1 de novembro de 2025

Guerra no Rio vira bate-boca político

Membros da unidade especial da Polícia Militar antes operação na favela do Penha no Rio de Janeiro (Foto: Aline Massuca)

O apoio imediato de governadores de direita ao colega do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), após a operação policial na capital fluminense que deixou mais de 120 mortos, não disfarçou o interesse eleitoral em relação à segurança pública. E mostra que a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva não encontrará um ambiente receptivo para tocar as propostas de modernização legal e institucional das políticas de segurança pública do país. Ao contrário, depois da megaoperação, direita e esquerda passaram a buscar a liderança desse debate. Nesta sexta-feira, ministros do Executivo rebateram as críticas dos governadores e os acusaram de fazer da crise um palanque eleitoral.

A politização do debate pode prejudicar o avanço de projetos que, no entendimento de especialistas na questão da violência urbana, são fundamentais para a criação de um sistema que integre as ações dos estados com a estrutura do governo federal. O principal é a chamada PEC da Segurança, que tramita no Congresso. A proposta visa incluir o Sistema Unificado de Segurança Pública (Susp) na Constituição, assegurando uma estrutura legal definitiva. Para o governo, medida fundamental no sentido de integrar o trabalho das forças de segurança estaduais e municipais às forças federais.

Após a reunião de Castro com os governadores de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo); de Goiás, Ronaldo Caiado (UB); de Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel (Progressistas); e Jorginho Melo (SC); e da vice-governadora do DF, Celina Leão (Progressistas), além de Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo, na noite de quinta-feira, no Palácio Guanabara, o tom das críticas ao governo federal foi elevado a ponto de não se disfarçar o interesse no voto do eleitor no ano que vem. Ao anunciar a criação de um "consórcio da paz" entre os estados, os governantes deixaram subentendido que o governo federal não será incluído. E tentaram puxar para o lado da direita o papel de coordenar a integração das forças policiais dos estados, uma medida apontada como fundamental pelos estudiosos do problema da violência urbana e do avanço do crime organizado.

Ao fim da reunião, Ronaldo Caiado e Romeu Zema, ambos pré-candidatos à Presidência da República em 2026, não pouparam o governo Lula de críticas. O tom foi de confronto e de resgate do "nós contra eles", com apoio ao discurso de Castro de que o Rio de Janeiro não recebeu atenção das áreas federais que cuidam de segurança. "O desinteresse (do governo federal) é total em dar apoio ao Rio de Janeiro. E não interessa essa pauta a eles, porque eles são complacentes (com o crime)", frisou Caiado.

Ministros do governo reagiram à ofensiva dos governadores. O titular da Secretaria-Geral da Presidência, Guilherme Boulos, chamou a iniciativa anunciada pelos gestores de "consórcio antipatriótico".

"Governadores de extrema-direita se reuniram para atacar o governo federal e defender a posição de (Donald) Trump, que qualifica o narcotráfico como terrorismo. Não é uma definição ingênua: é a base retórica que os EUA têm usado para justificar intervenção armada na América Latina", disparou, no X. Na avaliação dele, os governadores têm o intuito de "usar a crise do Rio de Janeiro para fazer demagogia eleitoral".

A ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, também criticou. Ela disse que o grupo de governadores "investe na divisão política". "Segurança pública é uma questão muito importante, que não pode ser tratada com leviandade e objetivos eleitoreiros. Combater o crime exige inteligência, planejamento e soma de esforços", ressaltou no X.

O professor da Universidade de Brasília e especialista em segurança pública Antônio Flávio Testa ressalta que "o pacto federativo atribui a segurança aos estados, aos governadores". "Só que a maior parte do recursos vem do governo federal. Mas nunca houve nenhum governo federal com interesse em administrar um plano estratégico de integração nacional. O discurso só vem quando acontece uma tragédia", afirma.

Ele não tem dúvida de que esse será um dos assuntos mais explorados pelos candidatos nas próximas eleições, inviabilizando a negociação de consensos para modernizar a legislação e redefinir os papéis dos entes federativos. A própria PEC da Seguranca — que propõe a integração dessas forças, a padronização da coleta de dados e informações de inteligência, além de definir fontes de financiamento do setor — vai encontrar muitas barreiras para avançar no Congresso, dada a pressão dos governadores de não abdicar do controle total de suas polícias.

"Essa PEC não vai passar, não tem como prosperar. Vai sair uma colcha de retalhos. Falta um mês para o Congresso entrar em recesso. Temos uns quatro ou cinco governadores que estão unidos na defesa das atribuições atuais de suas forças policiais. Teria que haver uma reorganização do pacto federativo brasileiro, uma reforma constitucional. E tem a reforma do Sistema Penitenciário Brasileiro, que ninguém fala sobre isso", analisa Testa.

Para ele, o que pode mover a classe política no sentido de avançar na modernização da segurança pública é, paradoxalmente, o "pânico da população". "Isso pode levar a uma pressão por mudanças, mas você tem que ter uma aliança de fato entre os Três Poderes."

Repactuação

Moradores do Complexo da Penha e Alemão protestaram contra a megaoperação (Foto: Pablo Porciuncula)

A pesquisadora da Universidade Federal Fluminense (UFF) Jacqueline Muniz, especialista no tema, concorda com a necessidade de uma repactuação federativa para a área da segurança pública, com a readequação dos papéis das instituições e das corporações no combate à violência. Mas critica a atual PEC da Segurança, por não mexer no que ela chama de "monopólio do poder de polícia", referindo-se às corporações estaduais, com grande poder de pressão sobre os governadores.

"Você não pode ter na Constituição o monopólio das polícias. O que você põe na Constituição é a competência dos entes federados. Aqui, são as polícias que comandam os governantes."

Para ela, o debate deveria seguir o rumo da integração das forças policiais, mas a proximidade do calendário eleitoral acaba distorcendo o debate político, pautado por eventos trágicos o do Rio. Haverá, para ela, uma profusão de "propostas miraculosas" vindas de "salvadores da pátria".

Publicado originalmente no Correio Braziliense


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