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| Oferta de água também diminuirá, com mais calor e mais evaporação (Foto: Fábio Lima) |
Os terrenos tidos como áridos no Ceará, que não chegavam a 1% entre os anos 1961-2014 e com a mesma extensão de área até 2040, deverão avançar para 16% entre 2041-2070. E a projeção é que ultrapassem 38% nas décadas 2071-2100. A área total sob condições de seca, quando somados trechos áridos e semiáridos (estes em 57,41% no fim do período), será mais de 95% do Estado.
Também há um cálculo feito de que haverá queda na disponibilidade hídrica cearense, em torno de 25%, já por volta de 2070. Uma “redução drástica” da água que chega nas torneiras da população, no fornecimento para a indústria ou a que atende a agricultura. Essa vazão outorgável cairia dos atuais 100 para 75 metros cúbicos por segundo (m³/s) nesse período estimado. Cada m³/s equivale a mil litros por segundo.
Tudo
consequência da pressão exercida pelas mudanças climáticas globais e
considerando o nível mediano das emissões de gás carbônico (CO2) na atmosfera.
É o chamado efeito estufa. A radiação incidirá em 4,5 Watts por metro quadrado.
Numa caricatura, é como “um sol para cada um”.
É esta a conta mais recente em relação a tempo e áreas locais a serem afetadas no Estado. Num contexto de emissões mais altas, o quadro previsto também muda, se agrava proporcionalmente.
As
informações são de relatório do Centro Estratégico de Excelência em Políticas
de Águas e Secas (Cepas), da Universidade Federal do Ceará (UFC), em formato de
boletim, emitido especialmente no período da 30ª Conferência das Nações Unidas
sobre Mudança do Clima (COP 30), realizada em Belém (PA).
Segundo o documento, muito do que é atualmente trecho semiárido deverá ser reclassificado como árido. Regiões subúmidas, que são por exemplo as faixas de serras no Ceará, também mudarão de condição, também estarão mais secas, como semiáridas. E toda a escala será reposicionada, expondo as vulnerabilidades locais diante da pressão climática no planeta.
A pesquisa se deteve na área total dos nove estados do Nordeste. Os dados do recorte Ceará foram repassados ao O POVO pelo diretor do Cepas, professor Francisco de Assis Souza Filho. Apesar dos índices diferentes, a região recebeu o mesmo desalento no prognóstico.
O
percentual de área árida no Nordeste deve aumentar de 3% (anos 1961-2014) para
26% (2071-2100), o que significa 1/4 da região no cenário mais problemático.
Nesse tempo, o território avança de 46% para 85,7% na soma das manchas áridas e
semiáridas.
As projeções apontam uma aridização ampla, antecipada e espacialmente consistente em todo o Nordeste, especialmente no Ceará, a partir da informação do Índice de Aridez (IA)", destaca o relatório. "Nenhuma área teve melhora", confirmou Assis Filho, na média dos 19 modelos de análise utilizados no trabalho.
Os pesquisadores utilizaram a classificação climática de Thornthwaite, adotada mundialmente, que reconhece os perfis árido, semiárido, subúmido e úmido. O diretor do Cepas explica que é analisado o balanço hídrico comparando o aporte de chuvas com o gasto de evapotranspiração e o armazenamento de água no solo. É o que define o nível de aridez.
Foram avaliados quatro períodos: 1961-2014 (histórico), 2015-2040, 2041-2070 e 2071-2100. E as categorias “mais seco e pessimista”, “mediano” e “mais úmido e otimista”, com emissões muito altas ou medianas de CO2.
“Sertões dos Inhamuns, Centro-Sul, Médio e Baixo Jaguaribe e Cariri passam a ser semiáridos já entre 2015 e 2040, apresentando manchas áridas em meados do século (XXI). Os refúgios altimétricos e litorâneos (Serra da Ibiapaba, Maciço de Baturité e Chapada do Araripe) resistem por mais tempo, mas encolhem e se fragmentam até 2100, restando apenas bolsões úmidos descontínuos”, detalha o relatório.
A
caatinga, que é a floresta do semiárido nordestino, estará fortemente
impactada, segundo Assis. "Ela vai ser muito pressionada nesse processo
como um todo e a nossa produção de água e uma série de outros serviços
ambientais estão associados à caatinga". Ele garante que a vegetação não
está condenada, mas "precisará de um manejo mais cuidadoso".
O desmatamento, reforça, torna o processo "mais dramático". Haverá "pressão muito forte na agricultura de pequeno porte", o que pode ocasionar "deslocamentos populacionais".
Entre as sugestões feitas pelo documento estão que a "gestão adaptativa dos recursos hídricos deve ser perseguida como estratégia necessária de convivência com o clima e o mundo em mudança". “O relatório sinaliza que a gente tem que trabalhar uma estratégia inteligente de adaptação, que é a nossa velha frase de convivência com o semiárido. É um sinal de alerta importante", afirma Assis.
O diretor destaca que o momento da COP30 e o fortalecimento de políticas públicas que antecipem o que está projetado. "O futuro está sob disputa, dependendo das decisões que os homens tomarem".
Oferta
de água diminuirá, com mais calor e mais evaporação

Professor
Assis de Souza Filho, diretor do Cepas/UFC (Foto: Viktor Braga)
O Cepas/UFC, no boletim nº 3 emitido para a COP 30, reforça a projeção de que as mudanças climáticas globais deverão diminuir significativamente a disponibilidade de água no Ceará ao longo do século XXI em diferentes regiões do Estado.
