14 de abril de 2023

Como evitar que o jornalismo e as mídias sociais propaguem o pânico, por Cláudio Ribeiro

O presidente da Associação Nacional de Jornais, Marcelo Rech, defende que as redes devem assumir de vez suas responsabilidades (Foto: Reprodução/ANJ) 

A aflição sobre os episódios violentos dentro das escolas, com casos espalhados pelo Brasil e incluindo um mais recente no Ceará, transbordou a discussão para o papel pedagógico, e não alarmista, que as mídias devem desempenhar. Nesse grupo se incluem veículos de imprensa tradicionais, jornalistas, produtores de conteúdos e toda a multiplicidade das redes sociais. O debate tem listado ações práticas e conceituais que podem ser adotadas de imediato. Desde o uso de imagens e palavras à regulação das plataformas e ambientes de informação.

"Não podemos deixar de falar sobre esse fenômeno que está acontecendo, é importante discutir isso. Mas não podemos dar publicidade aos casos que acontecem pontualmente. Isso tem um efeito deletério muito grande", indica o promotor de justiça Lucas Azevedo, coordenador do Centro de Apoio Operacional da Infância e da Juventude do Ministério Público Estadual (Caopij-MPCE). Para ele, é importante que a imprensa, ao noticiar os fatos, não exponha detalhes do ato delituoso, para prevenir que novos ataques possam acontecer.

É o que também pontua a presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Samira de Castro. "Há a necessidade de informar, mas com cuidado para não aumentar o pânico generalizado, sobretudo entre as famílias e os profissionais da educação". Segundo ela, os manuais sobre procedimentos jornalísticos das redações precisam acompanhar as dinâmicas sociais e reforçar a proteção das pessoas em situação de vulnerabilidade. "Pactuar novas regras para cobrir esse tipo de crime bárbaro é necessário. Por exemplo: não divulgar informações ou dados sensíveis sobre vítimas e suas famílias; redobrar a atenção quando os casos envolvem crianças e adolescentes, protegidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente".

O presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech, amplia: "Os veículos de comunicação, de uma forma geral, têm seus códigos de conduta, que são constantemente atualizados, como no caso de muitos que decidiram não dar nomes e detalhes de quem comete tais massacres. O problema central é, de fato, o estímulo a esses crimes, seja de forma direta ou indireta, com a celebrização dos autores, via redes sociais". Ele entende que as redes devem assumir de vez suas responsabilidades. "Nenhuma empresa pode deixar de ter responsabilidade direta sobre a forma como faz dinheiro — e isso vale para as plataformas também".

"A comunicação em um contexto de crise deve ser muito cuidadosa. Em primeiro lugar, é necessário evitar as narrativas sensacionalistas sobre o tema", destaca a professora Helena Martins, doutora em Comunicação, do curso de Publicidade e Propaganda da Universidade Federal do Ceará (UFC). Ela descreve que a reprodução de imagens violentas, a exposição de fotos do agressor ou o resgate de outras histórias de agressões favorecem a promoção da violência. "Tudo isso ajuda a perpetuar o caso e a alçar o agressor a herói nos grupos que concordam com sua ação".

Para Andréa Pinheiro, professora do curso de Sistemas e Mídias Digitais e pesquisadora do Laboratório de Pesquisa da Relação Infância, Juventude e Mídia (LabGRIM-UFC), "não debatemos, como deveríamos ter debatido, de que se trata mesmo esse negócio das redes sociais. A sociedade fez uma adesão deslumbrada à lógica empregada por essas novas mídias, que capturam a nossa atenção e o nosso tempo, sem qualquer criticidade". Jornalista de formação e doutora em Educação Brasileira, ela concorda que haja uma revisão no trabalho jornalístico desses acontecimentos. "Em que medida a cobertura jornalística insufla o desejo de outros criminosos de ganhar segundos de fama?", questiona.

A regulação das redes sociais é consenso entre as fontes ouvidas. "Precisamos entender que as plataformas são propriedades de corporações empresariais de mídia digital que envolvem e movimentam muitos recursos e como qualquer outra forma de negócio precisam de regulamentação para funcionar. Não é razoável que esses espaços estejam favorecendo a propagação do ódio, da apologia ao nazismo e de vários outros crimes, sem que sejam responsabilizados por isso", afirma a pesquisadora.

"As medidas mais efetivas devem passar por garantir educação para a mídia, acesso de qualidade para que as pessoas possam conhecer múltiplas versões dos fatos e, também, pela regulação das plataformas digitais. Uma regulação que leve à redução do poder das plataformas digitais e do impacto de seu modelo de negócios baseado em coleta de dados, na produção de bolhas (os públicos calculados) e na visibilidade condicionada ao pagamento. É preciso termos transparência no funcionamento dessas plataformas", acrescenta Helena Martins.

Segundo o promotor Lucas Azevedo, o Marco Civil da Internet (Lei 12.965), que completa nove anos no próximo dia 23 de abril, traz algumas balizas de regulação das redes sociais.

"É necessário ter algum tipo de parâmetro. Estamos sentindo isso na pele agora com os incidentes nas escolas. As redes sociais são ferramentas valiosíssimas, mas precisam ser bem utilizadas. Para termos paz na sociedade e que o ambiente virtual possa ser utilizado de maneira benéfica para todos nós, sobretudo crianças e adolescentes, importante que haja uma política interna dessas plataformas de acordo com a lei que regulamenta o marco civil da internet", defende. "Precisamos reforçar a função do jornalismo como serviço: sair da factualidade dos casos e debater o assunto com mais profundidade", completa Samira de Castro, da Fenaj.

Publicado originalmente no Com informações portal O Povo +

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