30 de março de 2024

Uma centena de atos para lembrar ditadura

Tropas do 1º Exército do Rio de Janeiro, no Golpe Militar de 64 (Foto: Arquivo Nacional)

Se, por decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o governo vai ignorar os 60 anos do golpe militar, a serem completados amanhã, a sociedade civil ligada aos direitos humanos, vítimas da ditadura e familiares de mortos e desaparecidos nas mãos do Estado naquela época, ao contrário, querem é lembrar dessa violações e expor os crimes cometidos por agentes do regime.

Ao todo, estão programados para ocorrer 113 eventos, como atos, marchas, exposições, manifestações em frente a centros de tortura, filmes e livros. A entidade Coalizão Brasil por Memória, Verdade e Justiça, Reparação e Democracia catalogou essa agenda e a batizou de "Remoer a ditadura para consolidar a democracia". A frase é uma referência, e também uma reação, a uma declaração de Lula, que afirmou não desejar "remoer" esse passado e sustentou ser preciso olhar para a frente.

Esses eventos têm início hoje, com uma exposição no Rio de Janeiro sobre aqueles dias, e se estende até 8 de abril, encerrando com debates sobre o educador Paulo Freire, seminário sobre a Guerra Fria e um documentário a respeito da ditadura no Brasil e na Argentina.

Caravana

Um dos atos previstos é a Marcha da Democracia, que ocorre na segunda-feira e vai repetir o caminho das tropas do Exército, que seguiram de Juiz de Fora (MG) para o Rio e Janeiro com o propósito de derrubar o então presidente João Goulart. Agora, o trajeto será invertido. Uma caravana sairá da capital fluminense para a cidade mineira, onde estão agendados vários eventos. A família de Jango participará.

A restrição imposta pelo governo não impedirá a Comissão de Anistia, vinculada ao Ministério de Direitos Humanos e Cidadania, de realizar três julgamentos históricos, na terça e na quarta-feira. Pela primeira vez, o Estado vai pedir perdão aos povos indígenas pela violência cometida pelos militares durante o regime.

Esse julgamento abrange os povos krenak, de Minas Gerais, e guarani-kaiowá, de Mato Grosso do Sul. A Comissão Nacional da Verdade levantou que cerca de oito mil indígenas foram perseguidos e mortos na ditadura. É um número superior aos de 434 de mortos e desaparecidos urbanos.

"Essas reparações coletivas dos indígenas representam que, pela primeira vez, em mais de 500 anos, o Brasil vai reconhecer que perseguiu os povos indígenas e vai pedir desculpas por isso", disse Eneá de Stutz e Almeida, presidente da Comissão de Anistia.

Por esse mesmo colegiado, o Estado vai se desculpar pelo fato de militares terem prendido e torturado nove chineses, em 3 de abril de 1964, acusados de serem subversivos e que estavam no Brasil para implantar o comunismo. Tratava-se de uma delegação diplomática, legal no país, e composta por comerciantes, intérpretes e jornalistas.

O terceiro caso emblemático a ser analisado, que muito certamente também será aprovado, é a anistia política para Clarice Herzog, que foi perseguida pelos militares pela atuação pedindo esclarecimentos a respeito do assassinato de seu marido, o jornalista Vladimir Herzog, ocorrido em 25 de outubro de 1975, nas dependências do Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi), em São Paulo, depois de ter sido preso e torturado.

Suicídio

Esses atos envolvem eventos de rua, debates acadêmicos e lembrança das vítimas da perseguição do Estado, casos de Frei Tito — um frade preso e torturado, com traumas e que se suicidou na França —, e de Carlos Marighella — guerrilheiro e fundador da Ação Libertadora Nacional (ALN), morto numa emboscada em 1969.

Os centros de tortura, cujas estruturas físicas existem até hoje, serão razão de protestos. Unidades dos antigos Doi-Codi e do Dops (Departamento de Ordem Política e Social), órgãos da repressão, serão alvo dessas ações, onde militantes, familiares e vítimas da ditadura vão realizar atos e discursos.

No Recife, uma sessão solene vai homenagear e lembrar a atuação da advogada Mércia Albuquerque, a maior defensora nos tribunais de presos políticos do Nordeste. A estimativa é de que a profissional atuou na defesa de cerca de 500 presos políticos.

A história da advogada virou peça recente — A lady tempestade — e teve a atriz Andrea Beltrão interpretando Mércia. A peça é baseada no livro Diários de Mércia Albuquerque, ela mesmo detida 12 vezes e, na cela, testemunhou a tortura de presos políticos que se tornaram seus clientes.

Confira alguns dos eventos marcados:

31 de março: 4ª Caminhada do Silêncio, cuja concentração será no antigo Doi-Codi, em São Paulo, local de tortura de presos políticos, em sessões comandadas pelo coronel Brilhante Ustra, considerado pela justiça um torturador.

1º de abril: Marcha da Democracia, caravana que sairá do Rio de Janeiro com destino a Juiz de Fora (MG), fazendo o caminho inverso das tropas militares que depuseram o então presidente João Goulart.

1º de abril:  Ato público em Aracaju, lembrando os 60 anos do golpe militar e de reivindicação da prisão para golpistas de 1964 e de 2023.

2 de abril: Julgamento na Comissão de Anistia, que, pela primeira vez, irá reconhecer a perseguição dos militares aos indígenas; e também o pedido de desculpas a familiares de nove chineses presos e torturados pela ditadura.

3 de abril: Clarice Herzog, viúva do jornalista Vladimir Herzog, será homenageada numa sessão especial na Câmara dos Deputados, na qual receberá a condição de anistiada política e o pedido oficial de desculpas do Estado.

5 de abril: Entrega do colar de honra ao mérito a Eunice Paiva (in memorian), que foi casada com Rubens Paiva, morto pela ditadura; Clarice Herzog, e Ana Dias, ex-companheira do operário Santo Dias, assassinado pelos militares. Na Assembleia Legislativa de São Paulo.

6 de abril: Ato público no Dops (Departamento de Ordem Política e Social), do Rio, que funcionou como centro de prisão e tortura de opositores do regime militar.

Com informações Correio Braziliense

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