12 de junho de 2025

Bolsonaro brincalhão com Moraes não combina com retórica de ataque ao STF, por Érico Firmo

Bolsonaro e família, há anos, questionam enfaticamente
a atuação do Supremo 
(Foto: Reprodução/STF)

A despeito da descontração, o interrogatório de Jair Bolsonaro (PL) pelo ministro Alexandre de Moraes trouxe complicadores para o ex-presidente, talvez no processo e certamente do ponto de vista da imagem pública. Nesse tempo de realidade compreendida a partir das versões construídas nos ambientes digitais, o aspecto que mais repercutiu foi a forma como a sessão transcorreu, o ambiente de aparente leveza e até bom humor. Isso hoje ecoa mais que o conteúdo e aquilo que é visto. 

Numa situação de grande tensão, é natural que se procure dissipar com brincadeiras. E há o espetáculo midiático. Fosse uma audiência fechada e não transmitida para enorme audiência, Bolsonaro não faria piada ao chamar Moraes para ser vice. Ele sabe como dominar certas situações de forma a fazer com que viralizem. Todo mundo falou disso.

Entretanto, talvez seja nessa esfera, da percepção pública, que o ex-presidente tenha a derrota mais evidente com o interrogatório. Porque a forma como tudo se deu contrasta absolutamente com todo o discurso construído contra o Supremo Tribunal Federal (STF). Oscilando entre a tensão e a brincadeira, o ambiente foi de absoluta normalidade. Há o confronto de versões, natural dentro da institucionalidade e que é a razão de as questões serem resolvidas no âmbito judicial. Não houve nada além disso. Não houve anomalia. O que havia eram as partes com o direito de se expressar, com as garantias asseguradas, dentro do processo legal.

Bolsonaro e família, há anos, questionam enfaticamente a atuação do Supremo e de alguns ministros. Confrontam e apresentam o tribunal como o maior problema do Brasil, fonte de arbitrariedade e perseguição. É difícil sustentar esse discurso quando o ex-presidente faz piadinha, convida o ministro para vice, diz que “exagerou na retórica” e por aí vai.

Obviamente que o mínimo de cortesia era imprescindível na situação, nenhuma defesa seria maluca de permitir que fosse diferente. Mas não precisava ir ao requinte da piada. Quando o hoje presidente Lula (PT) depôs a Sergio Moro, levado em condução coercitiva, ou quando foi interrogado, não houve clima para brincadeira. Não se cruzou o limiar da educação, mas houve enfrentamento. Lula questionou os acusadores e o juiz. Não que Bolsonaro precisasse agir assim, mas a postura não foi compatível com aquilo que diz nos palanques, nos vídeos, nem com o que insufla os apoiadores a fazer.

No Judiciário, partes antagônicas se confrontam. Em 100% das sentenças alguém sai insatisfeito. É normal — inclusive manifestar essa insatisfação, dentro da institucionalidade e da democracia. O Judiciário não é imune à crítica. O que é necessário é garantir os direitos das partes à ampla defesa e que haja julgamento imparcial. Quase todos reclamam dessa parte quando a decisão desagrada.

O aspecto jurídico

Do ponto de vista jurídico, os depoimentos trazem potenciais complicadores. Bolsonaro admitiu que cogitou e discutiu hipótese de decretar estado de sítio depois que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) se recusou a anular parte dos votos da eleição — o que daria a vitória a ele. É evidente que o decreto não era cabível em tal situação. O TSE rejeitou o recurso eleitoral e o estado de sítio seria a última instância para recorrer. Faça-me o favor. Além disso, o ex-comandante da Marinha, Almir Garnier, reconheceu ter visto “apresentação na tela do computador” sobre possibilidade de decretar garantia da lei e da ordem (GLO).

Infelizes coincidências

Uma coisa que me divertiu nos interrogatórios foi a sequência de infelizes coincidências. Garnier comentou o desfile de tanques na Esplanada dos Ministérios em agosto de 2021, dia em que a Câmara votou — e rejeitou — a PEC do voto impresso. “Foi uma coincidência”, disse o almirante. Ah, bom.

Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, disse que a minuta do golpe foi achada na casa dele por “fatalidade”. Ser encontrada, talvez. Porque não tem como ter parado na casa dele por fatalidade.

Publicado originalmente no portal O Povo +

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