1 de setembro de 2022

Foi uma mulher traída quem assinou independência do Brasil

Leopoldina, Imperatriz consorte do Brasil, em recorte do quadro de Luís Schlappriz no Museu do Estado de Pernambuco. (Foto: Reprodução/MEP)

Independência do Brasil, 7 de setembro de 1822 —quando você aprendeu sobre este momento histórico na escola, provavelmente viu o quadro de Pedro Américo que mostra Dom Pedro I sobre um cavalo, com uma espada em punho e rodeado por militares às margens do Rio Ipiranga, dando o famoso grito "independência ou morte". Mas, acredite: quase nada nesse quadro é verdade, a começar pelo fato de que quem assinou a independência não foi Pedro, e sim sua mulher, a princesa Leopoldina.

"Leopoldina teve um papel fundamental: ela assumia como princesa regente toda vez que Dom Pedro se ausentava. Na Independência, era ela quem estava no comando", contou a Universa a historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz.

O documento, na verdade, foi assinado em 2 de outubro, enquanto Pedro estava em São Paulo e Leopoldina governava o Brasil —a primeira mulher a fazer isso na história do país, aliás. Nesta data, ela convocou e presidiu uma reunião do Conselho de Estado, que decidiu: deveria ser proclamada a independência do Brasil.

Dom Pedro só soube da decisão cinco dias mais tarde, em 7 de setembro —mesmo assim, o coração dele, e não o dela, foi recebido com honras de chefe de estado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) no Palácio do Planalto, em celebração aos 200 anos da Independência.

"Independência ou Morte", quadro de Pedro Américo concluído em 1888, a pedido de Dom Pedro 2º no Museu do Ipiranga em São Paulo (Foto: Raimundo Soares)

"Na história brasileira, as mulheres sempre aparecem como 'esposa de' ou 'filha de'. Com Leopoldina, não foi diferente: ela era uma cientista, chegou aqui com a missão científica de estudar e catalogar a fauna e a flora brasileiras", conta Lilia Schwarcz.

Quando veio ao Brasil, Leopoldina encheu sua tripulação com cientistas, botânicos e pintores, conhecidos como Missão Científica Austríaca. "Ela também tinha um papel importante nas grandes decisões do império. Mesmo assim, ficou para a história como esposa de Dom Pedro".

Leopoldina sofreu com depressão e maus tratos

"Começo a acreditar que somos muito mais felizes quando solteiros. Infelizmente, vejo que não sou amada", disse a princesa, em 1821, em correspondência à irmã, Maria Luísa. Essa é apenas uma das cartas em que ela se queixa do relacionamento com Pedro.

Os dois se casaram à distância, por correspondência, quando ainda eram desconhecidos, para selar uma aliança diplomática entre Portugal e Áustria. Aos 20 anos, ela encarou uma viagem de seis meses de navio para confirmar o casamento.

"Leopoldina foi certamente molestada psicologicamente. Nas correspondências com a irmã, ela se diz abandonada, traída e mal-amada. Descobri no arquivo do Museu Imperial de Petrópolis uma carta dela a um afilhado em que descreve seu estado, meses antes de morrer. Dizia que não dorme mais e só pensa em morrer. Ela sofreu uma violência psicológica", afirma.

A historiadora Mary Del Priore disse à BBC Brasil que Leopoldina "sofreu violência psicológica". Em outras cartas, ela chega a dizer que não dormia mais e só pensava em morrer —o que aconteceu quando ela tinha 29 anos.

Há, ainda, registros de uma crescente falta de vaidade com suas vestimentas e descaso com a aparência, relacionada com um possível quadro de depressão.

A Universa, Lilia Schwarcz diz que os relatos de maus tratos que Leopoldina sofreu durante o casamento e a pecha de que Dom Pedro era um marido ruim eram tão fortes na realeza que ele teve dificuldades de arranjar um novo casamento depois que ela morreu —lembrando que o casamento, naquele contexto, era tratado como um arranjo político.

Leopoldina presidindo a sessão do Conselho de Estado do Brasil, em pintura de Georgina de Albuquerque no Museu Histórico Nacional (Foto: Reprodução/MHN)

Seu papel só foi reconhecido após 100 anos Lilia explica, ainda, que o famoso quadro de Pedro Américo foi uma encomenda feita por Dom Pedro 2º, em homenagem ao pai, 66 anos depois da Independência. E, justamente para honrar a encomenda, o pintor exaltou a imagem do príncipe, reforçando sua virilidade, como ele mesmo reconhece, em livro publicado pouco depois.

"O Pedro Américo colocou Dom Pedro 1º nessa posição em cima de um cavalo, com uma espada, que é um símbolo de virilidade. Ele sabia que o terreno do Ipiranga era plano, mas pintou o príncipe no alto, mais elevado, para dar grandeza. E também sabia que ele não estava a cavalo, porque só se vencia longas distâncias no lombo de burros", conta a historiadora e antropóloga.

Ela destaca, ainda, outras duas incongruências: o uniforme que os outros homens usam sequer existia na época, foi criado apenas no ano seguinte, ele eles viajavam usando roupas mais leves, de algodão; além disso, o riacho do Ipiranga não seria visível daquele ângulo.

Foi apenas no centenário da Independência, em 1922, que a princesa Leopoldina foi retratada devidamente como responsável pela Independência do Brasil, graças à pintora Georgina Albuquerque: presidindo a reunião do Conselho de Estado e assinando o decreto.

Publicado originalmente no Universa/UOL

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