"A temperatura projetada e regionalizada aumenta de +1,7 °C a +2,9 °C (cenário mediano) e de +3,1 °C a +4,9 °C (cenário mais pessimista de aquecimento) até 2100", indica o documento. A medida, conforme o estudo, trará "reflexo direto na elevação da evapotranspiração potencial, que pode crescer até 13% no cenário mais extremo".
Como consequência, as chuvas "tendem a reduzir de 4% a 7% no cenário intermediário e de 7% a 11% no cenário de alta emissão", com aumento da irregularidade nos períodos anuais considerados na pesquisa.
Essas condições tanto devem reduzir aportes nos açudes como afetar as vazões regulares. Mesmo com o sistema interligado no Estado, o relatório do Cepas aponta que "a sustentabilidade hídrica do Ceará dependerá de estratégias diferenciadas por região, combinando eficiência no uso da água, diversificação de fontes e inovação tecnológica".
O estudo diz que os reservatórios estarão mais pressionados, a evaporação aumentará, as interligações deverão ser ainda mais importantes e fontes complementares, como reúso e dessalinização, precisarão ser implementadas.
Em dezembro de 2018, outro estudo feito por pesquisadores do Instituto de Engenharias e Desenvolvimento Sustentável, da Unilab, em parceria com especialistas da UFC e da Funceme, já apontava sinalização de aumento das zonas de clima árido no Nordeste, a partir da influência das mudanças climáticas, com ameaça às reservas hídricas. E indicava a transposição do rio São Francisco como uma das medidas "a minimizar futuros problemas de abastecimento e conflitos pelos múltiplos usuários de água".
A pressão climática, associada a projeções do aumento de problemas de saúde, de migração para áreas urbanas e da demanda por água, diante do aumento da população e das riquezas "poderão pressionar os hidrossistemas brasileiros acima do limite sutentável nas próximas décadas", apontou o trabalho "Influência das Mudanças Climáticas, projetadas pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), na aridez do Brasil".
O estudo foi publicado na revista especializada Aidis, de engenharia e ciências ambientais. É assinado pelos pesquisadores José Micael Ferreira da Costa (Unilab), Antonio Duarte Marcos Júnior (Unilab), Cleiton da Silva Silveira (UFC) e Francisco das Chagas Vasconcelos Júnior (Funceme).
Ações tentam reduzir danos climáticos
A Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), o principal órgão estadual de monitoramento das informações de tempo e clima, descreve que projeções como a do Cepas ajudam a definir estratégias para mitigar os impactos da aridez e semiaridez mais intensas no Ceará.
Segundo o presidente, Eduardo Sávio Martins, a orientação técnica é "trabalhar com faixas de cenário e 'gatilhos' operacionais por bacia (hidrográfica), sem tomar um único número como determinístico".
Ele afirma que as linhas de ação miram a redução imediata de danos e por alguns anos adiante, com efeito "já na próxima quadra chuvosa de 2026, e no médio prazo", até o ano 2035.
O índice de aridez é usado como "métrica de corte no planejamento de cenários para priorizar territórios, onde a aridez se agrava primeiro, mais rápido, e calibrar 'gatilhos' de medidas" a serem adotadas.
Martins cita as operações de controle de vazão em reservatórios, perfuração emergencial de poços ou deflagração de planos de contingência. "Estudos recentes de mapeamento de aridez e suscetibilidade à desertificação no semiárido dão a base espacial para isso", confirma.
As previsões climáticas feitas pela Funceme, segundo ele, são encadeadas com decisões na gestão hídrica, para antecipar cenários de aporte de chuvas e resguardar o abastecimento humano prioritário e de indústrias e produção rural.
"A literatura recente também aponta tendência de redução de vazões mínimas e maior duração de secas, por isso endurecemos os testes de estresse hídrico nos planos de secas", acrescenta.
Em ações de curto prazo, conforme Martins, há os "alertas precoces de seca e calor", o entendimento do perfil de demandas, as operações nos grandes açudes, "rodízios calibrados" e o reforço de adutoras do projeto Malha D'Água "para garantir água tratada aos núcleos urbanos/distritais prioritários com maior eficiência na distribuição".
A médio prazo, até 2035, o presidente da Funceme cita a "adaptação produtiva" e a "eficiência do uso da água no campo (forragem, leite, reuso, irrigação eficiente), junto com governança territorial (integração água-agricultura-meio ambiente)".
A partir do que está projetado no relatório do Cepas, a Funceme descreve que os programas Malha D'Água, Sertão Vivo e Sertões agem sobre as demandas urbanas, rurais e de governança, respectivamente.
"O Malha d'Água reduz a exposição do abastecimento humano às secas plurianuais. O Sertão Vivo baixa a demanda hídrica vulnerável via sistemas produtivos mais estáveis e eficientes. Sertões fecha o 'gap' de coordenação estado-município-comunidades, essencial quando a aridez se intensifica", explica Martins.
Para assegurar que novos investimentos não agravem o estresse hídrico, como a perspectiva de o Ceará sediar grandes data centers internacionais, o presidente da Funceme diz que o Estado exige "stress-tests" climáticos já nas fases de licenciamento. Estes testes devem prever balanços hídricos sazonais e cenários de pior caso (baixas vazões).
Os parques de armazenamento de dados são grandes consumidores de água, pela necessidade de resfriamento permanente das estruturas, o que tem agregado polêmica ao possível investimento. No último dia 12, o governador Elmano de Freitas (PT) afirmou que o Ceará planeja reutilizar água de esgoto tratada para abastecer empresas de armazenamento e processamento de dados.
Um
data center que será construído em Caucaia prevê consumo energético de 210
megawatts (MW), equivalente ao gasto diário de mais de 2,2 milhões de pessoas,
que é quase o mesmo da população de Fortaleza (2,5 milhões).
Publicado
originalmente no portal O Povo +
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