimentos aos estados, o que pode gerar uma "guerra ambiental" semelhante à guerra fiscal. "Cada estado poderá decidir o que considera de alto ou baixo risco. Isso abre espaço para lobby, corrupção e judicialização em massa", alerta. Astrini também critica a exclusão da participação da Funai em processos que envolvam terras indígenas não homologadas. "O direito dessas populações será ignorado, mas os conflitos continuarão. Agora serão resolvidos nos tribunais", adverte.
"Situações como, por exemplo, pequenas centrais hidrelétricas que barram um rio ou até mesmo, barragens de rejeitos, como é o caso de Brumadinho, passam a ter um licenciamento sem avaliação de risco. Ele passa a ser feito automaticamente. Isso é um vale-tudo, isso é você acabar com as bases do licenciamento ambiental", diz Astrini.
O Observatório é uma rede formada por 68 organizações da sociedade civil brasileira que atua na agenda socioambiental e de clima. De acordo com Astrini, a sociedade civil está mobilizada pelo veto presidencial ao projeto para que ele não seja colocado em prática. "A sociedade civil vai continuar muito mobilizada, talvez até mais ainda agora, porque é a chance de reversão de todos esses absurdos se encontra na mesa do presidente da República", defende.
A Fundação SOS Mata Atlântica também ressaltou os impactos para o bioma onde vivem 70% da população brasileira e que sustenta mais de 80% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional.
"Desde 2006, a Lei da Mata Atlântica foi responsável por uma queda de mais de 80% no desmatamento do bioma — passou de 110 mil hectares por ano para menos de 15 mil. Revogar os dispositivos que garantem essa proteção é abrir espaço para o aumento da devastação e colocar em risco compromissos firmados pelo Brasil nos acordos climáticos e de biodiversidade", diz a organização em nota.
Especialistas
em direito ambiental apontam diversos pontos de preocupação. Luiz Ugeda,
pós-doutor em direito pela UFMG, explica que a nova modalidade de
"licenciamento por adesão e compromisso" pode reduzir o tempo para
análise técnica e participação social, o que afeta diretamente a transparência
do processo. "Há riscos de assimetria de informações e de enfraquecimento
do controle institucional, principalmente em setores como mineração e
infraestrutura", ressalta. Já o advogado Pedro Szajnferber alerta para o
risco de legalização de empreendimentos hoje irregulares por meio da nova
Licença de Operação Corretiva.
Ataque
frontal
Para o Instituto Internacional Arayara, a proposta representa um ataque frontal à legislação ambiental. O gerente de transição energética, John Fernandes, aponta a exclusão da obrigatoriedade de normas do Conama para grandes projetos de mineração, e o enfraquecimento da proteção a unidades de conservação e suas zonas de amortecimento. "O licenciamento agora poderá ocorrer sem a anuência de órgãos como o ICMBio. Isso é gravíssimo, especialmente para empreendimentos de alto impacto", afirma.
O diretor da Arayara, Juliano Bueno, destaca ainda os impactos sobre os biomas e povos originários. Segundo ele, 32% das terras indígenas em processo de demarcação poderão ser ignoradas, já que o texto limita a manifestação da Funai apenas a áreas homologadas. "É um projeto que institucionaliza violações de direitos humanos e ambientais. E se o presidente vetar, o Congresso provavelmente derrubará o veto, como já fez no marco temporal. A judicialização será inevitável e o Supremo terá de agir, mas pode demorar demais", alerta.
Fauna
em risco
Organizações de atuação internacional também se manifestaram após a aprovação do Congresso. A organização Proteção Animal Mundial, que atua em 47 países, afirmou, em nota, que o PL "representa um dos maiores retrocessos ambientais da história do Brasil".
"O novo texto (...) abandona os princípios de prevenção e participação pública que deveriam orientar qualquer decisão ambiental. Ao permitir, por exemplo, que atividades sejam autorizadas com base em autodeclarações ou dispensadas de estudos de impacto, o Estado se afasta de sua responsabilidade constitucional de garantir um meio ambiente equilibrado e seguro para as presentes e futuras gerações", protesta a organização.
Aprovado por 267 deputados (69,7% dos votantes), o projeto foi apelidado por ambientalistas de "PL da Devastação". Mesmo com mobilizações em todas as capitais e apelos de cientistas, artistas e comunidades tradicionais, a maioria dos parlamentares chancelou a proposta.
A expectativa se volta, neste momento, para a posição do presidente Lula. O veto é visto como essencial para impedir os efeitos imediatos da proposta. Caso contrário, há o risco de uma explosão de licenciamentos frágeis em setores de forte impacto ambiental como mineração, petróleo e gás.
Publicado
originalmente no Correio Braziliense
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