25 de abril de 2023

Quatro anos depois, Chico Buarque recebe o Prêmio Camões

A entrega da honraria foi das mais concorridas, com a presença de políticos, ministros e ex-ministros, acadêmicos, artista e escritores (Foto: Ricardo Stuckert)

Depois de quatro anos do anúncio da condecoração, o cantor, compositor e escritor brasileiro Chico Buarque de Holanda recebeu ontem (24/04), o Prêmio Camões, um dos mais importantes do mundo. A demora se deveu à recusa do então presidente Jair Bolsonaro de assinar o documento que garantia a honraria. Brasil e Portugal são responsáveis pela premiação, de 100 mil euros (R$ 560 mil). A cerimônia de condecoração ocorreu no suntuoso Palácio Nacional de Queluz, onde nasceu e morreu o imperador Dom Pedro I.

Chico, como a maioria dos artistas, era visto como inimigo pelo governo passado, além de ser apoiador de primeira hora do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Durante as últimas eleições, ele gravou vídeos em que dizia que era importante eleger o petista como forma de garantir a democracia do Brasil, combater a onda de ódio e eliminar a pobreza. "Mesmo quem não gosta do Lula deve votar nele, pois Bolsonaro é muito pior", afirmou à época.

Presente na cerimônia, a cantora Fafá de Belém foi enfática: “Eu acho que (o prêmio dado a Chico) é um ato simbólico, finalmente o resgate de democracia e do respeito às artes como fundamentais para o desenvolvimento de um país”.

A entrega da honraria foi das mais concorridas, com a presença de políticos, ministros e ex-ministros, acadêmicos, artista e escritores, como o moçambicano Mia Couto. Tudo foi acertado pessoalmente entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está em viagem a Portugal, e o presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa.

"Ex-presidente teve a rara fineza de não sujar meu Camões", diz Chico Buarque

Muito emocionado — com a voz embargada por vários momentos —, o cantor, compositor e escritor Chico Buarque de Holanda priorizou a política no discurso de agradecimento pelo Prêmio Camões, entregue a ele quatro anos depois de a honraria ter sido anunciada. Sem citar o nome de Jair Bolsonaro, que, em 2019, se recusou a assinar a condecoração, ele afirmou: “O ex-presidente teve a rara fineza de não sujar meu Prêmio Camões. O diploma foi entregue pelos presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa. O artista receberá 100 mil euros (R$ 560 mil). Chico Buarque dedicou o prêmio a tantos autores humilhados e ofendidos nesses anos de estupidez e obscurantismo.

Chico abriu o discurso ressaltando a importância que o pai, Sérgio Buarque de Holanda, teve em sua obra, tanto como compositor quanto como escritor. Também destacou o papel político dele, um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT). “Mas ele não viu a restauração da democracia no país nem que o Brasil cairia em um profundo poço (nos últimos quatro anos)”, afirmou.

Já mais descontraído, brincou que temeu a possibilidade de ter o prêmio cancelado depois de longos quatro anos de espera, com uma pandemia no meio e o obscurantismo como marca do último governo. O artista contou que seus antepassados tentaram apagar da história que a família tinha sangue negro e indígena, a miscegenação brasileira. “Tenho sangue dos açoitados e dos açoitadores”, frisou.

O artista afirmou que se sentia honrado por receber um prêmio tão importante — um dos mais celebrados do mundo — como escritor, mas faz questão de ser reconhecido no Brasil como compositor popular. Ele destacou, ainda, que a democracia venceu no país com a eleição de Lula. Porém, alertou que os quatro anos “de um governo funesto”, que deixou raizes do fascismo. “Não podemos nos descuidar”, avisou.

Em dois momentos, Chico levou a plateia às gargalhadas. Primeiro, quando disse que sua mulher, Carol Proner, atravessou uma das avenidas de Lisboa para comprar a gravata que ele estava usando. Uma ironia à polêmica criada em torno da gravata comprada pela pela primeira-dama, Janja da Silva, em uma loja de luxo.

