12 de março de 2023

As ricas histórias paleontológicas do noroeste do Ceará

Professora Somalia apontando icnofósseis não identificados ainda
no Balneário Paraíso das Águas em Ipueiras (Foto: Arquivo LABOPALEO/UVA)

A 543,2 quilômetros de distância da capital cearense da Paleontologia, Santana do Cariri, em uma viagem de sete horas e meia de carro, chega-se a Sobral. Conhecido como antro do sucesso educacional do Estado, o município também guarda grande potencial na pesquisa sobre fósseis, estudados sistematicamente há duas décadas,

O noroeste do Ceará é uma mesorregião composta por 47 municípios, entre eles Sobral. É lá que está a Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), a responsável pelos sítios fossilíferos do noroeste finalmente serem estudados e catalogados, inclusive com planos para a criação de geossítios inspirados no Cariri, por meio do Laboratório de Paleontologia (Labopaleo/UVA).

Tudo começou com a chegada da geóloga e paleontóloga Somália Viana à UVA em 2003. Informada de uma coleção de fósseis no Museu Diocesano Dom José (atualmente fechado para reformas), a professora decidiu organizar o acervo e designar os seus 23 alunos para os 24 locais com ocorrências fossilíferas da região.

Neles, os pesquisadores descobriram uma riqueza paleontológica capaz de contar outros capítulos da evolução da biodiversidade cearense. Enquanto o Cariri encanta com pterossauros, dinossauros, peixes e insetos, o noroeste traz as marcas de ondas e outras atividades microbianas do período Cambriano, as pistas dos primeiros seres vivos a rastejar pela terra e da fauna marinha impressa em cachoeiras do Siluriano e as ossadas dos mamíferos gigantescos do Quaternário.

Existem ainda raízes fósseis de apenas milhares de anos nas dunas que vão do Pecém a Bitupitá ao lado de representantes da mesma espécie vivos hoje.

“O aspecto desses fósseis é completamente diferente dos do Cariri”, conta Somália em entrevista ao O POVO+ durante a Reunião Anual Regional da Sociedade Brasileira de Paleontologia - Nordeste de 2022. O evento ocorreu entre os dias 8 e 10 de dezembro, nos quais o jornal marcou presença e pode conversar com vários paleontólogos.

Período Siluriano: os primeiros vermes e as anêmonas nas cachoeiras

A redescoberta dos fósseis do Noroeste ocorreu quando a professora chegou a Sobral e viu a coleção científica do Museu Dom José. Lá, o primeiro bispo da Diocese de Sobral José Tupinambá da Frota recebia peças curiosas doadas pela população.

O hábito de entregar coisas ao museu continuou e, em muitos casos, também eram levadas fotografias dos locais onde os materiais eram encontrados. Em uma dessas, os paleontólogos viram icnofósseis, ou seja, fósseis de pegadas, marcas de repouso e até cocô. “Nada do corpo do bicho, mas o registro das atividades deles.”

“Eram coisas inéditas e em um ambiente relativamente inóspito, que a gente sabia que não ia se degradar tão rapidamente”, conta Somália. A ambientação reclusa era importante para garantir a preservação dos materiais, geralmente em risco pela urbanização.

O primeiro sítio visitado foi Serrinha, em Pacujá. Era uma trilha íngreme de seis quilômetros (km) que desembocava em um sítio paleontológico de icnofósseis, todos encontrados nas pedras das cachoeiras.

Depois, a equipe visitou outros três pontos, indicados pela mesma pessoa de Serrinha, onde o achado foram moldes de anêmonas. “A princípio, quando ele me mostrou, ele achava que eram impressões rupestres”, ri a professora, pela real dificuldade ― mesmo profissional ― de se identificar e diferenciar icnofósseis.

Mas esses seres marinhos não tinham vivido com os dinossauros. Eles são muito mais velhos que os animais que preenchem o imaginário popular; são do Paleozóico, uma grande era entre 570 e 245 milhões de anos, dividida em seis períodos.

Os seres responsáveis pelas marcas deixadas principalmente na Serra da Ibiapaba são do período Siluriano, há 443 milhões e 416 milhões de anos. São desconhecidos em espécie exata, já que muitos tipos de animais poderiam deixar o mesmo tipo de rastro, portanto os fósseis recebem o nome de “icnoespécie” ― a espécie vai descrever o tipo de marca, se é uma marca de repouso, de caminhada lenta ou de caminhada rápida.

“Nós podemos ampliar o leque de riqueza fossilífera no nosso Estado”, explica Somália. Para ela, o mais maravilhoso dos icnofósseis é como eles preservam traços da vida cotidiana, não do momento da morte. “O significado dos icnofósseis é maior que eles.”

