4 de novembro de 2017

Mossoró, a cidade que resistiu ao bando de Lampião

O Palácio da Resistência, antiga residência  Rodolfo Fernandes, atual sede da Prefeitura de Mossoró (Foto: Raimundo Soares Filho)
Em 1927 a cidade de Mossoró vivia um período de expansionismo comercial e industrial. Possuía o maior parque salineiro do país, três firmas comprando, descaroçando e prensando algodão, casas compradoras de peles e cera de carnaúba, contando com um porto por onde exportava seus produtos e sendo, por assim dizer, um verdadeiro empório comercial, que atendia não só a região oeste do Estado, como também algumas cidades da Paraíba e Ceará.

A população da cidade andava na casa dos 20.000 habitantes, era ligada ao litoral por estrada de ferro, contava ainda com estradas de rodagem, energia elétrica. A riqueza que circulava na cidade despertou a cobiça do mais famoso cangaceiro da época, o Virgulino Ferreira, popularmente conhecido por Lampião.

No dia 2 de maio de 1927 Lampião e seu bando partiram de Pernambuco, em direção ao Rio Grande do Norte. Atravessaram a Paraíba próximo à fronteira com o Ceará, com destino a cidade potiguar de Luiz Gomes. Antes, porém, atacaram a cidade paraibana de Belém do Rio do Peixe.

Em reunião na fazenda Ipueira, na cidade de Aurora, Ceará, Lampião se reuniu com o bando de Massilon de onde partiram com destino a Mossoró. No percurso assaltaram sítios, fazenda, lugarejos e cidades, roubando tudo o que encontravam e fazendo refém de todos os que podiam pagar um resgate. Entre os sequestrados estavam o coronel Antônio Gurgel, ex-Prefeito de Natal, Joaquim Moreira, proprietário da Fazenda “Nova”, no sopé da serra de Luis Gomes, dona Maria José, proprietária da Fazenda “Arueira” e outros.

Coube ao Coronel Antônio Gurgel, um dos sequestrados, escrever uma carta ao prefeito de Mossoró, Rodolfo Fernandes, fazendo as exigências para que a cidade não fosse invadida. Era a técnica usada pelos cangaceiros ao atacar qualquer cidade.

Antes, porém, cortavam os serviços telegráficos da cidade, para evitar qualquer tipo de comunicação. Quando a cidade atendia o pedido, exigiam além de dinheiro e jóias, boa estadia durante o tempo que quisessem, incluindo músicos para as festas e bebidas para as farras. Quando o pedido não era aceito, a cidade era impiedosamente invadida.

De Mossoró pretendiam cobrar 500 contos de réis para poupar a cidade, mas sendo advertido que se tratava de quantia muito alta, resolveram reduzir o pedido para 400 contos de réis. A carta do coronel Gurgel dizia: 
“Meu caro Rodolfo Fernandes.Desde ontem estou aprisionado do grupo de Lampião, o qual está aquartelado aqui bem perto da cidade. Manda, porém, um acordo para não atacar mediante a soma de 400 contos de réis. Penso que para evitar o pânico, o sacrifício compensa, tanto que ele promete não voltar mais a Mossoró…”
Ao receber a carta, o prefeito Rodolfo Fernandes convoca uma reunião para a qual convida todas as pessoas de destaque da cidade, inicia os preparativos e responde a carta nos seguintes termos: 
“Mossoró, 13 de junho de 1927.  –Antônio Gurgel.Não é possível satisfazer-lhe a remessa dos 400.000 contos, pois não tenho, e mesmo no comércio é impossível encontrar tal quantia. Ignora-se onde está refugiado o gerente do Banco, Sr. Jaime Guedes. Estamos dispostos a recebê-los na altura em que eles desejarem. Nossa situação oferece absoluta confiança e inteira segurança.Rodolfo Fernandes”.
Quando o portador chega a casa do prefeito para pegar a resposta, esse, de modo cortês, diz que a proposta do bandido é inaceitável e se diz disposto a enfrenta-lo. Levou o portador ao aposento onde havia vários caixões com latas de querosene e gasolina. Junto a esses caixões, existia um aberto e cheio de balas. O prefeito na tentativa de impressioná-lo, diz que todos aqueles caixões estão cheios de munição e que já existe um grande número de homens armados na cidade, aguardando a entrada dos cangaceiros.

Lampião não esperava tal resposta e ao tomar conhecimento que a cidade está pronta para brigar, resolve mandar um bilhete escrito de próprio punho, numa péssima caligrafia, julgando que assim conseguiria o intento: 
“Cel RodolfoEstando Eu até aqui pretendo dr. Já foi um aviso, ahi pro Sinhoris, si por acauso rezolver, mi, a mandar será a importança que aqui nos pede, Eu envito di Entrada ahi porem não vindo essa importança eu entrarei, ate ahi penço que adeus querer, eu entro; e vai aver muito estrago por isto si vir o dr. Eu não entro, ahi mas nos resposte logo.Cap. Lampião.”
Mais uma vez, o prefeito responde com negativa. Diz em sua resposta para Lampião: 
“Virgulino, lampião.Recebi o seu bilhete e respondo-lhe dizendo que não tenho a importância que pede e nem também o comércio. O Banco está fechado, tendo os funcionários se retirado daqui. Estamos dispostos a acarretar com tudo o que o Sr. queira fazer contra nós. A cidade acha-se, firmemente, inabalável na sua defesa, confiando na mesma.Rodolfo FernandesPrefeito, 13.06.1927”.
Nessa altura dos acontecimentos, os mossoroenses tratavam de preparar a defesa da cidade. O tenente Laurentino era o encarregado dos preparativos. E como tal, distribuía os voluntários pelos pontos estratégicos da cidade.