A segunda, quando disse que teria direito à cidadania portuguesa, pois descendia de judeus sefarditas, que fugiram de Portugal para o Brasil fugidos da perseguição da inquisição. Em seguida, ressaltou: “Já morei fora do Brasil e não pretendo repetir a experiência. Em Portugal, me sinto mais ou menos em casa”.

"Prêmio de Chico é vitória da cultura e da democracia", afirma Lula

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que a demora de quatro anos para a entrega do Prêmio Camões ao cantor, compositor e escritor Chico Buarque de Holanda foi um dos maiores absurdos cometidos pela contra a cultura brasileira nos últimos tempos. “Digo isso porque esse prêmio deveria ter sido entregue em 2019 e não foi. Todos nós sabemos por quê”, disse, ao lado de Chico. A cerimônia ocorreu no suntuoso Palácio Nacional de Queluz, onde nasceu e morreu Dom Pedro I.

Segundo Lula, o ataque à cultura, em todas as suas formas, foi uma dimensão importante do projeto que a extrema-direita tentou implementar no Brasil. “Se, hoje, estamos aqui para fazer esse gesto de reparação e celebração da obra do Chico, é porque, finalmente, a democracia venceu no Brasil”, assinalou. Ele ressaltou que o Brasil não Pode esquecer que “o obscurantismo e a negação das artes também foram uma marca do totalitarismo e das ditaduras que censuraram o próprio Chico no Brasil e em Portugal”.

Para o líder brasileiro, a premiação de Chico é “uma resposta do talento contra a censura, do engenho contra a força bruta”. Acrescentou que a obra de Camões foi o início da grande epopeia da língua portuguesa, que hoje floresce nos nove países que a utilizam oficialmente. “A obra de nosso Chico Buarque, produzida nesse mesmo idioma, acompanha toda a história recente do Brasil, com especial atenção ao destino político e cultural de nossos países-irmãos”, completou.

No discurso, praticamente todo lido, o presidente enfatizou que “Chico transformou em patrimônio literário comum os amores de nossos povos, as alegrias de nossos carnavais, as belezas de nossos fados e sambas, as lutas obstinadas de nossas cidadãs e cidadãos pela conquista da liberdade e da democracia”. E emendou: “Em seu cancioneiro, em suas peças de teatro e em seus romances, o cantor nunca deixou de fazer da língua portuguesa instrumento de transmissão de nossas culturas e de nossas lutas”.

Segundo Lula, na obra de Chico Buarque, o passado, o presente e o futuro do Brasil e de Portugal sempre estiveram vinculados. “Foi assim que ele decidiu revisitar nossa história, na peça Calabar, para nos mostrar, por meio deste personagem luso-brasileiro, quantas vezes em nosso destino se fizeram de traidores, heróis; de heróis, condenados; e da justiça, arbítrio”, disse. 

“Quando Brasil e Portugal atravessavam violentos regimes ditatoriais, foi assim que Chico jogou luz sobre a festa da redemocratização portuguesa, fazendo com que guardássemos, ‘teimosos e renitentes’, um velho cravo como esperança para nós mesmos. Um cheirinho de alecrim”, acrescentou.

Na avaliação do presidente, “a vasta contribuição da obra de Chico vai além de seus inegáveis aportes à riqueza literária da língua portuguesa e mostra que arte e cultura estão entrelaçados com a política e com nossos ideais de liberdade e democracia”.

No único improviso de sua fala, Lula brincou com Chico: “Quando ainda era muito pequeno, eu queria ser cantor, queria escrever peças de teatro e queria fazer tudo o que você faz, inclusive escrever romances. Aí falei para minha mãe que eu queria ser tudo isso, ela falou ‘não, meu filho, você não pode ser, porque já nasceu um menino dois anos mais velho do que você chamado Chico Buarque, que vai ser o mais importante’. E eu, há 75 anos, falei para minha mãe o que vou ser? Ela falou ‘se prepare, que você vai ser presidente’. E aqui estou, eu, presidente da República, e o Chico, representando a cultura viva do nosso país”

Com informações portal Correio Braziliense

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