Período Quaternário: mamíferos gigantes e vegetais fossilizados

Saindo de um passado muito distante, o Noroeste e o Norte do Ceará também permitem a exploração do período Quaternário, de 2,5 milhões de anos atrás até a atualidade. Nesse meio tempo, ocorreu a época do Pleistoceno, quando vingaram os mamíferos gigantes e os humanos já andavam por aqui.

Enquanto os icnofósseis estão presos com rocha dura nas cachoeiras, as ossadas de mamíferos são encontradas em fundos de tanques naturais. A fauna abrigava preguiças-gigantes, megatérios, tatus gigantes e mastodontes. Mas diferente dos dinos do Cariri ou dos icnofósseis da Ibiapaba, os fósseis dos gigantes estavam soltos, não em pedra.

Imagine que um mastodonte (primo dos mamutes) morreu perto de uma vala. Com o passar do tempo, sobram os ossos à deriva das influências climáticas. Imagine que choveu muito e a ossada do animal foi arrastada para a vala, soterrada e, depois, submersa na água da chuva que se acumulou.

Agora avance milhares de anos e imagine que você mora em Irauçuba e procura tanques naturais para coletar água e, tcharan, você encontra ossos enormes. Eles pertencem àquele pobre mastodonte falecido, e quem sabe quantos outros seres mais.

Por outro lado, existem também muitas cavernas cearenses que guardam fósseis do começo do Holoceno, iniciado há 11,65 mil anos. Em Ubajara, a Gruta do Urso Fóssil, datada entre 7 mil e 9.410 anos, já revelou invertebrados, marsupiais (monodelphis), guaxinins, tatus, roedores, aves, serpentes, lagartos, anuros e peixes.

Entre icnofósseis, mamíferos gigantes e outros animais do Holoceno, o Museu Dom José tem um acervo de 3 mil fósseis.

Patrimônio e potencial de desenvolvimento

A pesquisa na UVA tem andado bem, com muitos alunos da graduação em Biologia se formando e seguindo carreira acadêmica dedicada a explorar o potencial fóssil do Noroeste e Norte cearense. Um deles é o biólogo Thiago Lima, agora mestrando em Geologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

Atualmente, o paleontólogo estuda o patrimônio in situ, ou seja, os fósseis que estão nos sítios, sem terem sido coletados com destino a museus ou a universidades. “Eu trabalho com a descrição de afloramentos grandes, para depois voltar com essa pesquisa para as pessoas”, explica.

O estudo visa a identificar os pontos mais e menos excepcionais, para descobrir quais demandam mais preservação e quais poderiam ser visitados com frequência. “Porque nem todo lugar precisa ser preservado, mas é claro que cada um precisa ser cuidado”, reforça.

Eles querem atingir os gestores municipais para estimular o desenvolvimento sustentável na região. A ideia é criar mecanismos inspirados no sucesso da Urca e do Cariri: “O Crato mudou completamente [depois da Urca e do foco no estudo paleontológico]”, comenta a professora Somália, considerando que Sobral e arredores podem viver a mesma transformação.

Para isso, é preciso investimento em ciência, em turismo e na economia regional. Na perspectiva de bolsas a nível federal, o assunto é sensível. O desmonte da Ciência brasileira no último governo desestabilizou os pesquisadores e praticamente toda a pesquisa científica nacional.

Por outro lado, a Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap) tem mobilizado estratégias para garantir não apenas o investimento na ciência, como a interiorização dela. A Bolsa de Produtividade em Pesquisa, Estímulo à Interiorização e à Inovação Tecnológica (BPI) é uma delas, objetivando fixar doutores cientificamente produtivos nas instituições de municípios do interior do Ceará.

Segundo Somália, o vice-reitor da UVA, Francisco Carvalho de Arruda Coelho, se mostra interessado em expandir os trabalhos do Labopaleo/UVA. Existe a pretensão de criar geossítios e, quem sabe, um geoparque na região norte do Estado, assim como no Cariri. Para isso, os estudantes da UVA, incluindo Thiago, fizeram um mapeamento com os sítios paleontológicos possíveis e confirmados do Noroeste e Norte.

Além disso, um mapa turístico para visitação de fósseis está sendo construído pela equipe. Até o momento, 13 sítios paleontológicos têm potencial de visitação.

Alguns municípios do Ceará com ocorrências fossilíferas

Este mapa é uma reprodução das informações do "Atlas de Paleontologia: Fósseis da região Norte do Ceará", produzido e organizado pela equipe da Universidade Regional do Vale do Acaraú (UVA).

Clique nos ícones para ler mais detalhes sobre os fósseis encontrados. Em alguns, você verá que a equipe visitou a localização e não encontrou vestígios: isso ocorre porque a existência do suposto fóssil foi mencionado em pesquisas um pouco mais antigas, mas não estava mais no local.

Com informações portal O Povo Online

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