Haviam homens instalados nas torres das igrejas matriz, Coração de Jesus e São Vicente, no mercado, nos correios e telégrafos, companhia de luz, Grande Hotel, estação ferroviária, ginásio Diocesano, na casa do prefeito e demais pontos.

O plano de lampião era chegar a uma localidade conhecida como Saco, que ficava a uma distância de dois quilômetros de Mossoró, onde abandonariam as montarias e prosseguiriam a pé até a cidade.

O cangaceiro Sabino comandava duas colunas de vanguarda. Uma das colunas era chefiada por Jararaca e outra por Massilon.  Lampião ia no comando da coluna da retaguarda.

Enquanto voluntários se preparam para o combate, o restante da população, que não participariam do mesmo, tentava deixar a cidade.  Eram velhos, mulheres e crianças, pessoas doentes, que lotavam os caminhões ou automóveis a caminho do litoral. Os que não conseguiam transporte, tratavam de conseguir esconderijo fora da cidade. A ordem dada pelo prefeito era que quem estivesse desarmado saísse da cidade.

O desespero aumentava a medida que o dia avançava. Às onze horas da noite, os sinos das igrejas de Santa Luzia, São Vicente e do Coração de Jesus começaram a badalar, o que  aumentou a correria. As sirenes das fábricas apitavam repetidamente a cada instante. 

Na praça da estação da estrada de ferro, era grande a concentração de gente na busca de lugar para viajar nos trens. Até os carros de cargas foram atrelados a composição para que a multidão pudesse partir. 

O embarque de pessoal virou toda a noite e só terminou na tarde do dia 13 de junho, dia de Santo Antônio, quando foram ouvidos os primeiros tiros, dando início ao terrível combate. Mas a meta havia sido alcançada; a cidade estava deserta, exceto pelos defensores que das trincheiras aguardavam o ataque.

Ao entrarem na cidade o bando encontrou as ruas e casas abandonadas. Sabino encaminhou-se com suas colunas para a casa do prefeito. Os defensores da cidade ficaram indecisos, sem saber se ele era um soldado ou um cangaceiro, já que não havia muito diferença entre a maneira de se vestir de um e de outro. Foi preciso a ordem do prefeito Rodolfo Fernandes para que começassem a atirar.

A forte resistência comprometeu o desempenho dos cangaceiros. Lampião foge em direção ao cemitério da cidade enquanto que Massilon procura os fundos da casa do prefeito. O cangaceiro “Colchete” é atingido por um tiro, caindo morto. Jararaca se aproxima do corpo e também é atingido nas costas, tendo os pulmões perfurados.

No mesmo instante, os soldados entrincheirados na boca do esgoto começam a atirar, encurralando os cangaceiros. Os defensores dominam a situação e não resta outra solução aos cangaceiros se não abandonar a cidade. A ordem de retirada é dada por Sabino que puxando da pistola dá quatro tiros para o alto. É o fim do ataque.

Não foi um combate longo; iniciou-se as quatro horas da tarde, aproximadamente, sendo os últimos disparos dados por volta das cinco e meia da mesma tarde.

Lampião havia fugido, deixando estirado no chão o Colchete e dando por desaparecido o Jararaca, que depois seria preso. Com medo da revanche dos cangaceiros, os defensores permaneceram de plantão toda a noite, só descansando no outro dia, quando tiveram certeza que já não havia mais perigo.

Depois da resistência, a população começa a voltar para casa. É outra batalha para se conseguir transporte, juntar os parentes, desentocar os objetos de valores que tinham ficado escondidos e tantas providências mais.

No centro da cidade foi construído o Memorial da Resistência, um museu de exposições que destacam o tema do Cangaço e a resistência da cidade de Mossoró ao bando de Lampião. Composto cinco módulos para destacar diferentes temas e aspectos do Cangaço, o memorial apresenta exposição de vários painéis.

O módulo um conta a história do movimento e o módulo dois apresenta as biografias dos heróis da resistência mossoroense, ilustradas com fotografias. O módulo três, denominado "A Cidade", exibe fotografias que revelam a evolução da fisionomia arquitetônica de Mossoró. O módulo quatro, chamado "Portal", tem um salão de exposição, salas de projeção de filmes e consultas virtuais sobre temas relativos ao Cangaço e café literário.

Postagem baseada no texto do historiador, escritor e pesquisador mossoroense Geraldo Maia.

Confira outras fotos do Memorial da Resistência:





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